PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Terceira Câmara Cível 



ProcessoAPELAÇÃO CÍVEL n. 0300047-87.2017.8.05.0001
Órgão JulgadorTerceira Câmara Cível
APELANTE: IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e outros (3)
Advogado(s)JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, MARIA ZELIA LIMA CAVALCANTE
APELADO: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE e outros (3)
Advogado(s):JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, SERGIO LAMBERTI MOURA

 

ACORDÃO

 

 

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PLANO DE SAÚDE FALSAMENTE COLETIVO. ENQUADRAMENTO COMO CONTRATO INDIVIDUAL. RESOLUÇÃO 195/ANS, ART. 32. PRESCRIÇÃO TRIENAL. TEMA 610 DO STJ. REAJUSTES ANUAIS. LIMITAÇÃO AOS ÍNDICES AUTORIZADOS PELA ANS PARA PLANOS INDIVIDUAIS. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CLARA NO CONTRATO DOS GRUPOS ETÁRIOS E PERCENTUAIS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 15 E 16, IV, DA LEI 9.656/98. INAPLICABILIDADE DE QUALQUER REAJUSTE ETÁRIO. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA SEGURADORA DESPROVIDO.

1.         Confirmada a equiparação do contrato a plano individual/familiar, nos termos do art. 32 da Resolução 195 da ANS, quando não preenchidos os requisitos para caracterização como plano coletivo por adesão.

2.         A pretensão de repetição de indébito por pagamento de valores referentes a reajustes considerados abusivos em contratos de plano de saúde prescreve em três anos (Tema 610 do STJ). Divergência jurisprudencial posterior sem força para alterar entendimento firmado em recurso repetitivo (art. 927, III, CPC/2015).

3.         Contratos individuais de plano de saúde sujeitam-se aos limites de reajuste anual autorizados pela ANS, sendo inaplicáveis reajustes por sinistralidade ou por variação de custos médico-hospitalares (VCMH) sem autorização da agência reguladora.

4.         É nulo o reajuste por faixa etária quando não houver no contrato previsão clara e discriminada de todos os grupos etários e seus respectivos percentuais de reajuste, conforme exigido pelos arts. 15 e 16, IV, da Lei 9.656/98 e assentado pelo STJ no Tema 952.

5.         Recursos conhecidos, negado provimento ao da seguradora e dado parcial provimento ao dos autores.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0300047-87.2017.8.05.0001, em que figuram simultaneamente como apelantes e apelados IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e PIER PAOLO PEPE e SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE.

ACORDAM os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e PIER PAOLO PEPE, nos termos do voto da Relatora.

 

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

 

DECISÃO PROCLAMADA

Conhecido e provido em parte Por Unanimidade

Salvador, 19 de Maio de 2025.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Terceira Câmara Cível 

Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0300047-87.2017.8.05.0001
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível
APELANTE: IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e outros (3)
Advogado(s): JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, MARIA ZELIA LIMA CAVALCANTE
APELADO: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE e outros (3)
Advogado(s): JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, SERGIO LAMBERTI MOURA

 

RELATÓRIO

 

 

Trata-se de Recursos de Apelação interpostos por IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e PIER PAOLO PEPE e também, pela SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE contra sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara de Relações d,e Consumo da Comarca de Salvador, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na Ação Revisional de Contrato de Plano de Saúde c/c Repetição de Indébito.

Na origem, os autores ajuizaram ação revisional alegando serem beneficiários de plano de saúde coletivo por adesão, contratado através da QUALICORP junto à SUL AMÉRICA, desde 10 de abril de 2011. Sustentaram que os reajustes anuais e por faixa etária aplicados seriam abusivos, destacando o aumento de 89,07% quando a primeira autora completou 59 anos.

Após regular trâmite processual, o juízo de primeiro grau proferiu sentença reconhecendo que o contrato, embora apresentado como coletivo por adesão, não preenchia os requisitos da Resolução 195 da ANS, considerando-o como contrato individual/familiar. Pronunciou a prescrição trienal para a repetição de indébito, declarou a ilegalidade dos reajustes anuais aplicados desde 2011, determinando sua revisão de acordo com os índices estabelecidos pela ANS para contratos individuais, e declarou abusivo o reajuste por faixa etária de 59 anos ou mais, reduzindo-o para 30%. Por fim, determinou a devolução simples dos valores pagos a maior nos últimos três anos.

Em suas razões recursais (Id 46880185), os autores/apelantes   pugnam pela reforma da sentença quanto à prescrição aplicada, argumentando a ocorrência de "overruling" jurisprudencial pelo REsp 1.803.627/SP, que teria alterado o entendimento sobre o prazo prescricional de três para dez anos. Alegam que os contratos não preveem de forma clara os percentuais de reajuste por faixa etária, violando os artigos 15 e 16 da Lei 9.656/98, o que impediria qualquer reajuste etário. Questionam também a distribuição dos ônus sucumbenciais, argumentando que decaíram de parte mínima do pedido.

Por sua vez, a Sul América, em seu recurso (Id 46880182), defende a manutenção da prescrição trienal com base no REsp 1.360.969/RS (Tema 610 do STJ). Sustenta a validade do reajuste por faixa etária, argumentando que os contratos atendem aos critérios estabelecidos pelo STJ no REsp 1.568.244/RJ (Tema 952) e pela Resolução 63/2003 da ANS. Afirma que os reajustes anuais são necessários para manter o equilíbrio econômico do contrato em função da variação dos custos médico-hospitalares (VCMH) e da sinistralidade. Requer, por fim, a inversão dos ônus de sucumbência.

Contrarrazões foram oferecidas por ambas as partes em Ids 46880196 e 46880194).

Este é o relatório.

Encaminhem-se os autos à Secretaria da Terceira Câmara Cível para inclusão em pauta de julgamento, nos termos dos artigos 931 e 934 do CPC, ressaltando tratar-se de recurso passível de sustentação oral, conforme o artigo 937 do mesmo diploma legal.

Salvador/Ba., datado e assinado eletronicamente. 

Desa. Marielza Brandão Franco

Relatora

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Terceira Câmara Cível 



Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0300047-87.2017.8.05.0001
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível
APELANTE: IVANA CUNHA ALMEIDA SOUZA e outros (3)
Advogado(s): JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, MARIA ZELIA LIMA CAVALCANTE
APELADO: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE e outros (3)
Advogado(s): JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS, SERGIO LAMBERTI MOURA

 

VOTO

 

1.  ADMISSIBILIDADE:

Recursos Tempestivos. Gratuidade deferida aos autores pelo juízo a quo, com efeitos estendidos para o processamento deste apelo. Custas recolhidas pela apelante ré em Id 46880183.

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

2.         PRELIMINAR:  

2.1.   Natureza do Contrato: 

De início, confirmo o acerto da sentença ao reconhecer que o contrato, embora formalmente denominado como "coletivo por adesão", possui natureza de contrato individual/familiar, nos termos do art. 32 da Resolução 195 da ANS, que dispõe: "O ingresso de novos beneficiários que não atendam aos requisitos de elegibilidade previstos nos artigos 5º e 9º desta resolução constituirá vínculo direto e individual com a operadora, equiparando-se para todos os efeitos legais ao plano individual ou familiar."

Com efeito, não há nos autos comprovação de que os contratos dos autores atendiam aos requisitos para classificação como planos coletivos por adesão. A mera menção à Fecomércio nas propostas de adesão e nos boletos não comprova a existência de relação jurídica legítima entre a entidade, a Sul América e a Qualicorp, nem demonstra a elegibilidade dos autores como beneficiários de plano coletivo, conforme exigido pela regulamentação.

Dessa forma, o contrato deve ser tratado como individual para todos os efeitos legais, inclusive quanto aos reajustes.

3.  MÉRITO:

3.1.   Da Prescrição: 

Quanto à prescrição aplicável à pretensão de repetição do indébito em contratos de plano de saúde, é necessário avaliar a alegação dos autores sobre a ocorrência de "overruling" jurisprudencial.

De fato, a Segunda Seção do STJ, ao julgar os REsp 1.360.969/RS e 1.361.182/RS (Tema 610), firmou o entendimento de que a pretensão de repetição do indébito por pagamento de valores referentes a reajustes considerados abusivos em contratos de plano de saúde prescreve em três anos, considerando, portanto, trienal o prazo prescricional (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002).

Ocorre que, posteriormente, a Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.803.627/SP em junho de 2020, adotou posicionamento diverso, entendendo que o prazo prescricional seria decenal. Essa divergência se baseou em precedente da Corte Especial (EREsp 1523744/RS) que afirmou que "a discussão sobre a cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito, não se enquadra no prazo trienal, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica".

Contudo, é importante considerar que o entendimento fixado no Tema 610 foi estabelecido sob o rito dos recursos repetitivos, com efeito vinculante, nos termos do art. 927, III, do CPC/2015. Já o julgado posterior (REsp 1.803.627/SP) não possui o mesmo efeito vinculante, não tendo sido ainda pacificada a questão entre as turmas do STJ.

Ressalte-se que o próprio relator do REsp 1.803.627/SP, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, reconheceu a alteração de jurisprudência, mas rejeitou a indicação daquele recurso como representativo da controvérsia, "sem prejuízo de futura indicação do tema para afetação após pacificação da jurisprudência desta Corte Superior".

Assim, até que ocorra a pacificação da matéria pela Segunda Seção do STJ, prevalece o entendimento firmado no Tema 610, de observância obrigatória por este Tribunal.

Mantenho, portanto, a prescrição trienal reconhecida na sentença.

3.2. Dos Reajustes Anuais: 

Quanto aos reajustes anuais, considerando a natureza individual do contrato (conforme fundamentação prévia), a sentença acertou ao determinar a aplicação dos índices estabelecidos pela ANS para os contratos individuais, conforme os Termos de Compromisso firmados entre a operadora e a agência reguladora.

A seguradora não pode se valer das regras de reajuste previstas para contratos coletivos, pois, como já decidido, o contrato deve ser considerado individual para todos os efeitos. Assim, são inaplicáveis os reajustes por sinistralidade ou por variação de custos médicos hospitalares (VCMH) sem a autorização da ANS, já que nos contratos individuais ou familiares os reajustes anuais são limitados aos índices divulgados pela agência reguladora.

Portanto, mantenho a sentença neste ponto.

3.3. Dos Reajustes por Faixa Etária:

No que tange aos reajustes por mudança de faixa etária, a questão merece análise mais detida.

Segundo o STJ, no julgamento do REsp 1.568.244/RJ (Tema 952), o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que:

a)  Haja previsão contratual;

b) Sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores;

c) Não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

No caso dos autos, verifica-se que os contratos dos autores (Id 46879114), embora prevejam no item 3.1 das Condições Gerais a aplicação de reajustes por faixa etária (com percentual de 89,07% para a faixa de 59 anos ou mais), não apresentam de forma clara e discriminada todos os grupos etários e os respectivos percentuais de reajuste, conforme exigido pelos arts. 15 e 16, IV, da Lei 9.656/98.

O próprio STJ estabeleceu no Tema 952 que "a variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998)".

Assim, a omissão do contrato quanto à especificação clara de todos os grupos etários e seus respectivos percentuais de reajuste torna inaplicável qualquer reajuste por faixa etária, inclusive o de 30% estabelecido pela sentença recorrida.

Neste ponto, portanto, dou provimento ao recurso dos autores para afastar integralmente o reajuste por faixa etária aplicado quando a primeira autora completou 59 anos, devendo ser restituídos os valores pagos a maior dentro do prazo prescricional de três anos.

3.4. Dos Honorários Advocatícios:

Considerando a reforma parcial da sentença e a sucumbência preponderante da parte ré, nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC/2015, condeno as rés ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, que majoro para 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §§2º e 11, do CPC/2015.

 

4.         DISPOSITIVO:

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da Sul América Companhia de Seguro Saúde e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Ivana Cunha Almeida Souza e Pier Paolo Pepe, apenas para afastar integralmente o reajuste por faixa etária de 59 anos e para condenar as rés ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.

Salvador, [data da sessão de julgamento]

Desa. Marielza Brandão Franco

Relatora