JUÍZA SENTENCIANTE: OSEIAS COSTA DE SOUSA
EMENTA
RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC). DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SEGURO SAÚDE. CONTRATO COLETIVO (EMPRESARIAL ATÉ 30 VIDAS). REAJUSTE ANUAL. SÚMULA 02 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE ANUAL ESTIPULADO PELA ANS PARA PLANOS INDIVIDUAIS NOS PLANOS EMPRESARIAS ATÉ 30 (TRINTA) VIDAS. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 46 DA LEI Nº 9.099/95). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099/95.
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso.
O artigo 15 do novo Regimento interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XI, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Este posicionamento do Superior Tribunal de Justiça encontra esteio na intelecção do art. 932, IV e V, do CPC, permitindo ao relator o julgamento monocrático, como meio a privilegiar o instituto dos precedentes, a sua força normativa e garantindo-se celeridade processual.
À guisa de corroboração, cito a eloqüente doutrina de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
O relator pode decidir monocraticamente tudo, desde a admissibilidade do recurso até o seu próprio mérito, sempre sob o controle do colegiado a que pertence, órgão competente para decidir, de modo definitivo, sobre a admissibilidade e mérito do recurso. O relator pode conceder a antecipação dos efeitos a serem obtidos no recurso (`efeito ativo` ou, rectius, `tutela antecipada recursal`), conceder efeito suspensivo ao recurso, conceder liminar em tutela de urgência, não conhecer do recurso (juízo de admissibilidade), negar provimento a recurso e dar-lhe provimento (juízo de mérito). (NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, E-book).
Nessa linha de ideias, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, comentando o art. 932 do CPC, elucidam sobre o dever do relator:
O relator tem o dever de julgar o recurso monocraticamente, preenchidos os requisitos inerentes à espécie, porque aí estará prestigiando a autoridade do precedente (arts. 926 e 927, CPC/2015) e patrocinando sensível economia processual, promovendo por essa via um processo com duração razoável (arts. 5.º, LXXVIII, CF/1988, e 4.º, CPC/2015). Como observa a doutrina, não há aí um simples espaço de poder livre – o que há é um `dever-poder`. Pode o relator julgar monocraticamente qualquer espécie recursal a partir do art. 932, CPC/2015, podendo inclusive invocá-lo para decidir a remessa necessária e para, em sendo o caso, decidir questões concernentes a processos de competência originária. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil Artigos 926 ao 975, Vol. XV. Diretor: Luiz Guilherme Marinoni, Coordenadores: Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Revista dos Tribunais, E-book, 2017).
Para além do inconteste dever de julgar monocraticamente, os festejados processualistas arrematam:
O relator pode negar provimento ao recurso liminarmente quando esse for contrário aos precedentes das Cortes Supremas (art. 932, IV, a e b, CPC/2015). Pode igualmente provê-lo, mas aí se exige o contraditório (art. 932, V, CPC/2015).
Note-se que a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício – não necessário e não suficiente – a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC/2015, é que exista precedente sobre a matéria – que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil Artigos 926 ao 975, Vol. XV. Diretor: Luiz Guilherme Marinoni, Coordenadores: Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Revista dos Tribunais, E-book, 2017).
Dessa forma, o presente julgamento monocrático, consentâneo com a norma preconizada no art. 932, IV e V, do CPC/2015, não configura negativa de prestação jurisdicional, tampouco afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, porquanto a fundamentação perfilha-se ao entendimento dominante acerca do tema.
Preliminar já afastada pelo juízo sentenciante, cuja fundamentação adoto.
Anuncio, pois, o julgamento.
Em análise aos autos, observa-se que a matéria já se encontra sedimentada no âmbito da 4ª Turma Recursal, conforme se depreende do processo abaixo colacionado:
RECURSO INOMINADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. CONTRATO DE PLANO DE SEGURO SAÚDE. CONTRATO COLETIVO (EMPRESARIAL ATÉ 30 VIDAS). A PRÁTICA DE REAJUSTES COM BASE NA SINISTRALIDADE, NOS PERCENTUAIS DEMONSTRADOS NOS AUTOS, AFRONTA AS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AFASTA A ALEATORIEDADE INERENTE AOS CONTRATOS DE SEGURO, TRANSFERINDO AO CONSUMIDOR O ÔNUS QUE CABE À OPERADORA. CONFERE AO FORNECEDOR O PODER DE APRECIAR UNILATERALMENTE A MAJORAÇÃO A SER APLICADA, VIOLANDO O ART. 51, INCISO X, DO CDC. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE CUSTOS COMPROVANDO A NECESSIDADE DOS REAJUSTES COMO ADEQUAÇÃO AO APONTADO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. REAJUSTE ANUAL. SÚMULA 02 DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE REAJUSTE ANUAL ESTIPULADO PELA ANS PARA PLANOS INDIVIDUAIS NOS PLANOS EMPRESARIAS ATÉ 30 (TRINTA) VIDAS. SENTENÇA PROFERIDA EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO CONSOLIDADO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO JULGADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Classe: Recurso Inominado,Número do Processo: 0188313-92.2021.8.05.0001,Relator(a): MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA,Publicado em: 29/08/2022 )
Verifica-se que o ilustre Juízo a quo examinou com acuidade a demanda posta à sua apreciação, afastando com clareza as teses sustentadas pela parte Ré. Por essa razão, ao meu sentir, o decisum não merece reforma.
Conforme bem salientou o magistrado de origem:
“Diante da prova colacionada, verifica-se que o reajuste anual deverá obedecer aos índices admitidos pela ANS, para os contratos individuais. Nesta senda, deve a acionadasrestituir à acionante às diferenças apuradas entre os valores pagos e os devidos, observando tabela da ANS. Inaplicável ao caso sub judice o parágrafo único, do art. 42, da Lei 8.078/90.
Do exame dos autos, verifico que estão prescritas as verbas anteriores aos três anos da distribuição desta ação, haja vista disposição especial sobre a prescrição da pretensão de reparação civil (art. 206, § 3º, inciso V, CC/02), conforme jurisprudência consolidada do STJ.
Esse é o entendimento da jurisprudência, senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CIVIL. CONTRATO DE PLANO OU SEGURO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRETENSÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE REAJUSTE. ALEGADO CARÁTER ABUSIVO. CUMULAÇÃO COM PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. EFEITO FINANCEIRO DO PROVIMENTO JUDICIAL. AÇÃO AJUIZADA AINDA NA VIGÊNCIA DO CONTRATO. NATUREZA CONTINUATIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA. DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRETENSÃO FUNDADA NO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 2. CASO CONCRETO: ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO CONVERGE COM A TESE FIRMADA NO REPETITIVO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO ÂNUA PREVISTA NO ART. 206, § 1º, II DO CC⁄2002. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Em se tratando de ação em que o autor, ainda durante a vigência do contrato, pretende, no âmbito de relação de trato sucessivo, o reconhecimento do caráter abusivo de cláusula contratual com a consequente restituição dos valores pagos indevidamente, torna-se despicienda a discussão acerca de ser caso de nulidade absoluta do negócio jurídico – com provimento jurisdicional de natureza declaratória pura, o que levaria à imprescritibilidade da pretensão – ou de nulidade relativa – com provimento jurisdicional de natureza constitutiva negativa, o que atrairia os prazos de decadência, cujo início da contagem, contudo, dependeria da conclusão do contrato (CC⁄2002, art. 179). Isso porque a pretensão última desse tipo de demanda, partindo-se da premissa de ser a cláusula contratual abusiva ou ilegal, é de natureza condenatória, fundada no ressarcimento de pagamento indevido, sendo, pois, alcançável pela prescrição. Então, estando o contrato ainda em curso , esta pretensão condenatória, prescritível, é que deve nortear a análise do prazo aplicável para a perseguição dos efeitos financeiros decorrentes da invalidade do contrato. 2. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando não estiver sendo negado o próprio fundo de direito, pode o contratante, durante a vigência do contrato, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Porém, sua pretensão condenatória de repetição do indébito terá que se sujeitar à prescrição das parcelas vencidas no período anterior à data da propositura da ação, conforme o prazo prescricional aplicável. 3. Cuidando-se de pretensão de nulidade de cláusula de reajuste prevista em contrato de plano ou seguro de assistência à saúde ainda vigente, com a consequente repetição do indébito, a ação ajuizada está fundada no enriquecimento sem causa e, por isso, o prazo prescricional é o trienal de que trata o art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002. 4. É da invalidade, no todo ou em parte, do negócio jurídico, que nasce para o contratante lesado o direito de obter a restituição dos valores pagos a maior, porquanto o reconhecimento do caráter ilegal ou abusivo do contrato tem como consequência lógica a perda da causa que legitimava o pagamento efetuado. A partir daí fica caracterizado o enriquecimento sem causa, derivado de pagamento indevido a gerar o direito à repetição do indébito (arts. 182, 876 e 884 do Código Civil de 2002). 5. A doutrina moderna aponta pelo menos três teorias para explicar o enriquecimento sem causa: a) a teoria unitária da deslocação patrimonial; b) a teoria da ilicitude; e c) a teoria da divisão do instituto. Nesta última, basicamente, reconhecidas as origens distintas das anteriores, a estruturação do instituto é apresentada de maneira mais bem elaborada, abarcando o termo causa de forma ampla, subdividido, porém, em categorias mais comuns (não exaustivas), a partir dos variados significados que o vocábulo poderia fornecer, tais como o enriquecimento por prestação, por intervenção, resultante de despesas efetuadas por outrem, por desconsideração de patrimônio ou por outras causas. 6. No Brasil, antes mesmo do advento do Código Civil de 2002, em que há expressa previsão do instituto (arts. 884 a 886), doutrina e jurisprudência já admitiam o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação, diante da vedação do locupletamento ilícito. 7. O art. 884 do Código Civil de 2002 adota a doutrina da divisão do instituto, admitindo, com isso, interpretação mais ampla a albergar o termo causa tanto no sentido de atribuição patrimonial (simples deslocamento patrimonial), como no sentido negocial (de origem contratual, por exemplo), cuja ausência, na modalidade de enriquecimento por prestação, demandaria um exame subjetivo, a partir da não obtenção da finalidade almejada com a prestação, hipótese que mais se adequada à prestação decorrente de cláusula indigitada nula (ausência de causa jurídica lícita). 8. Tanto os atos unilaterais de vontade (promessa de recompensa, arts. 854 e ss.; gestão de negócios, arts. 861 e ss.; pagamento indevido, arts. 876 e ss.; e o próprio enriquecimento sem causa, art. 884 e ss.) como os negociais, conforme o caso, comportam o ajuizamento de ação fundada no enriquecimento sem causa, cuja pretensão está abarcada pelo prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002. 9. A pretensão de repetição do indébito somente se refere às prestações pagas a maior no período de três anos compreendidos no interregno anterior à data do ajuizamento da ação (art. 206, § 3º, IV, do CC⁄2002; art. 219, caput e § 1º, CPC⁄1973; art. 240, § 1º, do CPC⁄2015). 10. Para os efeitos do julgamento do recurso especial repetitivo, fixa-se a seguinte tese : Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC⁄1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC⁄2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC⁄2002. 11. Caso concreto: Recurso especial interposto por Unimed Nordeste RS Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda. a que se nega provimento. (STJ. 2ª Seção, RECURSO ESPECIAL Nº 1.360.969 - RS - 02013⁄0008444-8 - Rel. para acórdão Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Data do julgamento 10/08/2016). (grifei).”
Nesse sentido, os fundamentos do julgado vergastado são precisos, nada havendo a reformar. Ao contrário, deve a decisão ser integralmente ratificada pelos seus próprios fundamentos.
Em assim sendo, servirá de acórdão a súmula do julgamento, conforme determinação expressa do art. 46, da Lei n° 9.099/95, segunda parte, in verbis:
“O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”.
Em vista de tais considerações, e por tudo mais constante dos autos, decido no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos.
Condeno a parte ré recorrente vencida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa.
Intimem-se.
Salvador, data registrada no sistema
ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA
JUIZ RELATOR SUBSTITUTO