PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



ProcessoAPELAÇÃO CÍVEL n. 0058849-40.2006.8.05.0001
Órgão JulgadorPrimeira Câmara Cível
APELANTE: MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e outros (2)
Advogado(s)FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS, RENATA CALDAS DE MACEDO
APELADO: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS e outros (2)
Advogado(s):RENATA CALDAS DE MACEDO, FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS

 

ACORDÃO

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINARES. DESERÇÃO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DESISTÊNCIA DE AÇÃO ANTERIOR. COISA JULGADA FORMAL. REPROPOSITURA DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. REJEITADA. MÉRITO. DIREITO AUTORAL. TITULARIDADE DERIVADA. FANTASIA TRIDIMENSIONAL DE PERSONAGEM. USO INDEVIDO, CONTRAFAÇÃO E ADULTERAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. CESSÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES IMPROVIDO. RECURSO DO RÉU PROVIDO.

 

Rejeita-se a preliminar de deserção suscitada em contrarrazões dos autores ao apelo do réu, pois o preparo foi recolhido com base no valor da condenação, não havendo disposição legal que exija a atualização da referida base para o cálculo das custas.

 

Em relação ao pedido inserto no apelo dos autores, verifica-se que a atuação da ré não constituiu nenhuma das hipóteses taxativas elencadas no art. 80 do CPC, capazes de configurar a imputada litigância de má-fé.

 

O pedido de desistência extingue o processo sem exame do mérito e gera coisa julgada meramente formal, não obstando a repropositura da demanda. Afasta-se a prejudicial de prescrição.

 

O objeto da lide envolve a discussão em torno da criação da tridimensionalidade artística do personagem ARARAJUBA, cuja paternidade originária foi cedida à requerida pela detentora dos respectivos direitos em 09/05/1994. No referido documento, o criador assegurou à empresa todos os direitos sobre o aludido desenho, dele podendo fazer uso como melhor lhe conviesse.

 

A ação diz respeito, pois, à titularidade derivada da fantasia tridimensional do personagem e do suposto uso indevido, contrafação e adulteração desta obra artística.

 

Na hipótese, a obra foi realizada sob encomenda e sem relação de emprego entre as partes, na medida em que a ré contratou os autores para confecção da fantasia da personagem.

 

A titularidade derivada dos autores apenas alcança o uso de sua criação que, por sua vez, é derivada de um personagem de propriedade da ré. A existência de outras fantasias e variações do personagem em formato artístico tridimensional não implica, necessariamente, em violação do direito dos apelantes.

 

Entendimento contrário implicaria em impedir a detentora dos direitos do personagem de confeccionar ou encomendar de terceiros outras fantasias que o representem, ainda que em qualidade inferior à produzida pelos autores.

 

O acolhimento da pretensão autoral demandaria uma análise criteriosa de cada uma das fantasias em questão, permitindo identificar o grau de semelhança entre elas. Porém, não há nos autos elementos que permitam o exame.

 

Os autores não lograram demonstrar concretamente, por exemplo, a utilização de algum material, técnica ou tecnologia única que imprimisse à sua obra alguma distinção sobre as demais; em realidade, a similitude é natural por se tratarem de versões de um mesmo personagem, autorizadas pelo detentor dos direitos sobre o desenho.

 

O art. 4º da Lei 9.610/1998 estabelece que os negócios jurídicos sobre os direitos autorais se interpretam restritivamente. Embora a relação contratual em si seja incontroversa, as partes não trouxeram aos autos cópia do instrumento, permitindo aferir as condições em que se estabeleceu a cessão, que deverá ser sempre por escrito (art. 50 da referida Lei).

 

Não havendo prova de edição da obra que extrapolasse os limites legais ou contratuais, afasta-se a pretensão indenizatória.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n.º 0058849-40.2006.8.05.0001, em que figura como apelantes e apelados, reciprocamente, PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS, e MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e outro.

 

ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso dos autores e DAR PROVIMENTO ao apelo do réu, julgando-se improcedentes os pedidos autorais. Invertidos os ônus da sucumbência, fixar os honorários advocatícios em favor do réu, em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a gratuidade deferida aos autores, nos termos do voto do Relator.

 

Sala das Sessões da Primeira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, aos dias do mês de do ano de 2024.

 

Des.(a) Presidente

 

Desembargador Jatahy Júnior

Relator

 

Procurador(a) de Justiça

84

 

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

 

DECISÃO PROCLAMADA

Conhecido e provido Por Unanimidade

Salvador, 12 de Novembro de 2024.

 


 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 

Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0058849-40.2006.8.05.0001
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
APELANTE: MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e outros (2)
Advogado(s): FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS, RENATA CALDAS DE MACEDO
APELADO: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS e outros (2)
Advogado(s): RENATA CALDAS DE MACEDO, FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS

 

RELATÓRIO

 

Tratam-se de apelações interpostas por MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS contra a sentença de ID 64632028, integrada ao ID 64632042, proferida pelo MM. Juiz da 3ª Vara Cível e Comercial da comarca de Salvador, que nos autos da Ação Indenizatória 0058849-40.2006.8.05.0001 julgou procedentes em parte os pedidos, nos seguintes termos:

 

(a) Acolho pelo reconhecimento da paternidade derivada da fantasia tridimensional do personagem ‘ARARAJUBA’, bem como a regularidade do registro do direito autoral na Biblioteca Nacional, em harmonia com art. 5º, XXVII, da Constituição Federal do 1988 e art. 5º, VIII, alínea "g" e art. 19 da LDA c/c art. 17, §1 da Lei 5.988/1973;

 

(b) Julgo procedente na espécie de danos patrimoniais, os danos emergentes, arbitrado com base no valor da causa, no montante de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais), ao qual deverá ser corrigido a partir da data do período de celebração do contrato, com juros e mora, até os dias atuais, por fulcro do arts. 28 e 29, incisos I, II e VI, alínea ‘j’, 102 e 103 da Lei nº 9.610/98 e art. 402 e 884 do Código Civil de 2002;

 

(c) Julgo improcedente na espécie de danos patrimoniais, os lucros cessantes, nos termos do art. 402 do Código Civil (2002);

 

(d) No tocante a pretensão de compensação pelos danos morais sofridos pelos aos autores, ainda que avalie a execução específica das obrigações de fazer e não fazer oponíveis ‘erga omnes’ dos autores, decorrentes dos direitos morais elencados no art. 24 da Lei n. 9.610/98, julgo pelo reconhecimento do prazo prescricional da presente reparação civil, nos termos art. 178, §10, VII, do Código Civil de 1916 c/c art. 206, §3º, V, do atual codex (2002);

 

(e) Considerando a complexidade da causa, além da sucumbência recíproca, arcarão ambas com custas, despesas processuais e honorários advocatícios do patrono da parte contrária que fixo em 10% no valor da condenação.”

 

Em seu apelo (ID 64632045), os autores narram que foram contratados pela Petrobras para criar e confeccionar uma fantasia da personagem já existente “Ararajuba” para uma campanha publicitária da empresa, sendo que entregaram uma obra com características originais próprias, devidamente registrada e cuja titularidade restou devidamente reconhecida pelo juízo.

 

Afirmam que a promoção da marca Petrobras nos Estados Unidos durante a Copa do Mundo de 1994 não se deu unicamente através de placas instaladas em estádios, pois há registros do uso da fantasia criada pelos autores dentro do campo de futebol, em posicionamento que exibe a propaganda da marca.

 

Dissertam que a ré atuou de má-fé, que protelou o recolhimento das custas para oitiva de suas testemunhas na comarca do Rio de Janeiro/RJ, o que provocou anos de estagnação do feito e causou danos aos demandantes, devendo a conduta ser devidamente penalizada.

 

No mérito, reportam ser incontroverso que a obra dos apelantes se revestiu de conteúdo intelectual e criativo próprio, sendo reconhecida a sua paternidade derivada sobre a obra em comento, que possui angulações próprias, método próprio e utilização de tecido e espuma na proporção criada pelos autores, dando forma ao personagem.

 

Pontuam que a sentença entendeu que a contrafação da obra teria sido praticada por um terceiro de nome Omar Cecílio, não se podendo presumir a má-fé da acionada; porém, “mesmo que se pudesse verificar estranheza no acesso de eventual ã, a despeito da dificuldade na expertise técnica para confecção, tal situação não permitiria a dedução de que a apelada seria responsável” pela referida falsificação.

 

Acrescentam que, nos autos, “é possível perceber, além da fantasia utilizada pelo suposto fã, utilização de uma clara contrafação utilizada exatamente numa campanha promovida pela Petrobras em determinado zoológico”, sendo perceptível que a falsificação utiliza a mesma matéria-prima e o mesmo estilo de confecção da fantasia original, diferenciando-se apenas em alguns detalhes, mas com idênticos materiais e lógica de costura.

 

Identificam que houve outra contrafação utilizada em jogo de futsal realizado em 1998, na partida Brasil x Ucrânia.

 

Asseveram que as fantasias falsificadas foram derivadas daquela criada pelos autores.

 

Discordam que a construção da fantasia seria para a sua utilização no evento da Copa do Mundo, mesmo porque a própria ré admitiu que a promoção da marca naquela ocasião se deu unicamente através de placas instaladas em estádios.

 

Entendem que a Petrobras, num primeiro momento, tentou negar o vínculo com os autores; posteriormente, afirmaram ser detentores do personagem e, via de consequência, da fantasia tridimensional.

 

Narram que, mesmo após o envio de notificações extrajudiciais à ré, nada foi feito e não é possível sequer mensurar a quantidade de edições fraudulentas; logo, há de ser aplicado o art. 103, parágrafo único, da Lei 9610/1998, que determina o pagamento do valor equivalente 3 mil exemplares. Subsidiariamente, requerem seja indenizado o valor equivalente a 3 fantasias, porquanto as provas nos autos dão conta da confecção, no mínimo, desta quantidade.

 

Advogam que a prescrição não restou caracterizada, mesmo porque a questão já havia sido decidida pelo juízo em audiência, descabendo ao juiz decidir novamente a questão sob pena de violação à coisa julgada (art. 505, CPC); bem como porque os direitos morais do autor são imprescritíveis, à luz da jurisprudência do STJ.

 

Ao final, pugnam pelo provimento do recurso.

 

Por sua vez, a ré interpôs apelação adesiva ao ID 64632049 arguindo violação à coisa julgada material, pois os autores ajuizaram uma primeira ação indenizatória em 17/09/1999 com a mesma causa de pedir e pedidos formulados nestes autos; e naquela ação, não apenas desistiram do feito, como renunciaram ao direito no qual se fundava a ação.

 

Reiteram que a pretensão referente aos danos materiais se encontra fulminada pela prescrição. Argumenta que, embora vetado, o art. 111 da Lei 9610/1998 manteve o prazo de 5 anos e não chegou a viger; assim, antes do advento do Código Civil de 2002, o prazo ainda era de 5 anos.

 

Argumentam que inexiste originalidade na obra dos autores, porquanto já existia uma fantasia do personagem antes de sua contratação.

 

Alegam ausência de danos emergentes, merecendo ser afastada a condenação. Esclarece que o próprio recorrente reconhece que foram solicitadas 3 fantasias, para serem usadas: uma nos Estados Unidos; outra pela testemunha Radiovaldo; e outra no Rio de Janeiro.

 

Defende que “quem possui uma fantasia vai usá-la” e “a Petrobras poderia sim usá-la sem prévia autorização dos autores”, conforme dispõe o art. 77 da Lei 9.610/1998.

 

Contrarrazões da ré ao ID 64632048, pugnando pelo não provimento do apelo.

 

Os autores contrarrazoaram o recurso adesivo ao ID 67124784, arguindo a deserção do apelo adesivo e, no mérito, pelo seu total improvimento.

 

Ao ID 65773171, este Relator proferiu despacho determinando que fossem acostados documentos que instruíssem a preliminar de coisa julgada. A ré peticionou ao ID 66409285 colacionando cópia da sentença mencionada. A parte autora, por sua vez, manifestou-se ao ID 67127948 pela rejeição da preliminar.

 

Proferido despacho ao ID 67164000 para oportunizar ao réu/apelante que se manifestassem a respeito da preliminar de deserção. A diligência foi cumprida ao ID 68019348, pelo não acolhimento do quanto arguido.

 

Relatados os autos, inclua-se o feito em pauta para julgamento.

 

Salvador, 23 de outubro de 2024.

 

Desembargador Jatahy Júnior

Relator

84

 


 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0058849-40.2006.8.05.0001
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
APELANTE: MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e outros (2)
Advogado(s): FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS, RENATA CALDAS DE MACEDO
APELADO: PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS e outros (2)
Advogado(s): RENATA CALDAS DE MACEDO, FABRICIO DOS SANTOS SIMOES, SERGIO PLAZZI MASCARENHAS

 

VOTO

 

Cuidam-se de apelações interpostas por MARGARETH SOLEDADE DE MEDEIROS e PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS contra a sentença que, nos autos da Ação Indenizatória 0058849-40.2006.8.05.0001, julgou procedentes em parte os pedidos.

 

Inicialmente, deixo de acolher a preliminar de deserção suscitada em contrarrazões dos autores ao apelo do réu, uma vez que o preparo foi recolhido com base no valor da condenação, não havendo disposição legal que exija a atualização da referida base para o cálculo das custas.

 

Noutro ponto, em relação ao pedido inserto no apelo dos autores, a atuação da ré não constituiu nenhuma das hipóteses taxativas elencadas no art. 80 do CPC, capazes de configurar a imputada litigância de má-fé.

 

Conclui-se apenas que, embora os autores afirmem que a ré tenha protelado o feito durante anos, os intervalos de paralisação do andamento se deram em razão dos mecanismos do Judiciário, sendo legítimos os requerimentos formulados pela ré, que foram deferidos pelo juízo sem qualquer irresignação pelos requerentes.

 

Desta forma, é de se concluir que não restou configurado o dolo praticado pelo recorrente, necessário para a condenação na litigância de má-fé, não podendo ser ele presumido apenas com as alegações apresentadas nas razões recursais.

 

No tocante à preliminar de coisa julgada, reiteração do que foi arguido na Contestação (ID 64631412), imperioso registrar que os autores já haviam ingressado com a Ação Indenizatória n.° 14099707.115-8 nos idos de 1999, perante a 15ª Vara Cível de Salvador.

 

Importante registrar, ab initio, que a coisa julgada é matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º, CPC).

 

Entretanto, como bem observado pelo juízo a quo ao enfrentar a questão (ID 64631640), o pedido de desistência extingue o processo sem exame do mérito e gera coisa julgada meramente formal, não obstando a repropositura da demanda. Neste sentido:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. DESISTÊNCIA. COISA JULGADA MATERIAL. INEXISTÊNCIA. APELO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. - Homologado pedido de desistência da ação, inexiste coisa julgada material e, portanto, não existe óbice à apreciação do pedido formulado na inicial, devendo ser reformada a sentença recorrida.(TJ-MG - AC: 50015676920178130382, Relator: Des.(a) José Marcos Vieira, Data de Julgamento: 08/03/2023, 16ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 09/03/2023)

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESPEJO - PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - REJEITADA - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO ANDAMENTO PROCESSUAL - AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANTERIOR EXTINTA POR DESISTÊNCIA - COISA JULGADA FORMAL - VIOLAÇÃO DO ART. 10, DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA. Somente há ofensa ao princípio da dialeticidade quando as razões recursais estão inteiramente dissociadas do que foi decidido na decisão recorrida, o que não se afigura na hipótese. Tendo a ação anterior sido extinta por desistência, não há se falar em litispendência ou coisa julgada material. Não há que se falar em nulidade quanto ao ponto, na medida em que a extinção do feito com base no art. 485, VIII, do CPC, ou seja, sem resolução de mérito, não constitui óbice para a propositura de nova a ação, já que não acarreta coisa julgada material. O Novo CPC determina que o juiz não pode decidir, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Entretanto, no presente caso, a condenação não foi embasada na planilha de cálculo anexada e, pelo que se depreende da sentença, sequer houve menção ao cálculo ali mencionado pelo autor. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.269671-7/004, Rel. Des. Marco Aurelio Ferenzini, 14ª Câmara Cível, j. 25/01/2018, p. 02/02/2018).

 

Rejeito, pois, a preliminar.

 

Acerca da prescrição, é cediço que o Código Civil de 1916 previa o prazo quinquenal para a ação civil por ofensa a direitos de autor, conforme dispunha o seu art. 178, §10, VII.

 

Em seguida, a Lei n.º 5.988/1973, ao tratar da matéria, repetiu o quinquênio prescricional previsto na lei geral (art. 131). Assim o fazendo, promoveu a revogação do dispositivo do Código Civil, conforme disciplina a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

 

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

 

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

 

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

 

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

 

Como o referido Decreto-Lei 4.657/1942, no § 3º do mesmo art. 2º, veda o fenômeno da repristinação, o advento da novel Lei de Direitos Autorais, Lei n.º 9.610/1998, que revogou a Lei n.º 5.988/1973 e o lustro prescricional nela previsto, não restaurou a vigência do art. 178, §10, VII do Código Civil de 1916.

 

Por fim, o Código Civil de 2002 reduziu para 3 (três) anos o prazo prescricional para a pretensão de reparação civil (art. 206, §3º, V).

 

Disciplinando o conflito de leis no tempo, o art. 2.028 do Código Civil dispõe desta forma:


Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”

 

Deste modo, as ações indenizatórias referentes a direito autoral passaram a ser abrangidas pelo prazo geral vintenário previsto no art. 177 daquele Codex. Neste sentido:

  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PREPARO. DIA POSTERIOR AO ENCERRAMENTO DO PRAZO. POSSIBILIDADE. ENCERRAMENTO DO EXPEDIENTE BANCÁRIO ANTES DO FORENSE. DIREITO AUTORAL. PRESCRIÇÃO. ART. 177 DO CC/16. REPRISTINAÇÃO. VEDAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. PRESCRIÇÃO NO CC/02. INC. I, § 5º. ART. 206. QUINQUENAL. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA EM DEFESA. PRECLUSÃO. ART. 300 DO CPC. VEDADO CONHECIMENTO PELO TRIBUNAL. PRINCIPIO DA EVENTUALIDADE. MULTA MORATÓRIA. PERCENTUAL 10%. INEXISTÊNCIA DE EXORBITÂNCIA. Admitida a prorrogação do prazo recursal para o dia subseqüente ao seu termo, quando evidenciado que no ato de interposição do recurso o expediente bancário havia se encerrado. Com a entrada em vigor da Lei 9.610/98, que revogou expressamente a Lei 5.988/73, o direito brasileiro deixou de prever prazo prescricional referente às ações civis por ofensa a direito autoral. Isso porque o § 10, inc. VII do art. 178 do CC/16, que tratava da matéria desde a entrada em vigor do Código Civil de 1916, foi revogado pela Lei 5.988/73. Assim, havendo vedação no ordenamento jurídico brasileiro à repristinação, § 3º. do art. 2º. da LICC, para ações civis por ofensa a direito autoral deve-se utilizar o prazo geral vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916. No Código Civil de 2002, o prazo prescricional para ações relativas à ofensa de direitos autorais é a do inc. I, § 5º. do art. 206 do CC/02, que prevê prazo de cinco anos. O momento oportuno para impugnar os documentos trazidos com a inicial é a defesa, pela aplicação do princípio da eventualidade, consagrado no art. 300 do CPC, sendo vedada insurgência tardia quando não se trata de matéria de ordem pública, porque encoberta pelo manto da preclusão. Não é exorbitante a multa de 10% (dez por cento) prevista na Lei 9.610/98. (TJ-MG - AC: 10042050131467001 Arcos, Relator: Afrânio Vilela, Data de Julgamento: 06/08/2008, Câmaras Cíveis Isoladas / 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/08/2008)

 

In casu, a ação foi ajuizada em 10/05/2006, referindo-se a suposto ato ilícito perpetrado pela ré em 1994; logo, não decorrido o prazo correspondente, a pretensão autoral não foi fulminada pela prescrição.

 

No mérito, os autores narram que são os criadores da fantasia do personagem “Ararajuba” encomendados pela Petrobras “para utilização em pontos e eventos por ela realizados”, tendo sido confeccionadas 3 unidades; que jamais autorizaram a reprodução da obra e nem cederam os direitos sobre ela, que a Petrobras utilizou indevidamente o boneco sem o devido pagamento de royalties; a acionada reproduziu e adulterou sem autorização a fantasia.

 

Os pedidos da exordial resumem-se ao pagamento de indenização por danos morais; e danos materiais calculados 3 mil vezes o valor unitário da obra dos autores, em virtude da contrafação, comunicação em público e adulteração da obra; não há pedido subsidiário.

 

O objeto da lide envolve a discussão em torno da criação da tridimensionalidade artística (fantasia tridimensional) do personagem ARARAJUBA, e não à criação do personagem propriamente dito, cuja paternidade originária foi cedida à requerida pela firma LOBO STUDIO LTDA. ME em 09/05/1994 (ID 64631451). No referido documento, o criador assegurou à empresa todos os direitos sobre o aludido desenho, dele podendo fazer uso como melhor lhe conviesse.

 

Diz respeito, pois, à titularidade derivada da fantasia tridimensional do personagem e do uso indevido, contrafação (falsificação) e adulteração desta obra artística.

 

In casu, a obra foi realizada sob encomenda e sem relação de emprego entre as partes, na medida em que a ré contratou os autores para confecção da fantasia da personagem. Assim restou sintetizado na sentença:

 

Apesar de sua importância, a titularidade originária do desenho estilizado do personagem, no exame do caso, não trata-se de questão controvertida sub judice, tendo em vista que o pleito autoral recaí sob a titularidade da fantasia-tridimensional do referido personagem, sendo esta a questão, de fato, controvertida; em que o autor afirmar ter seus direitos autorais violados pelo réu, em razão do uso indevido e da contrafação e adulteração da obra artística, a saber: a fantasia-tridimensional da ARARAJUBA.”

 

Com efeito, a titularidade derivada dos autores apenas alcança o uso de sua criação – que, por sua vez, é derivada de um personagem de propriedade da ré. A existência de outras fantasias e variações do personagem em formato artístico tridimensional não implica, necessariamente, em violação do direito dos autores/apelantes.

 

Entendimento contrário implicaria em impedir a ré, detentora dos direitos do personagem, de confeccionar ou encomendar de terceiros outras fantasias que o representem.

 

A irresignação dos autores, portanto, não merece prosperar. Sendo a apelada detentora dos direitos sobre o desenho, não seria razoável proibi-la de, se assim quisesse, contratar outros profissionais para retratá-lo em suas próprias versões de fantasias tridimensionais, ainda que em qualidade técnica e artística inferior à que conceberam os acionantes.

 

O acolhimento da pretensão autoral demandaria uma análise criteriosa de cada uma das fantasias em questão, permitindo identificar o grau de semelhança entre elas.

 

Em acurada análise, o juízo observou que “ao tratar da menção de adulteração supostamente firmada em contrato com terceiros para produção de fantasia; verificou-se que, neste ponto, a única prova juntada acerca da fantasia-tridimensional elaborada pelos autores (págs. 74 até 79) e supostamente pela acionada (págs. 80 e 81) tratam-se de fotografias não datadas, tampouco referenciadas em localidade/origem, com relação ao registro.”

 

Os autores não lograram demonstrar concretamente, por exemplo, a utilização de algum material, técnica ou tecnologia única que imprimisse à sua obra alguma distinção sobre as demais; em realidade, a similitude é natural por se tratarem de versões de um mesmo personagem, supostamente autorizadas pelo detentor dos direitos sobre o desenho.

 

Desta forma, ausente prova em contrário, subsequentes reproduções, edições ou adaptações por ventura confeccionadas não caracterizam contrafação, pois têm como inspiração o desenho, e não, necessariamente, a obra artística dos autores.

 

O art. 4º da Lei 9.610/1998 estabelece que os negócios jurídicos sobre os direitos autorais se interpretam restritivamente. No caso vertente, embora a relação contratual em si seja incontroversa, as partes não trouxeram aos autos cópia do instrumento, permitindo aferir as condições em que se estabeleceu a cessão.

 

Assim, o cenário posto é que os autores foram contratados pela ré para a confecção de uma fantasia do personagem “Ararajuba”, e certamente já sabiam a destinação que seria dada à sua arte quando celebrado o contrato.

 

É o que se depreende das disposições da referida Lei em seu art. 50, caput: “A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.” O pagamento restou provado, conforme nota fiscal de prestação de serviços ao ID 64631384; embora o documento se refira a apenas uma unidade de fantasia, a inicial não narra inadimplemento quanto a outras peças produzidas, e sim com relação às supostas contrafações.

 

Por sua vez, os danos emergentes não são devidos, inclusive por ausência deste pedido na exordial.

 

Como dito, o pedido inicial cinge-se à indenização por danos morais e aplicação da regra do art. 103, parágrafo único, da Lei de Direitos Autorais, que prevê indenização pela edição não autorizada da obra artística.

 

Conforme já tratado, não há prova de edição da obra que extrapolasse os limites legais ou contratuais, o que afasta a pretensão indenizatória.

 

APELAÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. Alegação de contrafação pela empresa ré, que teria violado os direitos autorais da obra do autor, intitulada "Aventuras de Kito: A Lebrelina e a Tartarugulina". Não ocorrência. Ausência de violação ao 5º, XXVII, da Constituição Federal, tampouco da legislação infraconstitucional, a saber, a Lei 9.610/98. A ideia da qual emanou a associação de agilidade com a figura do animal "lebre" e a lentidão com a figura do animal "tartaruga", conquanto embutida na obra didática editada pelo autor, não é contemplada na proteção dos direitos autorais. Inteligência do art. 8º, inc. VII da Lei nº 9.610/98. Inexistência de danos materiais e morais a serem indenizados. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 00079871520228260100 SP 0007987-15.2022.8.26.0100, Relator: Vitor Frederico Kümpel, Data de Julgamento: 29/09/2022, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/09/2022)


DIREITO AUTORAL. DEMANDA FUNDADA EM CONTRAFAÇÃO. ART. 5º, VII DA LEI 9.610/1988. COMPARAÇÃO DOS PRODUTOS A IMPEDIR A CONCLUSÃO PELA OCORRÊNCIA REPRODUÇÃO DA OBRA DA AUTORA. PRODUTOS QUE, EM LINHAS GERAIS, NÃO REVELAM ORIGINALIDADE OU INOVAÇÃO DA IDEIA. TRAVESSEIRO COM FIGURA LÚDICA DE ANJO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO DIREITO AUTORAL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO DOS RECURSO DE APELAÇÃO. (TJ-RJ - APL: 01079090620178190001, Relator: Des(a). CUSTÓDIO DE BARROS TOSTES, Data de Julgamento: 29/09/2020, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/10/2020)


Isto posto, voto no sentido de rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso dos autores e DAR PROVIMENTO ao apelo do réu, julgando-se improcedentes os pedidos autorais. Invertidos os ônus da sucumbência, fixo os honorários advocatícios em favor do réu, em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a gratuidade deferida aos autores.

 

Salvador, de de 2024.

 

Desembargador Jatahy Júnior

Relator

 

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