Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0012402-95.2023.8.05.0001
Processo nº 0012402-95.2023.8.05.0001
Recorrente(s):
IUNI EDUCACIONAL - UNIME SALVADOR
NOEMI BORGES ANDRADE

Recorrido(s):
NOEMI BORGES ANDRADE
IUNI EDUCACIONAL - UNIME SALVADOR



 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

RECURSOS INOMINADOS SIMULTÂNEOS. PRESSUPOSTOS RECURSAIS ATENDIDOS. DEMANDAS REPETITIVAS. ART. 15, INC. XI, RESOLUÇÃO N° 02/2021 DO TJ/BA. DIREITO DO CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. IES. ALEGAÇÃO AUTORAL DE FALTA DE COMPENSAÇÃO DE PAGAMENTO PELA PARTE ACIONADA. BOLETOS E CHAVES PIX ENCAMINHADOS POR SUPOSTA PREPOSTA DA EMPRESA RÉ. CLIENTE QUE FOI VÍTIMA DE GOLPE ATRAVÉS DE EMISSÃO DE BOLETOS FALSOS. DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS QUE SE REVESTEM DE INFORMAÇÕES PESSOAIS DO FORNECEDOR, DA ALUNA E DO DÉBITO EM ABERTO. DEVER DE PROTEÇÃO DOS DADOS DO CONSUMIDOR. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, CONDENANDO O ACIONADO A RECONHECER OS PAGAMENTOS REALIZADOS E CONDENANDO EM DANOS MORAIS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE FAVORECE A TESE DA EXORDIAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONFIGURADA. ACIONANTE QUE COMPROVOU OS FATOS ALEGADOS NA INICIAL, CUMPRINDO O ÔNUS DE PRODUÇÃO DE PROVA MÍNIMA DO DIREITO INVOCADO. PARTE RÉ QUE NÃO CUMPRIU COM O DISPOSTO NO ARTIGO 373, II DO CPC. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS CARACTERIZADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E BEM SOPESADOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS.

 

Vistos, etc…

 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.

 

A sentença de mérito julgou parcialmente procedente os pedidos, para: “Ante o escandido, declaro extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do inciso I, do art. 487, do CPC, para confirmar o efeito das decisões liminares de evento 21 e 50, e declarada a inexistência de débito referente ao semestre de 2022.2; bem assim para condenar a requerida a compensar o dano moral sofrido pela parte autora no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), acrescidos de juros de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária pelo INPC a partir da presente decisão.

 

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recursos inominados simultâneos.

 

Trata-se de ação proposta por Noemi Borges Andrade face a Iuni Educacional – Unime Salvador.

 

A autora, devidamente qualificada, alega que realizou diversos pagamentos a universidade acionada, através de boletos e chaves de PIX encaminhados por sua preposta, os quais não foram computados.

 

Pugna que seja declarada a inexistência de débito referente ao semestre de 2022.2; que seja reconhecida e proclamada a prática de ofensa moral, sendo concedido consequente dano in re ipsa, no importe de R$40.000,00 (quarenta mil reais).

 

A Ré apresentou defesa em 25 laudas, com três preliminares e sem pedido contraposto, conforme evento nº 83 do Sistema PROJUDI. Sustenta que não houve pagamento em seus meios oficiais, atribuindo a terceiros os danos alegados na exordial. No mais, refuta a pretensão indenizatória.

 

Tutela liminar concedida nos eventos 21 e 50.

 

Preliminares afastadas pelo juízo sentenciante, cuja fundamentação adoto.

 

Após compulsar detidamente os autos, não verifico nos autos elementos para acolher o recurso interposto pela parte ré. 

 

O juízo a quo analisou os documentos criteriosamente e proferiu sentença em total consonância com a prova colacionada aos autos. Vejamos:

 

“Das provas coligidas aos autos, vislumbro conduta abusiva por parte da ré, considerando existir prova concreta de que o boleto adulterado foi efetivamente enviado por uma preposta das empresas demandadas.

Neste contexto, é possível concluir que os arquivos apresentados no evento 01 se prestam a confundir o homem médio, vez que se revestem de informações pessoais do fornecedor, da aluna e do débito então em aberto.

Dessa forma, entendo ter incorrido a autora em hipótese de erro escusável, ou seja, aquele engano em que mesmo uma pessoa de diligência normal incorreria. Trata-se da adoção de um padrão médio objetivo do homem comum – o vir medius -, temperado pelas circunstâncias do caso, para a aferição da escusabilidade. A norma é assim a conduta do homem médio, porém considerando as circunstâncias do caso concreto.

Ademais, não obstante a empresa ré asseverar não ter responsabilidade pelos fatos narrados na exordial, não vislumbro a ocorrência de caso fortuito externo, causador do rompimento do nexo causal, e ensejador da exclusão de responsabilidade, não restando, pois, configurada a hipótese do art. 14, §3º, II, do CDC, sobretudo porque não provada a culpa exclusiva da autora, já que, como esposado, trata o presente caso de erro escusável.

Desde logo, é importante distinguir o caso fortuito interno do externo, me valendo da lição de Sergio Cavalieri: “Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I)" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257).

Com efeito, a responsabilidade da ré pelo fato do serviço, na esteira do art. 14, caput, do CDC, é de natureza objetiva, somente podendo ser afastada por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, e não pelo fato da prática do ato por terceiro, que se vale das facilidades decorrentes da falta de cautela do fornecedor de serviços, na fase pré contratual e contratual. 

Assim, a hipótese de fraude perpetrada por terceiro não elide a responsabilidade da empresa ré, mas, ao contrário, denota a violação a um dever contratualmente assumido, qual seja o de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.

A propósito confira-se parte do voto proferido no julgamento do RESP 1199782, do STJ: “por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como, por exemplo, "culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros". As instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, aduzem a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas são reconhecidamente sofisticadas. Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185). É a "causa estranha" a que faz alusão o art. 1.382 do Código Civil Francês (Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926). É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, aconteceu de tal modo que as suas consequências danosas não puderam ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram necessariamente. Por tal razão, excluem-se como excludentes de responsabilidade os fatos que foram iniciados ou agravados pelo agente" (Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 305).

Se terceiro agiu fraudulentamente, acredito que só o fez em face das facilidades ofertadas pelos próprios réus, que ao viabilizarem métodos menos burocráticos para envio de seus boletos (por e-mail, como no caso em comento), não disponibilizam mecanismos irrefutavelmente seguros que impeçam ou dificultem a ação daqueles que fraudam. Nesse caso, aplicando-se o preceptivo do art. 14, caput do CDC, as empresas rés assumem os riscos decorrentes da forma facilitada de pactuação/prestação do serviço, sujeitando-se a suportar as consequências de eventual fraude praticada por terceiros, mormente porque as regras e princípios do CDC impõem cautelas no sentido de resguardar os patrimônio e o moral dos consumidores.

A forma com que ocorreu o fato demonstra que o serviço fornecido pela acionada não se revestiu da segurança necessária para resguardar a consumidora contra eventuais danos decorrentes da prestação do serviço. Não adotou a acionada mecanismos eficientes para evitar ou reduzir o risco da ocorrência de problemas como o ora sub judice, além de ter transferido à consumidora o resultado do defeito, ocasionando, desta forma, danos a esta, de cunho patrimonial e moral.

Nesta senda, segundo a lição de Savatier, o dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Trata-se de indenização que independe de qualquer vinculação com prejuízo patrimonial ou dependência econômica daquele que a pleiteia, por estar relacionada com valores eminentemente espirituais e morais.

Sobre a matéria, destaque-se os seguintes posicionamentos doutrinários: "Em suma saiu vitoriosa a corrente defensora da reparalidade do dano moral puro que, antes da Constituição Federal de 1988, propugnava pela indenização de toda e qualquer lesão à honra ou aos sentimentos, sem se preocupar com reflexos que pudesse, ou não, ter sobre o patrimônio da vítima (RT 662/8)" - (In Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudência, Rui Stoco, 4a edição, pág. 695).

Configurada a responsabilidade da ré, relativamente aos danos morais, necessário se faz estimar e fixar o valor da indenização, levando-se em consideração o entendimento doutrinário a respeito do tema.” Grifo nosso.

 

 

Destarte, verifica-se que as alegações autorais de envio de boleto por preposta da acionada com posterior pagamento sem compensação restam, devidamente, comprovadas nos autos.

Além de militar sob a presunção de boa-fé, a narrativa da exordial é verossímil e vem corroborada com as provas anexas na exordial que dão clareza de que o autor foi vítima de um golpe e que para tanto o impostor se utilizou da fragilidade dos sistemas das ré.

As alegações da contestação, além de não serem verossímeis, não saíram do campo das ideias, pois nenhuma prova foi produzida para a elas dar sustentação. Em verdade, a parte autora comprova que a preposta da acionada tinha acesso às informações sigilosas da autora e, além do mais, os comprovantes de pagamentos possuíam a informação de PITÁGORAS SISTEMA DEEDUCAÇÃO SUPERIOR SOCIEDADE S.A – CNPJ nº 03.239.470/0001-09, empresa administrada pelo grupo KROTON, como devedora. Neste contexto, é possível concluir que os arquivos apresentados no evento 01 se prestam a confundir o homem médio, vez que se revestem de informações pessoais do fornecedor, da aluna e do débito então em aberto.

Fato é que o comprovante de pagamento contendo informações que vinculavam o pagamento a faculdade e a confirmação de quitação no portal do aluno fizeram com que a Requerente acreditasse que se tratava de uma transação idônea.

A despeito da empresa ré asseverar não ter responsabilidade pelos fatos narrados na exordial, este juízo não vislumbro a ocorrência de caso fortuito externo, causador do rompimento do nexo causal, e ensejador da exclusão de responsabilidade, não restando, pois, configurada a hipótese do art. 14, §3º, II, do CDC, sobretudo porque não provada a culpa exclusiva da autora, já que trata-se de caso de erro escusável.

Desse modo, deve ser aplicado no caso o art. 14, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que atribui responsabilidade objetiva à parte Ré, sendo irrelevante a constatação da culpa neste sentido.

Registra-se, ainda, que os fornecedores devem possuir dever de segurança e da extrema cautela para guardar informações dos seus clientes. A ação de terceiro fraudador não afasta o nexo de causalidade, pois os danos causados ao lesado advêm diretamente do incremento do risco criado pela lucrativa atividade desenvolvida, tratando-se de fortuito interno à prestação de serviços.

O fato de o boleto ter sido emitido mediante fraude, por si só, não exclui a sua responsabilidade, que se dá de forma objetiva.

Não trouxe o demandado prova de que tenha adotado as cautelas necessárias a evitar o vazamento de dados da consumidora ou ainda de que esta tenha contribuído diretamente à fraude em análise, fornecendo, por exemplo, as informações necessárias à ação dos estelionatários. Os documentos acostados no evento processual nº. 01 conferem verossimilhança às alegações autorais.

Com isso, não haveria como a autora detectar a fraude e deixar de efetuar o pagamento. Se o boleto foi emitido por terceiro inidôneo, a fraude era imperceptível ao homem médio, daí porque há de se privilegiar a boa-fé do consumidor que realizou o seu pagamento.

Portanto, corroboro com o entendimento do juízo sentenciante.

 

Portanto, verificada a falha na prestação dos serviços, deve a parte ré reparar a parte autora pelos danos morais suportados.

 

Quanto aos danos morais, verifico que a situação vivida ultrapassou os desacordos comerciais e erros cotidianos, razão pela qual a sentença merece reparo para arbitrar os danos morais experimentados. Conforme fundamentação acima, a conduta omissiva do réu em relação a segurança de seu sistema facilitou a ocorrência da fraude. Cabe ressaltar que não restou devidamente comprovada nos autos a situação ocorrida com a diretora” Odília”. Nesse sentido, entendo por não majorar a indenização por danos morais.

Em relação ao quantum indenizatório, o valor do dano moral, de acordo com a jurisprudência dominante, deve ser arbitrado segundo os critérios de razoabilidade e da proporcionalidade, não podendo ser irrisório para a parte que vai pagar, nem consistir em fonte de enriquecimento sem causa para a vítima. Deve exercer a função de reparar o prejuízo e de prevenir a reincidência na conduta lesiva, o que personaliza o caráter pedagógico. Nesse ínterim, entendo que o valor estipulado se coaduna aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, razão pela qual não merece censura.

Quanto ao pedido de restituição pela parte autora, entendo que não merece prosperar, uma vez que não restou devidamente comprovada ser beneficiária do PEP.

Nesse passo, conforme acima indicado, adota-se toda a fundamentação utilizada na sentença para confirmá-la.

 

Ante o exposto, nos termos do art. 15, inc. XI, do Regimento Interno das Turmas Recursais, NEGO PROVIMENTO aos recursos inominados para manter a sentença por seus próprios fundamentos.

 

Condeno as partes Recorrentes, ora vencidas em sede recursal, às custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% sobre o valor da condenação. Tal ônus fica suspenso, contudo, pelo prazo de 05 (cinco) anos, apenas e tão somente, caso tenha sido conferido à parte Recorrente os benefícios da assistência judiciária gratuita (art. 98, § 3º, do Novo Código de Processo Civil).

 

Em havendo embargos de declaração, as partes ficam, desde já, cientes de que "quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa", nos termos do § 2°, art. 1.026, CPC.

 

Em não havendo mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem.

 

 

Salvador/BA, na data registrada no sistema.

 

 

MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA

JUÍZA DE DIREITO RELATORA