Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0109212-69.2022.8.05.0001
Processo nº 0109212-69.2022.8.05.0001
Recorrente(s):
CAROLINE SILVA DOS SANTOS

Recorrido(s):
COELBA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA



EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE SEM ÊXITO. DÉBITO PERTENCENTES A TERCEIROS E QUE FORAM ATRIBUÍDOS PELA PARTE AUTORA. OBRIGAÇÃO PESSOAL, PROPTER PERSONAM, ATRIBUÍVEL APENAS AO EFETIVO USUÁRIO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA DECLARAR A ILEGALIDADE DO ATO DE IMPEDIR A TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DO CONTRATO OBJETO DA LIDE, PARA O NOME DA AUTORA E PARA DETERMINAR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER, CONSISTENTE NA REALIZAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DO REFERIDO CONTRATO, BEM COMO PARA CONDENAR O(A) PROMOVIDO(A) PAGAR AO(À) PROMOVENTE A QUANTIA DE R$ 5.000,00 A TÍTULO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

A parte recorrente, CAROLINE SILVA DOS SANTOS, se insurge contra a sentença de origem, que teve como parte dispositiva (sic):

 

Assim, ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, ante a incompetência absoluta deste Juizado de Defesa do Consumidor, com fundamento no art. 51, inciso II, da Lei 9.099/95, EXTINGO a queixa prestada, sem resolução do mérito.

 

Sem custas ou honorários nesta fase, conforme regra do art. 55 da Lei 9.099/95.

 

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

 

 

VOTO

 

 

Analisando a IN-competência do juizado do consumidor, POR SUPOSTA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO, em razão da ausência de hipossuficiência. Cumpre observar que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica em testilha, tendo em vista que, muito embora não seja a destinatária final fática do serviço fornecido pela concessionária porquanto utiliza a energia elétrica como insumo básico de produção -, a vulnerabilidade técnica é evidente em face da especificidade do ramo de energia elétrica explorado pela ré. Nesse diapasão, de acordo com a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para averiguar o enquadramento da pessoa jurídica no conceito de consumidor, aplica-se a teoria finalista mitigada, segundo a qual o consumidor é somente o destinatário final fático do produto ou serviço, ressalvada, porém, a constatação de vulnerabilidade[2].

 

Assim, devidamente recolhidas as custas de preparo recursal, e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise da insurgência em seu mérito.

 

De pórtico, cumpre mencionar que o artigo 6º da Lei 9.099/95 estabelece que `O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da Lei e às exigências do bem comum`.

 

Além disso, o artigo 371 do CPC dispõe que `O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento`.

 

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade tanto os intrínsecos quantos os extrínsecos, o recurso merece ser conhecido.

 

Encontrando-se o processo em condições de julgamento (CAUSA MADURA), procede-se à análise imediata do mérito na forma prevista pelo art. 1.013, § 3 - 4º, do Código de Processo Civil:

 

Art. 1.013

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.

 

 

A insurgência recursal do demandante objetiva, em termos gerais, a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95 e do ENUNCIADO 92 do FONAJE – Nos termos do art. 46 da Lei nº 9099/1995, é dispensável o relatório nos julgamentos proferidos pelas Turmas Recursais (XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ). 

 

Vale destacar, ab initio, que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que em um dos polos da relação figura um fornecedor, na modalidade de prestador de serviço público e, no outro, há um consumidor, que adquire o serviço como destinatário final (arts. 2º, 3º e 22 do CDC).

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

 

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. (grifos nossos)

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

       

        II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

        IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

        V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

        IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

 

 

Na espécie, aplica-se o regramento especial do Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 14, estabelece:

 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

 

        I - o modo de seu fornecimento;

        II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

        III - a época em que foi fornecido.

 

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

 

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

        I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

        II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

 

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

 

Neste contexto, RIZZATTO NUNES nos adverte que as exceções à responsabilização do fornecedor são taxativas:

 

A utilização do advérbio "só" não deixa margem a dúvidas. Somente valem as excludentes expressamente previstas no § 3º, e que são taxativas. Nenhuma outra que não esteja ali tratada desobriga o responsável pelo produto defeituoso. (Curso de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. 2005. página 271)

 

E arremata:

 

A hipótese do inciso II do § 3º é de desconstituição do direito do consumidor. Cabe ao agente produtor fazer prova da inexistência do defeito apresentado pelo consumidor. (Curso de Direito do Consumidor. Saraiva, 2005. P. 274)

 

 

Com efeito, é cediço que as dívidas de consumo de luz, gás, água e esgoto possuem natureza pessoal, decorrentes de contrato de fornecimento de serviço , não se caracterizando, assim, como propter rem, posto não vinculadas ao imóvel, sendo, pois, inadmissível a responsabilização do atual usuário, ainda que proprietário do imóvel, pelo serviço prestado a terceiro.

 

 O fornecimento de energia elétrica assim como o de água é obrigação pessoal, uma vez que tem natureza contratual e não tributária, pois se trata de preço público (STF, R.E. 447.536-SC, 2 Turma, DJU 28.06.2005). Nesse caso, não há falar em transferência de responsabilidade a quem não foi o efetivo consumidor, já que não se trata de obrigação propter rem. O STJ, na mesma linha, entende que "o débito tanto de água como de energia elétrica é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. A obrigação não é propter rem"(in REsp 890572, Die 13/04/2010).

 

Ora, o que é devido, por certo, tem que ser pago; porém, por aquele que deu origem à dívida – e não por outra pessoa que sequer foi a responsável pela utilização da energia. Ressalte-se que a energia elétrica é bem essencial a todos, constituindo serviço público indispensável – fato que a privatização não desnatura, vale dizer – subordinando-se ao princípio da continuidade de sua prestação, por isso que descabida, no caso, a sua interrupção ou imputação de dívida que não pertence ao consumidor.

 

Dessa forma, não se mostrou razoável privar o autor do serviço, apenas porque o antigo proprietário não pagou o serviço essencial de energia elétrica, como forma de coagi-lo ao pagamento de eventual débito, enquanto discutida a legalidade da cobrança, notadamente quando se trata de débito pretérito.

 

Certamente, inexiste qualquer relação entre o serviço prestado pela concessionária e o direito de propriedade, motivo pelo qual o débito decorrente do fornecimento de energia elétrica não se vincula ao imóvel.

 

Assim sendo, diante de sua natureza pessoal, as cobranças de tais débitos só podem ser opostas aos verdadeiros beneficiários dos serviços prestados, sendo, portanto, incabível a imposição de seu pagamento para que o novo proprietário possa fazer a transferência de titularidade da conta, pelo que nada a reparar na sentença neste tocante.

 

Portanto, perante a concessionária de serviço público, os débitos são de responsabilidade daqueles que constam nas faturas, pois estes contrataram a prestação do serviço, presumindo-se por isso serem os reais usuários dos serviços.

 

Por conseguinte, deveria a parte ré apresentar prova de que o ato realizado narrado pela autora foi justificado. Não o fez. Em verdade, a parte ré não trouxe qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora. Em verdade, a contestação da ré não explica o que realmente houve, sendo, em sua maior parte, realizada de forma genérica.

 

Observo que o réu não logrou êxito em demonstrar a verossimilhança de alegações a ensejar o impedimento, modificação ou extinção do direito do autor exposto e requerido na exordial, ônus que lhe competia, conforme estabelecido pelo art. 373, II, do CPC.

 

Na forma do artigo 51 do CDC , as cláusulas contratuais que subtraiam do consumidor a opção do reembolso da quantia já paga, nos casos previstos no CDC , como por exemplo o que diz o art. 49 do CDC , são nulas de pleno direito.  A relação consumerista havida entre as partes, por um contrato de adesão, afasta o absolutismo do princípio do pacta sunt servanda e requer a observância de outros princípios que norteiam as relações de consumo, tais como, o princípio da equidade ou princípio do equilíbrio contratual (Art. 51 do CDC ), o princípio da boa-fé objetiva (Art. 49 do CDC ) e o da vulnerabilidade do consumidor (Art. 4º , inciso I , do CDC.

 

O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso IV, determina que são nulas de pleno direito as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

 

Somado a isso, o parágrafo 1º do mesmo artigo, em seu inciso II, estabelece que se presume exagerada a vantagem que "restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual".

 

Ora, o caso dos autos configura prática abusiva, nos termos do artigo 39, X, do CDC. É entendimento pacífico nos tribunais que a prática de condutas ilícitas, prejudiciais ao consumidor, nos casos descritos no art. 39, dão ensejo à indenização por danos morais.

 

 

Outrossim, a teoria adotada pelo art. 37, § 6º, da Carta Magna, é a teoria do risco administrativo, em que se dispensa a existência do fator culpa ou dolo, para determinar a obrigação de indenizar, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o evento e o prejuízo. Nesses casos, a responsabilidade somente será afastada mediante a comprovação, de que o evento danoso decorreu de culpa exclusiva da vítima, de culpa de terceiros ou adveio de caso fortuito ou força maior.

 

Ademais, a Lei 8.987/1995 dispõe acerca da continuidade dos serviços públicos e a situações e forma em que a suspensão pode ocorrer, veja-se:

 

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.  3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

 

Pondero que quanto a tal hipótese de interrupção/suspensão pautada na inadimplência do consumidor a doutrina se divide, onde parte entende que o consumidor inadimplente não pode ser beneficiado com a continuidade na prestação do serviço público e outra, comunga de posicionamento diverso.

 

No que concerne à teoria do risco administrativo, e inversão do ônus probatório, em tais casos, ensina RUI STOCO:

 

‘Por ele (princípio do risco administrativo), o Estado responde pela reparação dos danos causados pelos seus serviços, em virtude de seu mau funcionamento, ainda que não se verifique culpa de seus encarregados ou prepostos. O particular é que não seria justo arcar, sozinho, com as consequências danosas desse mau funcionamento, desde que não seja proveniente de caso fortuito ou força maior. (...) Em casos tais, o ônus da prova é invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior’ (Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P 1141 e 1147).

 

Em que pese tal discussão, é inconteste que o dispositivo acima transcrito continua em vigor e retrata posicionamento ao qual me filio, pelo simples fato de que, forçar a manutenção da prestação do serviço a consumidores inadimplentes, redundaria em prejuízo certo para a coletividade haja vista que, o percentual de inadimplentes aumentaria consideravelmente e, inevitavelmente, inviabilizaria a própria prestação do serviço que em razão do Prestador não receber a sua contraprestação.

 

No caso concreto, o cerne da questão, diz respeito, a tão somente, se a conduta da Demandada está enquadrada dentro do exercício regular do direito, e concomitantemente, na culpa exclusiva da vítima, tendo em conta que suspendeu o fornecimento de serviço pela inadimplência de fatura,

 

A interrupção do serviço essencial de energia elétrica no caso de inadimplemento encontra amparo no art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei n. 8.987/95:

 

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. (...)§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

 

 Nesse contexto, a legislação permite a interrupção do serviço de energia elétrica quando, após notificação do consumidor, este permanece inadimplente com o pagamento de faturas anteriores.

 

 

Ora, impõe-se às empresas concessionárias de serviço público, nos termos do art. 22, do Código de Defesa do Consumidor, a obrigação de prestar serviços públicos adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, ininterruptos, sujeitando-se, na hipótese de descumprimento de tal preceito, à reparação de danos, independentemente de culpa, consoante o art. 14 e parágrafo único do art. 22, do mesmo Código.

 

A empresa ré/recorrente não se desincumbiu do ônus de demonstrar o fato extintivo do direito do demandante, nos termos do art. 373, II, do CPC, deixando sua tese absolutamente carente de fundamentação.

 

De acordo com o art. 14, do CDC, o “fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Assim, a responsabilidade civil do fornecedor do serviço e produto é objetiva, bastando a configuração do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo consumidor e o ato praticado pelo fornecedor.

 

A acionada não prosperou em rebater as afirmações da parte autora, a teor do art. 373, II, do CPC, ônus que lhe impunha em face da alegação de fato impeditivo do direito do demandante e da inversão do ônus da prova que se impõe. 

 

O art. 14 do do CDC é claro ao estatuir a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços, pelos danos causados aos consumidores, caracterizando, no caso dos autos, a obrigação de indenizar. Com efeito, a empresa acionada revelou-se desidiosa, pois não atendeu às solicitações administrativas da parte autora, causando-lhe indevidamente os transtornos naturalmente decorrentes deste tipo de situação.

 

É cediço que para que se tenha a obrigação de indenizar, é necessário que existam três elementos essenciais: ofensa a uma norma preexistente ou um erro de conduta; dano; e nexo de causalidade entre uma e outra, conforme se verifica pelo artigo 186 do Código Civil.

 

"O ato ilícito tem correlata a obrigação de reparar o mal. Enquanto a obrigação permanece meramente abstrata ou teórica, não interessa senão à moral. Mas, quando se tem em vista a efetiva reparação do dano, toma-o o direito a seu cuidado e constrói a teoria da responsabilidade civil. Esta é, na essência, a imputação do resultado da conduta antijurídica, e implica necessariamente a obrigação de indenizar o mal causado" PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, vol. I, 18ª ed., Forense, RJ, 1995, p. 420.

 

MARIA HELENA DINIZ afirma que:

 

‘poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)’ (Código civil brasileiro interpretado, vol. III, 10ª ed. Rio de Janeiro. Livraria Freitas Bastos S.A. p. 315 e 318).

 

Tem-se, pois, que para a caracterização da responsabilidade civil, nos termos previstos em lei, como anota CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, devem ser ‘considerados conjuntamente; 1) um dano; 2) a culpa do agente; 3) o nexo de causalidade entre o 1º e o 2º.’ (CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, 7ª ed., Forense, RJ, 1996, p. 54).

 

Por conseguinte, deveria a parte ré apresentar prova de que a suspensão realizada foi justificada. Não o fez. Em verdade, a parte ré não trouxe qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora

 

O dano moral resulta da má prestação de serviço evidenciada, independendo de prova expressa de sua ocorrência, pois este é in re ipsa, isto é, decorre diretamente da ofensa, por comprovação do ilícito, que ficou sobejamente demonstrado nos autos. O próprio STJ firmou entendimento neste sentido:

 

 ‘A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato de violação (damnum in re ipsa). Verificado o evento danoso surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)’ (STJ – 4ª T. – REL CESAR ASFOR ROCHA – RT 746/183).

 

Encontrando previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º, inciso VI, do CDC, com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e repercussão no art. 186, do Código Civil, o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, sendo dela presumido, tornando prescindível a demonstração do prejuízo concreto.

 

Restando configurada a falha na prestação do serviço, sendo sem justificativa a insurreição da Recorrente quanto ao dever de indenizar. O direito do cidadão de utilizar-se dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza, nos termos da lei ou do contrato, consoante inteligência do artigo 6º, da Lei nº 8.987/95 e artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Hodiernamente a fixação de indenização por dano moral tem duplo efeito, satisfativo e punitivo. Satisfativo, pois tem o objetivo de ressarcir a vítima pelo aborrecimento suportado, o desassossego, a falta de respeito com os direitos do Consumidor. Punitivo para que o fornecedor observe com atenção as regras do código de defesa do consumidor e atue com transparência, lealdade e boa-fé objetiva que deve nortear as relações.

 

No caso sub judice, resta evidenciada a ocorrência do dano moral e o consequente dever de indenizar, tendo em vista o descaso com o consumidor, privando o mesmo e sua família de serviço essencial na vida das pessoas.

 

 

RUI STOCO, ao discorrer sobre o quantum indenizatório, ensina que:

 

‘A nós parece que os fundamentos básicos que norteiam a fixação do quantum em hipóteses de ofensa moral encontram-se no seu caráter punitivo e compensatório, embora essa derivação para o entendimento de punição/prevenção não tenha grande significado, na consideração de que na punição está subentendida a própria prevenção. Isto é: a punição já tem o sentido e propósito de prevenir para que não se reincida. (...) É na fixação de valor para efeito de compensação do dano moral que a equidade mostra força, adequada pertinência e transita com maior desenvoltura. Ou seja, a causa que permite o estabelecimento de determinado quantum é a necessidade e a proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, e o efeito será a prevenção, a repressão e o desestímulo’. (Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, Doutrina e Jurisprudência, 8ª edição, Ed. RT, fls. 1925/1926)

 

Para WESLEY DE OLIVEIRA, a utilização da função punitiva não deve ser adotada como regra padrão, no entanto, uma das hipóteses em que o referido autor entende cabível a utilização da função punitiva é, justamente, nas relações de consumo, quando o agente lesante incorre em lucro com o dano. Segundo o citado autor:

 

[...] entendemos que em uma única circunstância se justificaria a adoção dos danos punitivos, qual seja, naqueles casos em que o dano constituir-se em causa de lucro para o ofensor [...] Outro exemplo se vê em relações de consumo de massa, nas quais um ínfimo percentual dos lesados ajuíza ação de ressarcimento, sendo que, em alguns casos, “o crime compensa”. A nosso ver, somente nesse caso, quando verificado que, mesmo pagando a indenização por danos materiais e morais, o ofensor ainda lucra, poderia ser concedida verba específica a título de punitive damages. (BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: Critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p.179-180)

 

Bem, na hipótese dos autos, atendendo aos critérios supramencionados, a indenização no valor de R$ 5.000,00 (CINCO mil reais) é condizente com a extensão do dano e de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como respeita o caráter pedagógico e punitivo da indenização, motivo pelo qual não há necessidade de se fazer qualquer retoque. O caso concreto envolve fornecimento de serviço público essencial à pessoa humana, o que dá contornos peculiares à falha na prestação do serviço.

 

Com essas considerações, e por tudo mais constante dos autos, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da parte autora, para JULGAR PROCEDENTE a ação, ordenando a Parte Ré a transferir a titularidade a conta contrato nº 7052342117 para o nome da Parte Autora, no prazo de 30 dias corridos, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) limitadas as astreintes à R$ 10.000,00 (dez mil reais); condenando, ainda, a acionada a quantia de R$ 5.000,00 (cinco Mil reais) a título de indenização moral pelos danos sofridos perla parte autora. Sem custas ou honorários, ante a ausência de recorrente vencido.

 

Julgamento realizado sob o rito estabelecido no artigo 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI.

 

Salvador/BA, data registrada no sistema.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

 

ACÓRDÃO

 

 

Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da parte autora, para JULGAR PROCEDENTE a ação, ordenando a Parte Ré a transferir a titularidade a conta contrato nº 7052342117 para o nome da Parte Autora, no prazo de 30 dias corridos, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) limitadas as astreintes à R$ 10.000,00 (dez mil reais); condenando, ainda, a acionada a quantia de R$ 5.000,00 (cinco Mil reais) a título de indenização moral pelos danos sofridos perla parte autora.

 

Salvador/BA, data registrada no sistema.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA

Juiz Presidente



[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2] AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73)-AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO (...). 2. Esta Corte firmou posicionamento no sentido de que a teoria finalista deve ser mitigada nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre nas categorias de fornecedor ou destinatário final do produto, apresenta-se em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência técnica, autorizando a aplicação das normas prevista no CDC. Precedentes 2.1. Na hipótese, o Tribunal de origem, com base nas provas carreadas aos autos, concluiu pela caracterização da vulnerabilidade do adquirente. Alterar tal conclusão demandaria o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7 do STJ. (...). (AgInt no AREsp 93.042/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 28/08/2017).