DECISÃO MONOCRÁTICA
RECURSO INOMINADO. PRESSUPOSTOS RECURSAIS ATENDIDOS. DEMANDAS REPETITIVAS. ART. 15, INC. XII, RESOLUÇÃO N° 02/2021 DO TJ/BA. DIREITO DO CONSUMIDOR.TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAL. CANCELAMENTO DE VOO EM RAZÃO DA PANDEMIA DO COVID-19. LEI 14.034/2020. CRÉDITO. PARTE AUTORA QUE ALEGA AUSÊNCIA DE OFERTA DE UTILIZAÇÃO DE VOUCHER OU REEMBOLSO DO VALOR DAS PASSAGENS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DEVER DE RESTITUIÇÃO VALOR PASSAGEM. IMBRÓGLIO NÃO SOLUCIONADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. PERDA DO TEMPO ÚTIL. DANO MORAL EXCEPCIONAL.QUANTUM BEM SOPESADO. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Vistos, etc¿
A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.
Analisados os autos observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito da 4ª Turma Recursal. Precedentes desta Turma: 0032419-26.2021.8.05.0001.
Cuida-se de recurso inominado interposto pela parte autora face a sentença de parcial procedência prolatada nos autos, in verbis: “Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para CONDENAR a parte ré na obrigação de: 1) Restituir o valor pago pela passagem aérea cancelada objeto da lide, corrigido monetariamente pelo INPC a partir do desembolso (súmula 43 do STJ) e acrescido de juros de 1% ao mês a partir de 12 meses contado do cancelamento do voo. 2) Pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por dano moral, corrigido monetariamente a partir deste arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação (CC, art. 405).”
Embargos de Declaração acolhidos no seguintes termos: “Ante o exposto, quanto a alegada omissão da responsabilização pela condenação imposta na sentença, CONHEÇO dos embargos de declaração (evento 37) e dou provimento para afastar a omissão arguida e DETERMINAR a condenação das rés a pagarem, de forma solidária, os valores fixados na sentença embargada (evento 31).”
Em síntese, a parte autora relata realizou a compra de passagens aéreas das empresas Rés (RESERVAS: CTCIHC - LATAM e 343445120700 - DECOLAR) tendo origem em SALVADOR/BA e destino à CUIABÁ/MT, com previsão de ida em 15 DE ABRIL DE 2020 e volta dia 20 DE ABRIL DE 2020, pagando o VALOR TOTAL de R$ 1.234,56 (mil duzentos e trinta e quatro reais e cinquenta e seis centavos).
O voo previsto para o dia 15 DE ABRIL DE 2020 - voo LA3495 - foi cancelado, tendo o Sistema da LATAM sugerido o voo LA 4505 do dia 14 DE ABRIL DE 2020, data inviável a parte requerente, o qual também informa que como a passagem foi adquirida por uma agência de viagens (DECOLAR), para solicitor o reembolso, deve-se entrar em contato com a mesma.
O requerente entrou em contato com a DECOLAR e com a LATAM para buscar uma solução para o seu caso, porém não conseguiu resolver o problema.
Devidamente citadas, as rés ofereceram contestação, alegando preliminares e, no mérito, sustentando a improcedência dos pedidos.
Preliminar de ilegitimidade afastada pelo juízo sentenciante cuja fundamentação adoto.
Dos autos, verifica-se que, de fato, o cancelamento dos voos se deu por conta da referida pandemia, a qual assola todo o mundo. No caso em apreço o governo federal, sancionou a Lei 14.034/2020, a fim de nortear as medidas emergenciais para aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid 19.
O cancelamento supracitado deu-se na vigência da referida lei, que preconiza em seu art. 3º:
Art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de outubro de 2021 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.
Desse modo, uma vez que o cancelamento ocorreu dentro do período abarcado pela citada lei, o reembolso postulado pelos autores deveria ser realizado no prazo de 12(doze) meses, a partir da data do cancelamento com atualização monetária devida.
Conforme bem salientou o magistrado a quo:
“Os réus, entretanto, embora reconheçam o cancelamento da passagem, não comprovam o reembolso.
No presente contexto, aplica-se o art. 35, III, do CDC e o art. 3º da Lei 14.014/2020, sendo possível o desfazimento do negócio, com devolução integral, respeitado o prazo de 12 meses a partir do cancelamento, o qual resta incontroverso, ipsis litteris:
Art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.
Em atenção ao quanto requerido nos pedidos constantes na exordial, entendo pela procedência do pedido de reconhecimento da obrigação da parte ré de para reparar o prejuízo material causado a parte autora, que deveria ter se concretizado no prazo de até 12 (doze) meses, contados a partir do voo cancelado, conforme previsão das normas referidas acima. O valor deverá ser corrigido monetariamente desde o desembolso, porquanto sabido que a atualização monetária visa tão somente ao restabelecimento do poder aquisitivo da moeda, não representando ganho patrimonial. Não haverá a incidência de juros de mora, a não ser que o pagamento se dê a destempo, de modo que estes incidirão se os valores não forem reembolsados no prazo acima previsto.
Em relação ao pedido de indenização por dano moral, o fato retratado detém o condão de ocasionar inúmeros transtornos ao cidadão, cujas consequências ultrapassam meros dissabores do cotidiano.
Na hipótese, a parte autora comprovou que tentou resolver a questão de forma extrajudicial, mas não obteve êxito, sem levado a ingressar na Justiça, gastando tempo e dinheiro.
Sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa, está demonstrado o dano moral.”
De outro giro, impende registrar, que o cancelamento ocorreu devido a força maior, ou seja, a pandemia do COVID-19. Dessa forma, o contrato deve ser rescindido sem multa, nem taxas, pelas partes contratantes.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PACOTE DE TURISMO. DESISTÊNCIA EM RAZÃO DE PANDEMIA (COVID19). REEMBOLSO. 1 - Na forma do art. 46 da Lei 9.099/1995, a ementa serve de acórdão. Recurso próprio, regular e tempestivo. Pretensão de reembolso de passagem aérea. Recurso da ré visando à reforma da sentença, que acolheu, em parte, o pedido. 2 - Preliminar. Ilegitimidade passiva. Asserção. O exame das condições da ação se dá com abstração dos fatos demonstrados no processo. Examinados os argumentos e as provas, o provimento é de mérito. Jurisprudência pacífica do STJ (AgRg no AREsp 655283 / RJ 2015/0014428-8. Relator, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO). A discussão sobre a responsabilidade solidária entre a agência de turismo e a companhia aérea no descumprimento do contrato é matéria que diz respeito ao mérito. Preliminar que se rejeita. 3 - Contrato de transporte aéreo. Resolução. Pandemia coronavirus covid-19. Força maior. A pandemia do coronarivus covid 19, afetou o contrato firmado, inviabilizando o seu cumprimento, seja pela situação de insegurança manifestada pelos autores, diante de notícias de fechamentos de fronteiras e quarentena impostas aos passageiros, seja pela paralisação do serviço de transporte internacional de passageiros no período previsto (março de 2020). Neste quadro, o fato caracteriza-se como força maior, como tal o caracterizado o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (art. 393, caput, do CC), o qual isenta ambas as partes de responsabilidade (art. 393, caput) pelo rompimento do contrato. O contrato se resolve sem multa ou indenização, devendo as partes retornar ao estado anterior, extinguindo-se a obrigação da companhia de realizar o transporte, bem como a obrigação do passageiro de pagar pelo bilhete e hospedagem, o que implica na restituição integral dos valores pagos. Assim, é irrelevante se a iniciativa de resolução do contrato partiu dos passageiros ou da operadora do pacote. A causa determinante se sobrepõe a ambos. 4 - Reembolso. Parcelamento e prorrogação. O reembolso do valor pago pelo passageiro é decorrência da extinção da obrigação em razão da incidência de força maior. Ademais, a Lei n. 14.034, de 05 de agosto de 2020, específica para o setor de aviação civil, prevê expressamente o reembolso: ?art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.? Assim, o crédito não pode ser exigido antes de 12 meses da data prevista para a voo (março de 2020). 5 - Solidariedade. A jurisprudência tem afastado a solidariedade entre a agência de turismo e a companhia aérea quando o negócio se limite à venda de passagem (e não de pacote turístico) e o dano decorra de ato exclusivo da transportadora, como no caso de atraso ou cancelamento de voo (AgRg no REsp 1453920/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 09/12/2014). Naqueles casos, resta claro a qual dos integrantes da cadeia de prestadores de serviço se deva imputar o defeito. No caso em exame, em que a extinção das obrigações decorre de força maior e não se evidencia com clareza a dinâmica do pagamento, reembolso e remarcação, não é possível indicar com firmeza a quem imputar o descumprimento das regras de direito, de modo que se mantém a solidariedade. De outra parte, a Nota Técnica n. 24/2020, da SENACON não obstante se revele como relevante instrumento de promoção da política de defesa do consumidor, não tem força de lei, inábil, pois, para modificar direitos subjetivos e alterar as regras do CDC que tratam da solidariedade pela prestação de serviços em cadeia. Sentença que se reforma apenas para reconhecer a responsabilidade solidária da terceira ré (VIAJANET), mantendo-se as cominações fixadas na origem. 6 - Recurso conhecido e provido em parte. Sem custas processuais e sem honorários advocatícios, em face do que dispõe o art. 55 da Lei n. 9.099/1995, inaplicáveis as disposições da Lei n. 9.099/1995. J(TJ-DF 07054634920208070020 DF 0705463-49.2020.8.07.0020, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 27/11/2020, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22/01/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Grifei
Elucubrando sobre a situação em apreço, entendo que ocorreu lesão moral passível de indenização. Nesse sentido, vê-se que a parte Autora suportou privação da sua disponibilidade financeira por tempo desarrazoado, até que recebesse a restituição da quantia devida. Ademais, o imbróglio não foi solucionado adequadamente na esfera administrativa, causando à parte Autora desgaste e perda do tempo útil.
No que se refere ao valor da indenização, analisando as peculiaridades do caso, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo que o valor de R$ 5.000,00 por autor é adequado para reparar o dano sofrido e punir o ofensor, para que se abstenha de praticar a conduta indesejada.
Ante o exposto, nos termos do art. 15, inc. XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais, NEGO PROVIMENTO ao recurso inominado da parte ré para manter a sentença em todos os seus termos.
Custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.
Em havendo embargos de declaração, as partes ficam, desde já, cientes de que "quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa", nos termos do § 2°, art. 1.026, CPC.
Em não havendo mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem.
Salvador/BA, na data registrada no sistema.
MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA
JUÍZA DE DIREITO RELATORA