Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0095793-11.2024.8.05.0001
Processo nº 0095793-11.2024.8.05.0001
Recorrente(s):
FILIPE RABELLO NOYA DA SILVA

Recorrido(s):
FACS SERVICOS EDUCACIONAIS LTDA



DECISÃO MONOCRÁTICA

 

 

RECURSO INOMINADO. PRESSUPOSTOS RECURSAIS ATENDIDOS. DEMANDAS REPETITIVAS. ART. 15, INC. XI, RESOLUÇÃO N° 02/2021 DO TJ/BA. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS DE ENSINO SUPERIOR. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA POR DISCIPLINA NÃO MINISTRADA. ATIVIDADES COMPLEMENTARES. AUSÊNCIA DE MATRÍCULA COM COBRANÇA ESPECÍFICA NA DISCIPLINA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES, HAVENDO TÃO SOMENTE A VALIDAÇÃO DAS HORAS DOS DISCENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. ART. 46, DA LEI 9.099/95. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 

Vistos, etc…

 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado. 

Alega a parte Autora que é aluna do curso de Medicina Veterinária junto à Ré e que, dentre as matérias obrigatórias, haveria as disciplinas denominadas “atividades complementares”, com carga horária de 640 horas. Sucede que os valores cobrados não correspondem ao fornecimento de qualquer serviço pela Demandada, haja vista não ocorrer disponibilização de aulas, professores ou conteúdo programático. Isto porque, corresponderiam a atividades extracurriculares, que os alunos buscam fora da sala de aula, para complementar a carga horária. Face ao exposto, ajuizou a presente demanda objetivando a restituição proporcional dos valores pagos, totalizando R$ 33.974,40 (trinta e três mil novecentos e setenta e quatro reais e quarenta centavos), além de indenização por danos morais.

Em sede de contestação, a parte Ré alega preliminares e, no mérito, sustenta a obrigatoriedade de previsão das atividades complementares nos cursos de graduação. Alega ainda que não realiza a cobrança individualizada da disciplina, vez que os valores pagos pelos alunos referem-se ao custeio do semestre. Desse modo, pugna pela improcedência da demanda.

 

A sentença julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor. 

Compulsando-se os autos, verifico que no Histórico Escolar (ev. 12.5) as “Atividades Complementares” não constaram como disciplina em semestre específico. As mencionadas atividades estão dispostas tão somente ao final do Histórico Escolar a título de registro, visto que elas configuram requisito obrigatório para a formação acadêmica. Vejamos:

 

 

Outrossim, faz-se importante  salientar que o presente caso não se amolda ao quanto decidido no Incidente de Uniformização de nº 8000241-85.2020.8.05.9000, que declarou a "ilegalidade da cobrança da mera validação de atividades complementares externas como matéria componente da grade semestral", considerando que na nova matriz curricular adotada pela Instituição de Ensino as atividades complementares não são incluídas na grade curricular como disciplinas.

 Ademais, a parte autora não produziu prova de que teria sido cobrada por “atividades complementares”, ou mesmo que pagou quaisquer valores neste sentido. Assim, não há prova de que as atividades complementares foram efetivamente cursadas como disciplina em semestre específico, pois não é o que se verifica no Histórico Escolar.

Portanto, houve alegação genérica de vício do serviço e a inexistência de prova impede o reconhecimento do direito da parte autora, que não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, presumindo-se que a alegação da ré é favorável ao desfecho da improcedência do pleito autoral porque não vislumbrada a caracterização de conduta ilícita perpetrada pela recorrida, o que elidiria a responsabilidade civil na reparação dos danos alegados.

Acerca das Atividades Complementares, a sua importância no desenvolvimento do aluno é reconhecida, conforme dispõe inclusive o Conselho Nacional de Educação:

 “Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Medicina deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, mediante estudos e práticas independentes, presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins.” (Resolução CNE/CES nº 4/2001)

 “Art. 8º- As atividades complementares são componentes curriculares enriquecedores e complementadores do perfil do formando, possibilitam o reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimento e competência do aluno, inclusive adquirida fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de extensão junto à comunidade.
Parágrafo único. A realização de atividades complementares não se confunde com a do Estágio Supervisionado ou com a do Trabalho de Curso.” (Resolução CNE/CES nº 9/2004)

 Ainda, não merece acolhimento a alegação de que a disciplina “Estágio Supervisionado” faria parte das “atividades complementares”, e que o aluno realizaria estágio fora do ambiente acadêmico, mas pagaria pela suposta disciplina constante na grade curricular do curso.

 Conforme consta no Regulamento de Atividades Complementares, de fato o estágio realizado fora da Instituição de Ensino é considerado para fins de Atividades Complementares, pela qual não há cobrança na validação, como já expresso acima. No entanto, este estágio, de cunho facultativo, não se confunde com a disciplina de "Estágio", que possui nota e status de aprovação, o que demonstra que houve acompanhamento pela Instituição.

 Conforme a Lei nº 11.788/2008:

Art. 2o  O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.

§ 1o  Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma.
§ 2o  Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.

 Art. 7o  São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;

 Assim, a disciplina de Estágio Supervisionado tem um caráter teórico-prático, sendo uma disciplina do curso, prevista no projeto pedagógico e com supervisão de professor da Instituição, devendo o aluno obter aprovação como as demais disciplinas, não havendo ilegalidade na sua cobrança. Neste sentido, cito:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO SUPERIOR. ESTÁGIO SUPERVISIONADO EXTERNO. COBRANÇA DE MENSALIDADE. POSSIBILIDADE. SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de Apelação Cível interposta em face de sentença que em sede de Ação Ordinária c/c Pedido de Antecipação de Tutela, julgou improcedente o pleito autoral. 2. O cerne da controvérsia encontra-se na possibilidade de abusividade na cobrança pela universidade recorrida de mensalidade referente à disciplina de Estágio Supervisionado (Estágio IV- H748) na modalidade externa. 3. Observa-se que as universidades detém autonomia para definir grades curriculares e firmar convênios com outras instituições objetivando cumprir adequadamente sua atividade educacional, conforme art. 53, parágrafo único da Lei nº 9394/96. Ademais, salienta-se que as Instituições de Ensino Superior têm autonomia administrativa estabelecida nos artigos 207 e 209 da Constituição Federal. 4. Sabe-se que o estágio externo é supervisionado e avaliado por professores pertencentes à instituição de ensino. Desta forma, é exigido para essa modalidade de estágio o monitoramento, supervisão, avaliação e planejamento, sendo lícita a cobrança da mensalidade ante a prestação do serviço, não revelando abusividade na mesma. 5. Ressalta-se que o estágio supervisionado na modalidade externa é uma opção do aluno, visto que a instituição recorrida dispõe de aprendizado prático interno. 6. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por uma de suas Turmas, unanimemente, em conhecer do recurso interposto no processo nº 0018689-43.2006.8.06.0001, para negar-lhe provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator. Fortaleza, 22 de fevereiro de 2017. (TJ-CE - APL: 00186894320068060001 CE 0018689-43.2006.8.06.0001, Relator: HERACLITO VIEIRA DE SOUSA NETO, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 22/02/2017)

 

CIVIL. CDC. ESTABELECIMENTO DE ENSINO SUPERIOR. MENSALIDADE ESCOLAR QUE INCLUI ESTÁGIO DE PRÁTICA JURÍDICA OBRIGATÓRIO. INTERMEDIAÇÃO, ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO DA INSTITUIÇÃO. CUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA EXIGIDA PELO MEC EM MENOR TEMPO DO QUE O PREVISTO. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO. REDUÇÃO DO VALOR DAS MENSALIDADES. IMPOSSIBILIDADE. 1. O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS, LICITAMENTE FORMALIZADO, QUE INCLUI O VALOR COBRADO PELA INTERMEDIAÇÃO, ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA, SUPERVISIONADO POR INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR, NÃO CONTAMINADO POR QUALQUER VÍCIO OU CLÁUSULA ABUSIVA, OBRIGA OS CONTRATANTES. 2. FACULTADO AO EDUCANDO CUMPRIR A CARGA HORÁRIA DE TREZENTAS HORAS DE ESTÁGIO DE PRÁTICA JURÍDICA OBRIGATÓRIA, EXIGIDA PELO MEC PARA SUA HABILITAÇÃO PROFISSIONAL E, TENDO ELE CUMPRIDO A MATÉRIA EM MENOR TEMPO DO QUE O PREVISTO, UTILIZANDO A INTERMEDIAÇÃO, ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CUMPRE-LHE ARCAR COM O CUSTO PREVISTO E QUE FOI INCLUÍDO NAS PRESTAÇÕES MENSAIS CONTRATADAS. 3. A INTERMEDIAÇÃO, ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO DE PRÁTICA JURÍDICA POR INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR, CONSTITUEM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, A JUSTIFICAR A COBRANÇA DE MENSALIDADE NA FORMA DO CONTRATO CELEBRADO. 4. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, PRELIMINAR AFASTADA, SENTENÇA MANTIDA. (TJ-DF - ACJ: 20040110407595 DF, Relator: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2005, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 06/06/2005 Pág. : 113)

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS EM RELAÇÃO A DISCIPLINA DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO. LEGALIDADE DA COBRANÇA. EXEGESE DO ART. 47, § 1º, DA LEI N. 9.394/96. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA ABUSIVA. INOCORRÊNCIA. CIÊNCIA DO ALUNO AO REMATRICULAR-SE A CADA SEMESTRE NO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO COM HABILITAÇÃO EM TURISMO E HOTELARIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - A instituição de ensino pode alterar, a cada período letivo, os programas dos cursos, sua duração, requisitos e qualificação dos professores e critérios de avaliação, conforme dispõe o art. 47, § 1º, da Lei n. 9.394/96. II - Portanto, a disciplina de estágio obrigatório cursada pelo recorrente e a cobrança de seus valores pela faculdade, foram anuídos pelo aluno, que não se insurgiu na época dos fatos. Ademais, somente após dois anos da colação de grau veio pleitear a devolução dessas quantias, depois da disciplina ter sido devidamente ministrada pela recorrida. (TJ-SC - AC: 20100521536 Lages 2010.052153-6, Relator: Joel Figueira Júnior, Data de Julgamento: 28/08/2014, Quarta Câmara de Direito Civil)

 

Assim, considerando os documentos e alegações apresentados, não conseguiu demonstrar a parte autora a falha na prestação do serviço alegada, ônus que lhe incumbia. Conforme o STJ:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INDENIZAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. COMPROVAÇÃO MÍNIMA DOS FATOS ALEGADOS. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. É assente nesta Corte Superior o entendimento de que a inversão do ônus da prova é regra de instrução e não de julgamento. 2. "A jurisprudência desta Corte Superior se posiciona no sentido de que a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito" ( AgInt no Resp 1.717.781/RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe de 15/06/2018). 3. Rever o acórdão recorrido e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1951076 ES 2021/0242034-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 21/02/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/02/2022).

 

 

 

Ante o exposto, nos termos do art. 15, inc. XI, do Regimento Interno das Turmas Recursais, NEGO PROVIMENTO ao recurso inominado para manter a sentença por seus próprios fundamentos. 

Custas e honorários advocatícios pela recorrente vencida, os últimos arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade resta temporariamente suspensa em razão da mesma gozar da gratuidade da justiça. 

Em havendo embargos de declaração, as partes ficam, desde já, cientes de que "quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa", nos termos do § 2°, art. 1.026, CPC. 

Em não havendo mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem. 

 

Salvador/BA, na data registrada no sistema 

 

MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA

JUÍZA DE DIREITO RELATORA