Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0140936-91.2022.8.05.0001
Processo nº 0140936-91.2022.8.05.0001
Recorrente(s):
MFL PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS LTDA

Recorrido(s):
CONDOMINIO EDIFICIO BAIA DOURADA

JUIZADO ESPECIAL. RECURSO INOMINADO. CAUSA COMUM. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO ANULATÓRIA DE DECISÃO ASSEMBLEAR CUMULADA COM OBRIGAÇAO DE NÃO FAZER, COM PEDIDO LIMINAR. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. INSURGE A PARTE AUTORA CONTRA A PROIBIÇÃO DE LOCAÇÕES TEMPORÁRIAS. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ALEGA ILEGALIDADE NA APROVAÇÃO DA ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO POR NÃO TER RESPEITADO QUÓRUM DE 2/3 DOS CONDÔMINOS. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

 

RELATÓRIO

 Trata-se de recurso inominado interposto em face da r. sentença prolatada nos autos do processo em epígrafe.

 Em apartada síntese, insurge a parte autora quanto a alteração da convenção condominial que proibiu locações temporárias.

 A sentença (ev.49) julgou IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito com base no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. 

Inconformada, a parte acionante interpôs recurso inominado (ev. 73). 

Contrarrazões juntadas (ev92) 

É o breve relatório, ainda que dispensado pelo artigo 38 da Lei Nº 9.099/95 e Enunciado nº 162 do FONAJE.

 

VOTO

 Conheço do recurso interposto, porquanto preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade.

Adentrando na análise do mérito, a sentença merece ser mantida.  

MFL PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA – ME intenta  Ação Anulatória de Decisão Assemblear C/C Obrigação de Não Fazer, com Pedido Liminar em face de CONDOMÍNIO EDIFÍCIO BAÍA DOURADA, alegando, em suma, que é legítima proprietária da unidade 1.403, no 14º andar do Condomínio Edifício Baía Dourada e que, por seu representante legal, acabou cadastrando o seu imóvel no site AIRBNB, aumentando a procura de locação por temporada da unidade. Alega que a primeira locação se deu em 2018, e, desde então, vem locando seu imóvel por temporada. Aduz que, no dia 03 de agosto de 2022, foram discutidos e votados os Regramentos específicos sobre o tema de Alugueres por Temporada, à luz do quanto disposto no art. 8º do Regulamento Interno e Cláusula Terceira, alíneas “d”, “e” e “f” da Convenção do Condomínio, insurgindo-se com a forma autoritária e totalmente ilegal em que fora aprovada, pela maioria dos presentes, a proibição das locações temporárias, sob a desculpa de que tal prática equipara-se à locação comercial e prejudicaria a segurança e o sossego dos demais condôminos. Requer que seja deferida, liminarmente, a tutela de urgência e/ou evidência, no sentido de determinar a suspensão dos efeitos da Assembleia Geral; que seja impedido o condomínio Requerido de aplicar qualquer penalidade contra a autora, por conta da mesma continuar a locar sua unidade (Obrigação de não fazer); quanto ao mérito, que seja reconhecida a ilegalidade da aprovação ocorrida em assembleia, a uma, pelo fato de que não houve o respeito ao quórum necessário para alterar a Convenção do Condomínio (2/3 dos condôminos);  a duas, pela proibição da Assembleia contrariar a lei, a Constituição Federal e sua própria Convenção Condominial e Regimento Interno; que seja, ao final, julgado integralmente procedente o pedido, para  declarar nula a referida aprovação em assembleia; e, em regime de cautela, que seja declarada nula qualquer multa aplicada em seu desfavor, na hipótese da apreciação da liminar demorar para ser realizada.

Conforme bem analisado pelo juízo, no caso em apreço, improcede o pleito autora, primeiro porque não houve qualquer alteração da convenção do condomínio. Com efeito, a parte Autora demonstra em sua exordial que o art. 8º do Regimento Interno já proibia o uso de qualquer dependência dos apartamentos para fins não comerciais, bem como a convenção de condomínio (pag. 5 da exordial). Ademais, foi votado pelos presentes da AGE que NÃO HOUVESSE ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO, de modo que não há como anular algo que não ocorreu.

Quanto a alegação de inobservância do quórum necessário para alteração, está também não merece guarida, vejamos o que dispõe o Código Civil sobre o tema:

Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária.   (Redação dada pela Lei nº 14.405, de 2022)

  Art. 1.352. Salvo quando exigido quórum especial, as deliberações da assembleia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais.

Parágrafo único. Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino, salvo disposição diversa da convenção de constituição do condomínio.

 Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quórum especial.

Portanto, no caso em apreço, conforme demonstrado, não houve qualquer alteração da convenção do condomínio, ou a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária, abriu-se votação apenas para que houvesse a alteração, tendo-se manifestado a maioria dos presentes pela negativa da alteração.

Ademais, em que pese o direito de propriedade, não há nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta pelo condomínio, a quem cabe decidir acerca da conveniência ou não de permitir a locação das unidades autônomas por curto período, tendo como embasamento legal o artigo 1.336, IV, do Código Civil de 2002, observada a destinação prevista na convenção condominial.

Na oportunidade, colaciona-se entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO.1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo. 3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício. 8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio. 10. Recurso especial desprovido ( RECURSO ESPECIAL Nº 1.819.075 - RS (2019/0060633-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 27/05/2021)

 Assim, julgo no sentido de CONHECER DO RECURSO E NEGAR PROVIMENTO ao RECURSO INOMINADO, para manter a sentença por seus próprios fundamentos, ex vi do art. 46, da Lei 9.099/95.

Não tendo logrado êxito em seu recurso, fixo as custas e os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa. Com exigibilidade suspensa, acaso deferida gratuidade, nos temos da lei.

Salvador, data registrada no sistema.

Claudia Valeria Panetta

Juíza Relatora