RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC) DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PACOTE DE VIAGEM. CRUZEIRO. CANCELAMENTO EM RAZÃO DA PANDEMIA. REEMBOLSO REALIZADO DE FORMA PARCIAL E FORA DO PRAZO LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ABUSIVIDADE DA CONDUTA DA EMPRESA ACIONADA. TENTATIVAS DE RESOLVER O ESTORVO PELA VIA ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. SÚMULA 30 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS SENTENÇA QUE CONDENOU A ACIONADO NA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR O VALOR RESIDUAL DESPENDIDO PELO CONSUMIDOR, NO ENTANTO INDEFERIU A INDENIZAÇÃO EXTRAPATRIMONIAL. ILICITUDE CONFIGURADA. DANOS MORAIS DEVIDOS E FIXADOS AO IMPORTE DE R$6.000,00 (SEIS MIL REAIS). PRECEDENTES DESTA QUINTA TURMA RECURSAL. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
O novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA) estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias que já tenham entendimento sedimentado pelo colegiado ou com uniformização de jurisprudência, em consonância com o art. 15, incisos XI e XII, da mencionada Resolução e artigo 932 do Código de Processo Civil.
Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Passemos ao exame do mérito.
Analisados os autos observa-se que a matéria já se encontra sedimentada no âmbito da 5ª Turma Recursal. Precedentes desta turma: 0001216-93.2020.8.05.0126; 0010603-22.2020.8.05.0001, 0024131-80.2020.8.05.0080 e 0036951-43.2021.8.05.0001.
Sabe-se que precedente é toda decisão judicial, tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo poderá servir como diretriz para casos futuros análogos[1].
A aplicação dos precedentes dá concretude à princípios basilares no ordenamento jurídico brasileiro, como segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF), razoável duração do processo e celeridade (art. 5º, LXXVIII, CF), seja por evitar a proliferação de recursos judiciais, ou até mesmo a propositura de ações, seja por facilitar a conciliação judicial, evitando, desse modo, que o processo judicial se perpetue no tempo, tornando o Poder Judiciário ineficiente[2].
Somado a isso, o Novo Código de Processo Civil, no art. 926, estabelece que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, e estabelece, em seu art. 932 os poderes do relator. Especificamente no âmbito dos Juizados Especiais, a Resolução nº 02 do TJBA, que estabeleceu o Regimento Interno das Turmas Recursais, em seu art. 15, XI e XII, conferiu ao Relator a atribuição de decidir de forma monocrática o recurso, considerando a jurisprudência dominante das Turmas recursais ou do próprio Juizado – passo a adotar tal permissivo.
No caso concreto, a sentença recorrida NÃO está em consonância com o entendimento pacificado desta Quinta Turma Recursal acerca da matéria sob discussão.
Discutindo-se a prestação defeituosa de serviço, cabia a Recorrente ilidir a responsabilidade civil objetiva inerente ao próprio risco da atividade econômica, consagrada no art. 14, caput, do CDC, que impõe ao fornecedor o ônus de provar causa legal excludente (§3º do art. 14), algo que não se desincumbiu, já que não logrou em comprovar que inexistiu falha.
Verifica-se que o limite estabelecido pela Lei n° 14.046/2020, alterada pela Lei 14.390/2022 para que seja realizado o reembolso de serviços cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021 (caso dos autos), a data limite para o reembolso é justamente 1 ano após, qual seja, 31 de dezembro de 2022:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19 nos setores de turismo e de cultura.
[...]
§ 6º O prestador de serviço ou a sociedade empresária deverão restituir o valor recebido ao consumidor somente na hipótese de ficarem impossibilitados de oferecer a remarcação dos serviços ou a disponibilização de crédito a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo nos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 14.390, de 2022)
I - até 31 de dezembro de 2022, para os cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021; e (Incluído pela Lei nº 14.390, de 2022)
II - até 31 de dezembro de 2023, para os cancelamentos realizados de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022. (Incluído pela Lei nº 14.390, de 2022)
Outrossim, o reembolso só fora perpetrado em 12.02.2023.
Nesse sentido, a violação dos deveres anexos à boa-fé objetiva, in casu, ensejou para a parte autora prejuízo de natureza moral.
Ademais, a parte autora tentou resolver o estorvo em na via administrativa em mais de uma oportunidade, contudo sem lograr êxito. O tempo despendido pelo consumidor com o fito de tentativa de resolver complicações que não deu causa, deve ser observado para fins de fixação de indenização. Nesse sentido:
Sumula nº 30 - A usurpação do tempo do consumidor na tentativa de solucionar, extrajudicialmente, problema a que não deu causa, pode caracterizar, a depender das circunstâncias do caso concreto, o denominado “desvio produtivo”, do que decorre o dever de indenizar pelo dano causado. (Sessão Ordinária da Turma de Uniformização de Jurisprudência das Turmas Recursais – 21 de julho de 2023).
Ao contrário do que assevera a parte ré, o dano simplesmente moral, sem repercussão patrimonial, não há como ser provado, nem se exige perquirir a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter eminentemente subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o suficiente para autorizar a reparação.
Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge a obrigação de reparar o dano moral, sendo prescindível a demonstração do prejuízo concreto.
O dano moral, na hipótese, encontra previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º, inciso VI, do CDC, com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e repercussão no art. 186, do Código Civil, e, sendo o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor.
Quanto ao valor da reparação, este deve ser arbitrado observando o binômio razoabilidade e proporcionalidade e respeitando o caráter reparatório e inibitório punitivo da condenação, que deve trazer compensação indireta ao sofrimento do ofendido e incutir certo temor no ofensor para que não dê mais causa a eventos semelhantes.
É certo que referida indenização não deve ser objeto de enriquecimento da parte que busca reparação do dano moral, de modo que deve ser fixada em valor que atenda aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade.
Para fixação do valor do dano moral deve-se observar a proporcionalidade e razoabilidade com: a) A extensão do dano moral que é o constrangimento, aborrecimento e transtornos causados. b) A situação patrimonial das partes. c) O caráter compensatório-punitivo da indenização.
Embora seja difícil quantificar o dano moral, predomina o entendimento de que deve ser fixado observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entretanto, não pode ser um valor irrisório, vez que descaracterizaria o caráter intimidatório da condenação, porquanto entendo que o valor de R$: 6.000,00 (seus mil reais) é suficiente à reparação do dano e está em consonância com o patamar indenizatório desta 5ª Turma Recursal.
Quanto ao valor pretendido de restituição, entendo que a decisão de piso foi acertada, portanto nada a reparar nesse aspecto.
Diante do quanto exposto, CONHEÇO E CONCEDO PROVIMENTO ao recurso da parte autora, para fixar condenação da acionada em indenização por danos morais ao importe de R$:6.000,00 (seis mil reais) com correção monetária desta decisão de juros da citação. Indefiro os demais pedidos em razão da fundamentação supra. Sem condenação em custas e honorários.
Intimem-se.
Salvador/BA, data registrada no sistema.
ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA
Juiz Relator