Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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PROCESSO Nº 0005625-50.2021.8.05.0103

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

RECORRIDO: CAIO RIBEIRO DA SILVA

 

 

EMENTA

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06. SENTENÇA QUE DETERMINOU O ARQUIVAMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO, AO ARGUMENTO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA ENCONTRADA NA POSSE DO AGENTE PARA USO PRÓPRIO, COMO FUNDAMENTO PARA DESCARACTERIZAÇÃO DO CRIME.  RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA REFORMADA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO, COM O RECONHECIMENTO DA TIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO.

 

 

 

Dispensado o relatório nos termos da Lei n.º 9.099/95.

Trata-se de processo envolvendo a prática de conduta tipificada no art. 28 da Lei 11.343/2006, em razão do flagranteado ter sido encontrado na posse de 5 pinos de
cor verde, contendo uma substância com aspecto de um pó, na cor branca, que
mais tarde, em sede de perícia, confirmou-se ser cocaína

 A questão é eminentemente de direito, eis que o Juízo determinou o arquivamento do Termo Circunstanciado, por entender inconstitucional o artigo 28, da Lei11.343/2006 e atípica a conduta de trazer consigo droga para consumo próprio; argumentando que o uso de entorpecentes não afetaria bens jurídicos de terceiros.

Circunscrevendo a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA requer a reforma da sentença para, reconhecendo a tipicidade da conduta, determinar o prosseguimento do feito. Alega, em síntese, que o delito em questão é de perigo abstrato e o bem jurídico tutelado, a saúde pública, possui natureza coletiva, tendo a conduta perpetrada aptidão para gerar perigo de dano. Salienta que ¿muitos delitos de natureza grave e gravíssimas, inclusive classificados como hediondos, tais como estupro, latrocínio, dentre outros, ocorrem com o autor do delito sob o efeito do uso de drogas, potencializando a capacidade de ação do agente. Tal fato não é e não pode ser utilizado pelo agente criminoso como motivação para a ação criminal, mas não pode deixar de ser reconhecido como um instrumento que motiva e potencializa a ação criminosa com consequências graves para a população, sendo um risco e um precedente de natureza grave que se impõe a uma sociedade a aplicação de um entendimento jurisdicional da descriminalização de conduta que ainda é criminalizada pela legislação em vigor¿.

Contrarrazões foram apresentadas no evento n. 33.

Presentes as condições de admissibilidade da apelação, conheço-a, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

Pois bem. Da análise detida dos autos, entendo que assiste razão ao Apelante.

A Lei 11.343/2006, em seu artigo 28, definiu o crime de posse de drogas para consumo pessoal, nos seguintes termos:

 

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

 

Portanto, observa-se que a lei de drogas, embora tenha abrandado as penas, com a imposição de medidas de caráter educativo, classificou a conduta como crime, sendo claro que o processo e julgamento devem observar o rito do Juizado Especial Criminal, pois reservado às infrações penais de menor potencial ofensivo.

Nesse passo, consoante o tipo penal em questão, o bem jurídico tutelado é a saúde pública e não somente a integridade corporal do Réu (usuário), sendo irrelevante a quantidade portada, consoante tipificado no aludido art. 28.

 

Quanto ao porte de entorpecentes para uso próprio, vejamos:

 

Agravo regimental no agravo de instrumento. Matéria Criminal. Prequestionamento. Ofensa reflexa. Precedentes. Posse de droga para consumo pessoal (art. 28 de Lei nº 11.343/06): natureza jurídica de crime. Precedentes. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alega violados não estão devidamente prequestionados. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. Inadmissível em recurso extraordinário o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional. 3. A jurisprudência desta Corte assentou entendimento de que a conduta de portar droga para consumo pessoal, prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06, não perdeu seu caráter criminoso. 4. Agravo regimental não provido. (AI 741072/RJ; Rel: Min. Dias Toffoli; Julgamento em 22/02/2011; Primeira Turma).

 

APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PRÓPRIO. ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343/06. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 397, INCISO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DIRIGIDA NO SENTIDO DE QUE O CRIME EM COMENTO É TÍPICO E DE PERIGO ABSTRATO, CUJO BEM JURÍDICO É A SAÚDE PÚBLICA, PELO QUE REQUER O PROSSEGUIMENTO DO FEITO COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DO ACUSADO NOS EXATOS TERMOS DA DENÚNCIA. PRETENSÃO QUE MERECE ACOLHIMENTO NESTA INSTÂNCIA RECURSAL. DE SE CONSIGNAR, INICIALMENTE, QUE EM OBEDIÊNCIA AO DISPOSTO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 66 DA LEI 9099/95, O JUÍZO DO II JUÍZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DECLINOU O PROCESSAMENTO DO FEITO PERANTE OJUÍZO COMUM. ACUSADO CITADO POR EDITAL. PROCESSO E PRAZO PRESCRICIONAL SUSPENSOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO CRIME DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06, UMA VEZ QUE A LEI DE DROGAS APENAS AFASTOU A POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE AO USUÁRIO, CARACTERIZANDO-SE ASSIM COMO CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, COM PENAS MAIS BRANDAS, OBJETIVANDO-SE ATRAVÉS DO SEU CARÁTER EDUCATIVO, A PREVENÇÃO NO USO INDEVIDO DE DROGAS, A ATENÇÃO E A REINSERÇÃO SOCIAL DO USUÁRIO E DEPENDENTE DE DROGAS, CONFORME DISPOSTO NO PREÂMBULO E NO ARTIGO 1º DA LEI 11.343/06. O ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06 DESCREVE O CRIME FORMAL, DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO, CUJO BEM JURÍDICO TUTELADO É A SAÚDE PÚBLICA, BASTANDO, SIMPLESMENTE, A REALIZAÇÃO DA CONDUTA DE CARREGAR A SUBSTÂNCIA ILÍCITA PARA USO PRÓPRIO. TIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE AUTOLESÃO OU DE VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. CRIME QUE TUTELA O INTERESSE COLETIVO. NESTE SENTIDO, TEM-SE QUE A POTENCIALIDADE LESIVA CAUSADA PELA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE NÃO SE LIMITA ÀQUELE QUE A INGERE, MAS ATINGE TODA A COLETIVIDADE, COLOCANDO EM RISCO A PRÓPRIA INTEGRIDADE SOCIAL E, POR VIA DE CONSEQUÊNCIA, AFETANDO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REPERCUSSÃO GERAL QUANTO A CONSTITUCIONALIDADE DO MENCIONADO ARTIGO AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. PROVIMENTO DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CASSAR A SENTENÇA QUE ABSOLVEU SUMARIAMENTE O ACUSADO JUNIOR DA CONCEIÇÃO E DETERMINAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA COM O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. DECISÃO MODIFICADA. (AP. 0226260-79.2010.8.19.0001; Rel. Des. Sidney Rosa da Silva; Julgamento em 02/09/2014; Sétima Câmara Criminal).

 

 

Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO a apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, para, reformando a decisão vergastada, determinar o prosseguimento do feito. 

É como voto.

 

TÂMARA LIBÓRIO DIAS TEIXEIRA DE FREITAS SILVA

Juíza Relatora

 

 

ACÓRDÃO

Realizado Julgamento do Recurso do processo acima epigrafado. A TERCEIRA TURMA, decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e DAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, nos termos do voto da Relatora.

 

Salvador, Sala das Sessões, em de fevereiro de 2022.

 

TÂMARA LIBÓRIO DIAS TEIXEIRA DE FREITAS SILVA

Juíza Relatora