Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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PROCESSO Nº 0188084-06.2019.8.05.0001



ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DO SISTEMA DOS JUIZADOS

CLASSE: RECURSO INOMINADO

RECORRENTE: GOOGLE BR

ADVOGADO: FABIO RIVELLI

RECORRIDO: CESAR MUSTAFA TANAJURA

ADVOGADO: VANESSA VITERBO BARREIROS PEREIRA E OUTROS

ORIGEM: 1ª VSJE DE CAUSAS COMUNS (MATUTINO)

RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS



JUIZADO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CAUSAS COMUNS. RECURSO INOMINADO. PESQUISA DO NOME DO ACIONANTE NO SÍTIO ELETRÔNICO DA ACIONADA QUE CONDUZ A DIVERSAS NOTÍCIAS RELATIVAS A UMA QUADRILHA QUE PRATICAVA FURTOS EM CAMAROTE CARNAVALESCO, FATO PELO QUAL O AUTOR NEM MESMO CHEGOU A SER DENUNCIADO. DIREITO AO ESQUECIMENTO. POSICIONAMENTO DOMINANTE DO STJ (RESPS 1.316.921/RJ E 1.593.873/SP) NO SENTIDO DE QUE NÃO CABE AO GOOGLE FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS, PORÉM, ADMITINDO, EM CASOS EXCEPCIONAIS, DESVINCULAÇÃO DO NOME DE DETERMINADA PESSOA A CERTOS RESULTADOS DA PESQUISA (RESP 1660168/RJ). MEDIDA QUE COMPATIBILIZA O DIREITO INDIVIDUAL À PRIVACIDADE E O DIREITO COLETIVO À INFORMAÇÃO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. SENTENÇA REFORMADA PARA DETERMINAR QUE O GOOGLE DESVINCULE O NOME COMPLETO DO AUTOR DOS 49 LINKS, APONTADOS NO EVENTO 29, NO SEU SITE DE PESQUISAS.

1. Comprovou o autor, de forma sobeja, que exerce sua atividade laboral como professor, também trabalhando em camarote carnavalesco durante tal período e que, no Carnaval de 2019, a Polícia Militar da Bahia desbaratou um esquema de furto de bebidas alcoólicas em tal camarote, sendo o acionante conduzido para a Delegacia de Polícia, porém, após prestar depoimento, foi liberado, nunca tendo sido alvo de qualquer denúncia por parte do parquet baiano.

2. Não obstante tal contexto, comprova (49 links apontados em petição do evento 29) que ao pesquisar seu nome completo no site GOOGLE, aparecem diversas matérias jornalísticas sobre o fato criminoso, do qual nunca nem mesmo foi acusado, fato que já lhe causou diversos dissabores em grupos de mensagens e redes sociais de alunos e colegas de trabalho.

3. Inicialmente, insta consignar que o STJ possui posicionamento consolidado (REsps 1.316.921/RJ e 1.593.873/SP) que não cabe ao GOOGLE, ou qualquer outro sítio eletrônico de pesquisa, eliminar resultados de pesquisas atinentes a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. Aduz o STJ que a pretensão da pessoa prejudicada tem que ser direcionada aos sites informativos que veicularam as notícias que julga lhe prejudicarem.

4. O E. STJ embasa tal posicionamento no fato de inexistir fundamento normativo para tal pretensão, além de que a ferramenta de pesquisa, ao ser compelida a excluir resultados de pesquisas de sua plataforma, funcionaria como espécie de censor digital, prejudicando o direito à informação, o qual possui natureza de direito de interesse público.

5. Não obstante tal premissa, o próprio STJ (RESP 1.660.168/RJ), já reconheceu, em caso excepcional, ser possível desvincular da pesquisa do nome completo da pessoa, certos resultados específicos sobre fatos desabonadores, dos quais tenha sido inocentado.

6. O Ministro Marco Aurélio Bellizze, em seu voto vencedor (RESP

1660168/RJ) aduz: ¿O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individuais do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido¿. (STJ - REsp: 1 660 168 RJ 2014/0291777-1, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Relator para Acórdão (Voto Vencedor): Ministro Marco Aurélio Bellizze. Data de Julgamento: 08/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2018).

7. Diante do exposto, deve ser provido parcialmente o recurso da GOOGLE somente para modificar os termos da obrigação de fazer estabelecida pela sentença. Ao invés de se excluir da ferramenta de pesquisa do GOOGLE os 49 links listados no evento 29, deve, a parte ré, ser compelida a desatrelar dos 49 links citados à pesquisa o nome completo do autor.

8. Digno de nota que não seria razoável exigir que o autor promovesse ações contra os 49 sítios eletrônicos apontados na petição do evento 29, sendo justificada, diante do caso excepcional, a solução encontrada pelo STJ no julgamento do RESP 1660168/RJ.

RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. SENTENÇA REFORMADA PARA DETERMINAR QUE O GOOGLE DESVINCULE O NOME COMPLETO DO AUTOR DOS 49 LINKS, APONTADOS NO EVENTO 29, NO SEU SITE DE PESQUISAS.


RELATÓRIO

Afirmou o autor que exerce sua atividade laboral como professor (há mais de 25 anos), também trabalhando em camarote Carnavalesco durante tal período e que, no Carnaval de 2019, a Polícia Militar da Bahia desbaratou um esquema de furto de bebidas alcoólicas em tal camarote, sendo o acionante conduzido para a Delegacia de Polícia, porém, após prestar depoimento, foi liberado, nunca tendo sido alvo de qualquer denúncia por parte do parquet baiano.

Não obstante tal contexto, comprova (49 links apontados em petição do evento 29) que ao pesquisar seu nome completo no site GOOGLE, aparecem diversas matérias jornalísticas sobre o fato criminoso, do qual nunca nem mesmo foi acusado, fato que já lhe causou diversos dissabores em grupos de mensagens e redes sociais de alunos e colegas de trabalho.

Informa que já processou alguns dos sites informativos que veicularam tais matérias jornalísticas, porém, continua suportando dissabores diante da grande quantidade de resultados atrelados ao seu nome.

A ré sustenta que não realizou a divulgação dos atos relatados pelo autor, pois apenas atuaria como sítio de busca, listando o resultado para pesquisa de palavras-chave. Aduz que terceiros seriam responsáveis pela divulgação da notícia que vincula o nome do autor ao fato criminoso ocorrido no Carnaval de 2019. Pugnou pela declaração de improcedência dos pedidos.

A sentença proferida julgou o pedido procedente, determinando que o GOOGLE exclua de seu provedor de pesquisa os 49 links apontados no petitório de evento 29.

Insatisfeito, recorreu o GOOGLE.

Foram ofertadas contrarrazões.

VOTO

Data vênia, merece reforma a sentença objurgada somente para adequar a obrigação de fazer determinada ao GOOGLE.

Inicialmente, insta consignar que o STJ possui posicionamento consolidado (REsps 1.316.921/RJ e 1.593.873/SP) que não cabe ao GOOGLE, ou qualquer outro sítio eletrônico de pesquisa, eliminar resultados de pesquisas atinentes a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. Aduz o STJ que a pretensão da pessoa prejudicada tem que ser direcionada aos sites informativos que veicularam as notícias que julga lhe prejudicarem.

Reproduz-se:

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEMPRÉVIA DAS BUSCAS. DESNECESSIDADE. RESTRIÇÃO DOS RESULTADOS.NÃO-CABIMENTO. CONTEÚDO PÚBLICO. DIREITO À INFORMAÇÃO. 1. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo"mediante remuneração", contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. 4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. 5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso,aparecem no resultado dos sites de pesquisa. 6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ouexpressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. 7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. 8. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo - notadamente a identificação do URL dessa página - a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que,até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação. 9. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1316921 RJ 2011/0307909-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/06/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2012). (grifos postos).


PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE PESQUISA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. BLOQUEIO DE PALAVRAS-CHAVES. IMPOSSIBILIDADE. - Direito ao esquecimento como "o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado". Precedentes - Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido - Ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital - Recurso especial provido. (STJ - AgInt no REsp: 1593873 SP 2016/0079618-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/11/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2016 RT vol. 977 p. 445). (grifos postos).


O E. STJ embasa tal posicionamento no fato de inexistir fundamento normativo para tal pretensão, além de que a ferramenta de pesquisa, ao ser compelida a excluir resultados de pesquisas de sua plataforma, funcionaria como espécie de censor digital, prejudicando o direito à informação, o qual possui natureza de direito de interesse público.

Não obstante tal premissa, o próprio STJ (RESP 1.660.168/RJ), já reconheceu, em caso excepcional, ser possível desvincular da pesquisa do nome completo da pessoa, certos resultados específicos sobre fatos desabonadores, dos quais tenha sido inocentado.

Verbis:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. 2. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADO. 3. PROVEDOR DE APLICAÇÃO DE PESQUISA NA INTERNET. PROTEÇÃO A DADOS PESSOAIS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DESVINCULAÇÃO ENTRE NOME E RESULTADO DE PESQUISA. PECULIARIDADES FÁTICAS. CONCILIAÇÃO ENTRE O DIREITO INDIVIDUAL E O DIREITO COLETIVO À INFORMAÇÃO. 4. MULTA DIÁRIA APLICADA. VALOR INICIAL EXORBITANTE. REVISÃO EXCEPCIONAL. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Debate-se a possibilidade de se determinar o rompimento do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre o nome do prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia apontada nos resultados. 2. O Tribunal de origem enfrentou todas as questões postas pelas partes, decidindo nos estritos limites da demanda e declinando, de forma expressa e coerente, todos os fundamentos que formaram o livre convencimento do Juízo. 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento reiterado no sentido de afastar a responsabilidade de buscadores da internet pelos resultados de busca apresentados, reconhecendo a impossibilidade de lhe atribuir a função de censor e impondo ao prejudicado o direcionamento de sua pretensão contra os provedores de conteúdo, responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet. Precedentes. 4. Há, todavia, circunstâncias excepcionalíssimas em que é necessária a intervenção pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo. 5. Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca. 6. O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido. 7. No caso concreto, passado mais de uma década desde o fato noticiado, ao se informar como critério de busca exclusivo o nome da parte recorrente, o primeiro resultado apresentado permanecia apontando link de notícia de seu possível envolvimento em fato desabonador, não comprovado, a despeito da existência de outras tantas informações posteriores a seu respeito disponíveis na rede mundial. 8. O arbitramento de multa diária deve ser revisto sempre que seu valor inicial configure manifesta desproporção, por ser irrisório ou excessivo, como é o caso dos autos. 9. Recursos especiais parcialmente providos. (STJ - REsp: 1 660 168 RJ 2014/0291777-1, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Relator para Acórdão (Voto Vencedor): Ministro Marco Aurélio Bellizze. Data de Julgamento: 08/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2018). (grifos postos).


Digno de nota que não seria razoável exigir que o autor promovesse ações contra os 49 sítios eletrônicos apontados na petição do evento 29, sendo justificada, diante do caso excepcional, a solução encontrada pelo STJ no julgamento do RESP 1660168/RJ.

Diante do exposto, VOTO no sentido de DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para REFORMAR A SENTENÇA, PARA DETERMINAR QUE O GOOGLE DESVINCULE O NOME COMPLETO DO AUTOR DOS 49 LINKS, APONTADOS NO EVENTO 29, NO SEU SITE DE PESQUISAS. Sem custas e honorários.

NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS

Juíza Relatora