DECISÃO MONOCRÁTICA
RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO No 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. DEMANDAS REPETITIVAS. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA DEFERIDA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO. IMPROCEDÊNCIA. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL DAS RAZÕES QUE MOTIVARAM A CONTRATAÇÃO E O DÉBITO. A ACIONADA PRODUZIU UM FARTO LASTRO PROBATÓRIO QUE COMPROVA A CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO E A EXIGIBILIDADE DO DÉBITO – EVENTO 14. RECURSO CONHECIDO. SENTENÇA MANTIDA PELA IMPROCEDÊNCIA TOTAL DOS PEDIDOS DO AUTOR E CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. DECISÃO INTEGRATIVA NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI 9.099/95.
A Resolução no 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.
Trata-se de ação que afirma a não contratação de empréstimo junto a empresa ré: “Como já foi informado anteriormente, a parte autora desconhece o suposto contrato de empréstimo acima e que está ocasionando prejuízos em sua renda”.
Em sede de contestação, a acionada comprova a contratação.
Nos eventos que se seguem, a autora pede a desistência do prosseguimento do feito.
A sentença, de modo acertado, foi proferida nos seguintes termos:
“ Pelo exposto, deixo de homologar a desistência formulada e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos e condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, nos termos do §2.° do art. 51, da Lei 9.099/95, assim como honorários advocatícios da parte contrária que fixo em R$500,00 (...), além de multa equivalente a 1,5% do valor corrigido da causa, tudo nos termos dos arts. 80, II, e 81, CPC, c/c Enunciado Cível 136 do FONAJE.”.
Irresignada, a parte autora interpôs recurso inominado, onde requer a reforma integral da sentença de piso.
No mérito, concluo que a sentença não merece ser reformada, sendo perfeitamente adequada ao caso concreto, em todos os seus termos.
A clareza da má-fé perpetrada pela parte autora é nítida: ajuíza ação temerária; aguarda juntada de documentos pela acionada; após juntada de farto lastro probatório, pede a desistência e não comparece a audiência.
Aplico ao caso o ¿ENUNCIADO 90 ¿ do FONAJE - A desistência da ação, mesmo sem a anuência do réu já citado, implicará a extinção do processo sem resolução do mérito, ainda que tal ato se dê em audiência de instrução e julgamento, salvo quando houver indícios de litigância de má-fé ou lide temerária. Assim, reconheço a ocorrência de lide temerária, cumulado com o teor do artigo 355, inciso I do NCPC, para decidir o mérito da presente causa.
Ademais, o Colégio de Magistrados do Juizado Especial da Bahia, apresentou o seguinte entendimento: Enunciado nº 50 - O Juiz poderá deixar de homologar o pedido de desistência da ação, ou de decretar a contumácia por ausência da parte na audiência, quando, após a contestação, houver indícios de litigância de má-fé ou de existência de lide temerária, podendo, nessas circunstâncias, proferir sentença de mérito. (ENCONTRO EM 09 DE NOVEMBRO DE 2020).
Compulsando o teor probatório contido nos presentes autos, é imperioso constatar que conforme se extrai dos vastos documentos colecionados pela parte Ré, existe uma relação de contratação em favor da parte Autora, contendo elementos de identificação, dados individualizados, termo de contratação assinado, comprovante de transferência, percalços que não se amoldam à inexistência de débito como almeja a suplicante, uma vez que houve o detalhamento do mesmo sem contraprova do autor ou outra prova capaz de ilidir as provas da ré, uma mácula ao teor do artigo 373, inciso I do NCPC.
Não há qualquer impugnação específica e taxativa quanto a autenticidade da assinatura, apenas pedido de desistência.
Debruçada sobre os elementos de informação, em especial àqueles colacionados no evento 14, verifico que a ré se cercou das cautelas necessárias à comprovação pretendida. O juízo de origem conclui de modo semelhante: “ O pedido de desistência em tese até seria possível no termos do Eunciado 90 do FONAJE. Nada obstante, vê-se que no presente caso a parte autora no evento 17 desistiu da ação (em que peremptoriamente afirmou não haver firmado contrato com a parte a requerida) após à ré ofertar contestação (evento 14) juntando não só prova da contratação, mas inclusive documento pessoal de identificação da autora idêntico ao apresentado com a inicial, além de contrato com endereço idêntico ao declinado na inicial, e de transferência do valor do empréstimo (o que no ponto já havia sido reconhecido pela autora na inicial). Não bastasse, vê-se que do extrato bancário juntado pela própria parte autora em conta de sua titularidade junto à CEF (evento 01- doc. 07) que o valor do empréstimo (R$684,17) foi creditado em 17/04/2019, quando havia saldo de apenas R$4,30, mas logo após o creditamento do empréstimo cuidou o autor de no dia 24/04/2019 fazer saques sucessivos de R$200,00 e R$100,00, e no dia 26/04/2019 mais saques nos valores de R$380,00, R$1,70 e R$1,70, ficando com saldo de R$5,09. Verifica-se, pois, que o autor estava ainda plenamente ciente do empréstimo, tanto que efetuou os saques na forma acima demonstrada, pois, sem o valor do empréstimo creditado não haveria saldo para os saques. Conclui-se, portanto, sem sobra de dúvida, que ao negar peremptoriamente a contratação, mesmo plenamente ciente de sua realização e utilização, o autor alterou a verdade dos fatos, sendo litigante de má-fé.”
Com isso, face a inexistência de conduta lesiva, bem como a inocorrência de repercussão negativa na esfera do lesado decorrente de ato ilícito, descabida será à obrigação de reparar o dano moral.
Merece adendo o fato de que as máximas da experiência desse Juízo, embasada pelo teor do artigo 375 do NCPC, denotam a constatação de multiplicidade de ações, que descrevem o introito fático com similitude de desencadeamentos, e demonstram a ausência de comprovação dos direitos almejados, na busca pela escusa no adimplemento de débitos legítimos, por parte dos autores.
Neste esteio, depreendendo sobre o teor das provas contidas nos autos é forçoso convir que a parte suplicante demonstra sua conduta em total desrespeito aos princípios norteadores da boa fé objetiva, que disciplina a atuação de todos aqueles que figuram no processo, nos termos do artigo 5º, 77 e 378 do NCPC, se valendo do judiciário para a distribuição de lides temerárias, uma vez que não colaciona nenhum meio de prova para consubstanciar suas alegações, deixando de demonstrar questionamento em âmbito administrativo perante a ré ou registro de reclamação junto ao PROCON, uma mácula ao quanto determinado no artigo 373, inciso I do NCPC.
Em que pese o quanto aduzido pela parte autora, pela descrição fática, não vislumbro o cometimento de dano moral ou outra conduta lesiva perpetrada pela demandada, que não se confunde com o mero aborrecimento ou contratempo, uma vez que ausentes os requisitos mínimos para concessão do direito.
Ressalte-se que aquele que tiver responsabilidade no dano material de outrem tem obrigação de repará-lo, e isto é pacífico, corolário da convivência em sociedade. Contudo, é preciso haver nitidez de prova na apuração dos fatos e a consequente imputação ao responsável. No caso em pauta, não figurou suficientemente transparentes as acusações quanto a ocorrência dos danos, mais ainda, é incerta.
Resta, pois, evidente que a parte autora, em sua inicial, se valeu de lide nitidamente temerária, despida de interesse de agir e maculadora da boa fé objetiva, uma vez que movimentou novamente o judiciário, no intuito de angariar verba atinente aos danos morais sem sequer ter sofrido afronta concreta aos seus direitos.
Segundo as lições de Nelson Nery Júnior, litigante de má-fé: é o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível, elencadas nos art. 77 até 81 do NCPC c/c artigo 5º e 378 do NCPC
Entendo, assim, que a parte autora não poderia se valer do judiciário no intuito de reaver quantia meramente a título de danos morais, práticas, como tal, que devem ser enfrentadas com veemência sob pena de se infirmar as instituições.
Por outro lado, noto que a parte acionada teve o ônus de se fazer presente neste Juízo e de constituir profissional para representar seus interesses, enfim, experimentou despesas por ato provocado exclusivamente pela parte autora.
Assim, entendo pela aplicação dos arts. 77, 79, 80 e 81, todos do NCPC c/c o art. 55 da Lei 9.099/95.
No mérito, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos, aplicando a íntegra do art. 46 da lei 9.099. Custas e honorários em 20% sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
Salvador-BA, em 29 de setembro de 2022.
MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA
Juíza Relatora