Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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DECISÃO MONOCRÁTICA
 

RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM RAZÃO DE SUPOSTA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. ALEGADA INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. EMBASA. ACIONADA COMPROVA REGULARIDADE DA SUSPENSÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. ACÓRDÃO INTEGRATIVO PROFERIDO NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI 9.099/95.

 
 

 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.

A autora, devidamente qualificada nos autos, alega vício do serviço.

Na exordial a parte autora acusa a Ré de suposta má prestação do serviço de fornecimento de água, em virtude de interrupção ilegal de serviço. Alega que houve corte com fatura paga.

A ré contestou o feito. Nega qualquer ato ilícito

Sentença proferida nos seguintes termos: “Em face do exposto, julga-se IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente demanda, uma vez que, conforme acima mencionado, amparada na legislação pertinente à matéria, não houve nenhuma conduta abusiva ou ilegal da Requerida que ensejasse a reparação de danos morais supostamente sofridos pela Autora, sendo esta responsável pela quitação intempestiva das contas de fornecimento de água. Extingue-se o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC)”.

Irresignado, o autor recorrente busca a procedência total de sua demanda (evento 32)

Entende o STJ que, em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6º, VIII, do referido diploma legal.

Pois bem, a teor do art. 373, I, do NCPC, é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC).

Em sentido contrário, cabe ao fornecedor do serviço a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC, ou mesmo a ausência de falha na prestação do serviço e culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14 §3 do CDC.

No mérito, a questão de fundo cinge-se ao pedido de indenização por danos morais decorrentes de falha da prestação de serviço, em razão da interrupção no fornecimento de água.

Ora, o ponto chave é determinar se a conduta da fornecedora foi ilegal.

No caso em tela, houve adequada comprovação de fato impeditivo do direito autoral (evento 10)

Nesse sentido nas razões de origem: “A princípio, importa salientar que a parte Autora estava inadimplente com as faturas vencidas em 11/2022 e 01/2023, só quitando a primeira em 29/03/2023 e a segunda em 09/05/2023, esta última 7 dias após o corte.

Nas faturas, inclusive, há trecho que informa débitos anteriores sem quitação. Há campo próprio das faturas onde consta aviso de inadimplência de meses anteriores, restando claro que a Acionada avisa no mesmo documento que o atraso pode acarretar suspensão do serviço conforme a legislação aplicável. É praxe comum no mercado. Não há necessidade de que exista um documento à parte da fatura para que seja concretizada a notificação prévia. Nesses termos

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA CONFIGURADA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA CONSTANTE EM FATURA. VALIDADE. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Nos termos do parágrafo terceiro do artigo sexto da Lei nº 8.987/95, em se tratando de fornecimento de serviços públicos "não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando...por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade".Havendo, portanto, inadimplência e prévio aviso do consumidor, age no exercício regular de direito a concessionária que faz interromper a prestação do serviço de fornecimento de água, nisso não havendo ilícito e, portanto, dano passível de indenização.

(TJ-SC - RI: 03019752220168240020 Criciúma 0301975-22.2016.8.24.0020, Relator: Edir Josias Silveira Beck, Data de Julgamento: 06/06/2017, Quarta Turma de Recursos - Criciúma)

CONTRATO DE CONSUMO – FORNECIMENTO DE ÁGUA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – EXISTÊNCIA DE DÉBITO – NOTIFICAÇÃO PRÉVIA RECEBIDA NO ENDEREÇO DA DEVEDORA – VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO RECEBIDA POR MENOR DE IDADE – NOTIFICAÇÃO CORROBORADA POR AVISOS NAS FATURAS DE CONSUMO - CORTE QUE NÃO OCORREU DE FORMA ILÍCITA, INEXISTINDO, PORTANTO, DANO MORAL – SENTENÇA MANTIDA. Apelação improvida.

(TJ-SP - APL: 00025623720148260213 SP 0002562-37.2014.8.26.0213, Relator: Jayme Queiroz Lopes, Data de Julgamento: 10/03/2016, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2016)

Quando ocorre pagamento com atraso ainda deve-se considerar as circunstâncias do caso. Por exemplo, quanto ao aviso de suspensão posterior ao pagamento, deve-se verificar que a Acionada só toma conhecimento do pagamento após a compensação bancária. Como notório, o pagamento demora um certo tempo para ser compensado e, por conseguinte, para que a fornecedora tome conhecimento do mesmo e cancele os atos de cobrança e suspensão no fornecimento. O fato permitiu a construção de entendimento jurisprudencial para se tolerar um prazo razoável a fim de que a fornecedora de água tome conhecimento do pagamento feito.

Veja-se a respeito exemplificativamente:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. ATRASO DE DOIS MESES NO PAGAMENTO DE FATURA. ADIMPLEMENTO APÓS O CORTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE PRONTA SOLICITAÇÃO PARA RELIGAMENTO, COM DEMONSTRAÇÃO DE PAGAMENTO DIANTE DA CONCESSIONÁRIA. PRAZOS PARA COMPENSAÇÃO DO BOLETO E RELIGAÇÃO NÃO ULTRAPASSADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. FUNDAMENTOS FÁTICOS APRESENTADOS SOMENTE EM SEDE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 82, § 5º, DA LEI 9.099/95).

(TJ-SC - RI: 03048961720178240020 Criciúma 0304896-17.2017.8.24.0020, Relator: Edir Josias Silveira Beck, Data de Julgamento: 26/09/2017, Quarta Turma de Recursos – Criciúma)

CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. ATRASO DO PAGAMENTO DA FATURA. AVISO PRÉVIO. LEI 11.445/07. FATURA PAGA EM ATRASO UM DIA ANTES DA SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE ATENDIMENTO JUNTO À REQUERIDA ACERCA DO PAGAMENTO. ÔNUS QUE INCUMBE A PARTE AUTORA. COMPENSAÇÃO BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO NO MOMENTO DA EXECUÇÃO DO CORTE DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. CORTE LEGÍTIMO DA REQUERIDA ANTE A INADIMPLÊNCIA DO AUTOR. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. VOTAÇÃO UNÂNIME. (Apelação Cível nº 201800733479 nº único0043233-81.2017.8.25.0001 - 1ª CÂMARA CÍVEL, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Elvira Maria de Almeida Silva - Julgado em 26/02/2019)

(TJ-SE - AC: 00432338120178250001, Relator: Elvira Maria de Almeida Silva, Data de Julgamento: 26/02/2019, 1ª CÂMARA CÍVEL)

No presente caso, não há prova de pagamento prévio da segunda fatura objeto do corte e tampouco de sua apresentação aos prepostos da Acionada no momento do corte.

Cabe frisar que a prova do dano e do nexo de causalidade pertence ao consumidor, mesmo nos casos de responsabilidade objetiva, ex vi art. 14, § 3º, do CDC, e, por isso, não se inverte.

Desse modo, a parte Autora não faz prova do fato constitutivo do seu direito (art. 373, I, do CPC), pois, restou claro que o aviso de suspensão se deu por sua impontualidade no pagamento da fatura de água.

A Acionada faz prova de que exerceu regularmente o seu direito (art. 373, II, do CPC), conforme a legislação (Lei nº 11.445/2007, art. 40, V, e § 2º; Decreto Federal nº 7.217/2010, art. 17, § 1º).

Logo, o ato de cobrança decorreu de culpa exclusiva do consumidor que deixou de honrar tempestivamente com suas obrigações (art. 14, § 3º, II, do CDC).

Nessa linha, há de se considerar que não houve ato ilícito perpetrado pela Requerida e, por conseguinte, não há dano moral a ser ressarcido à Autora. Nesse ponto:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FORNECIMENTO DE ÁGUA INTERRUPÇÃO NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA POR MORA NO PAGAMENTO DE FATURAS AUTORA QUE CONTRIBUIU PARA A OCORRÊNCIA DO SUPOSTO DANO MORAL ALEGADO, COM A SUA CONTUMÁCIA NO ATRASO DO PAGAMENTO DAS FATURAS PURGAÇÃO DA MORA REALIZADA APENAS UM DIA ANTES DO CORTE DE ÁGUA E COM DESCONHECIMENTO DA EMPRESA FORNECEDORA IMEDIATO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO NO MESMO DIA, ASSIM QUE APURADA PELA FORNECEDORA A QUITAÇÃO TARDIA. SENTENÇA DE REJEIÇÃO DO PEDIDO QUE SE CONFIRMA.

- Recurso desprovido.

(TJ-SP - Apelação : APL 00002900720138260213 SP 0000290-07.2013.8.26.0213)

INDENIZATÓRIA. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA EM VIRTUDE DE INADIMPLEMENTO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA, POR PARTE DA RÉ, NA MEDIDA EM QUE COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE DÉBITOS VENCIDOS E IMPAGOS, QUE MOTIVARAM O CORTE. RELIGAÇÃO APÓS O PAGAMENTO DA FATURA VENCIDA NO MÊS SUBSEQUENTE. FATURAS ADIMPLIDAS COM CONSIDERÁVEIS ATRASOS. DANOS MORAIS INOCORRENTES. PRECEDENTE DAS TURMAS RECURSAIS DIANTE DE CASO IDÊNTICO, ENVOLVENDO O FATO OCORRIDO NO EDIFÍCIO ANA PAULA, NO BAIRRO GUAJUVIRAS EM CANOAS/RS. SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. RECURSO PROVIDO.

(TJ-RS - Recurso Cível : 71003298528 RS)

Não havendo, portanto, conduta abusiva ou ilegal por parte da Demandada, não há que se falar em reparação de danos morais”.

Assim, entendo que houve prova satisfatória de fato impeditivo do direito do autor, nos termos do art. 373 II do CPC e art. 14 §3 do CDC.

Por essas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença de origem em todos os seus termos, pelos próprios fundamentos. Decisão integrativa proferida nos termos do art. 46 da lei 9.099/95. Custas e honorários pela parte autora/recorrente em 20% sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita (evento 35).

Salvador-BA, em 03 de Outubro de 2023.
 
ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA
Relatoria
Presidência