Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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DECISÃO MONOCRÁTICA
 

RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPROVAÇÃO DE FATOS CONSTITUTIVOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATOS IMPEDITIVOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA ACIONADA CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 

 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.

ADRIANA SANTOS CORREIA ajuizou ação indenizatória por danos materiais e morais em face de GOL LINHAS AEREAS S A, alegando, em síntese que: “ter adquirido passagem aéreas, em voo para o ILHÉUS X SALVADOR X INGLATERRA X AMSTERDÃ, o primeiro a ser operado pela GOL e os demais pela KLM, contudo houve alteração dos voos.

Segue narrando que por motivos pessoais buscou alterar a passagem de volta, sem sucesso, tendo solicitado o cancelamento, recebendo créditos de 95% do valor, contudo alega que gostaria do reembolso desse valor”.

Em contestação, a ré alegou ausência de ato ilícito, pugnando pela total improcedência da demanda.

Sentença proferida nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a queixa, condenando a ré a restituir à acionante a quantia de R$ 2.561,21 (dois mil, quinhentos e sessenta e um reais e vinte e um centavos), com juros legais a partir da citação e correção monetária a partir do desembolso.

Condeno ainda a pagar a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de reparação moral, com juros legais a partir da citação e correção monetária a partir do arbitramento.”

Irresignada, a acionada apresentou recurso inominado, pugnando pela reforma pra total improcedência (evento 22).

Entende o STJ que, em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6º, VIII, do referido diploma legal.

Pois bem, a teor do art. 373, I, do NCPC, é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC).

Em sentido contrário, cabe ao fornecedor do serviço a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC, ou mesmo a ausência de falha na prestação do serviço e culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14 §3 do CDC.

Compulsando os autos, verifica-se que assiste razão à parte autora, tendo em vista as provas colacionadas no ev.01 evidenciam que o vício no produto, denotando assim falha na prestação do serviço da empresa ré.

Assim considerou a sentença de origem: “Os documentos de ev. 01 comprovam que o autor contratou com a ré a compra das passagens. A responsabilidade pelo não cumprimento da avença deve recair sobre a ré, pois foi com esta que o autor contratou.

A escolha da companhia que operaria o voo à ré, que se responsabiliza perante o passageiro por eventuais falhas em que incorrerem seus parceiros comerciais. O sistema de cooperação voltado ao lucro para facilitar empreendimentos econômicos atrai a solidariedade preconizada no CDC, que iguala todos os que participam da cadeia empresarial, face aos riscos inerentes às atividades, independentemente do grau de culpa e de atuação de cada um no evento, com a consagração da responsabilidade civil objetiva, sendo, portanto, todos os fornecedores envolvidos responsáveis pelo desfecho da atuação defeituosa de um ou de todos eles, autorizando, em consequência, o consumidor prejudicado acioná-los conjunta ou individualmente, nos termos do § único, do art. 7º, do CDC.

O serviço de transporte aéreo de pessoas envolve a condução do contratante dentro das condições de horário previamente estipuladas. O cumprimento de tal obrigação é indissociável do próprio resultado da prestação de tal espécie de serviço, razão pela qual seu inadimplemento o tornará defeituoso, conforme disciplina conjunta do art. 737, do Código Civil, e do art. 14, §1°, II, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 737 do Cód. Civil: O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.

Art. 14 do CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

[...]

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

A preliminar de falta de interesse de agir deve ser rechaçada, posto que, concebendo o autor que houve pretensão resistida, surge a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, advindo daí o interesse de agir. Neste contexto, REJEITO a preliminar. 

A respeito da restituição, estatui o Código Civil, no art. 704, §3º, que o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.

As desistências foram comunicadas à transportadora com antecedência suficiente para que as passagens fossem novamente comercializadas, não sendo razoável a retenção do valor, inclusive por previsão contratual da tarifa.

O valor pago deve então ser restituído ao autor, ficando retido em favor da ré apenas o percentual de 5%, que é o limite autorizado em lei.

No caso vertente, a cobrança teve amparo no contrato de transporte aéreo, e o que ora ocorre é um debate posterior à cobrança do preço do bilhete, que inicialmente se deu de modo regular a respeito do valor a ser devolvido, ou seja, o debate é sobre a aplicabilidade da cláusula penal invocada pelo réu.

A injustificada resistência a legítima pretensão do consumidor, o que o compele a se socorrer do já assoberbado Judiciário, torna presumidos os danos morais alegados, visto que configura menoscabo de sua dignidade.

Logo, faz jus o autor a uma compensação pelo prejuízo extrapatrimonial infligido.

Deve a ré restituir ao acionante o valor das passagens canceladas ficando porém autorizada a acionada a reter para si 5% (cinco por cento) do montante total, aplicando-se sobre o valor a ser restituído juros legais a partir da citação e correção monetária a partir do desembolso pelo autor”.

Assim, entendo que não houve prova satisfatória de fato impeditivo do direito do autor, nos termos do art. 373 II do CPC e art. 14 §3 do CDC.

Em relação ao dano moral, via de regra, entende-se que questões meramente patrimonias não dão causa a indenização extrapatrimonial.

Todavia, no presente caso, aplica-se a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, elaborada pelo jurista Marcos Dessaune, e já encampada pelo STJ (precedentes: REsp nº 1.634.851/RJ; Agravo em REsp nº 1.241.259/SP; Agravo em REsp nº 1.132.385/SP; e Agravo em REsp nº 1.260.458/SP), segundo a qual ficaram caracterizados o ato ilícito e o consequente dever de indenizar, em razão de todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados pelos próprios (maus) fornecedores.

Desse modo, considerando as peculiaridades do caso e todo o tempo útil que o consumidor teve que despender para resolução de um simples caso como esse, a indenização arbitrada na origem, no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), está condizente com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como respeitando o caráter pedagógico e punitivo da indenização.

Por essas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença de origem em todos os seus termos, pelos próprios fundamentos. Decisão integrativa nos termos do art. 46 da lei 9.099/95. Custas e honorários em 20% sobre o valor da condenação.

 

Salvador-BA, em 07 de Novembro de 2023.

 

ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA

Relatoria
Presidência