EMENTA
RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. CAUSAS COMUNS. DIFAMAÇÃO, DIVULGAÇÃO FOTOGRAFIAS ÍNTIMAS DA PARTE AUTORA EM APLICATIVO DE MENSAGENS. STALKING. AMEAÇA. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. CONSTRANGIMENTOS SOFRIDOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO DANO EXPERIMENTADO. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 46 DA LEI Nº 9.099/95). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099/95.
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso.
O artigo 15 do novo Regimento interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XI, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Este posicionamento do Superior Tribunal de Justiça encontra esteio na intelecção do art. 932, IV e V, do CPC, permitindo ao relator o julgamento monocrático, como meio a privilegiar o instituto dos precedentes, a sua força normativa e garantindo-se celeridade processual.
À guisa de corroboração, cito a eloquente doutrina de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
O relator pode decidir monocraticamente tudo, desde a admissibilidade do recurso até o seu próprio mérito, sempre sob o controle do colegiado a que pertence, órgão competente para decidir, de modo definitivo, sobre a admissibilidade e mérito do recurso. O relator pode conceder a antecipação dos efeitos a serem obtidos no recurso (`efeito ativo` ou, rectius, `tutela antecipada recursal`), conceder efeito suspensivo ao recurso, conceder liminar em tutela de urgência, não conhecer do recurso (juízo de admissibilidade), negar provimento a recurso e dar-lhe provimento (juízo de mérito). (NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, E-book).
Nessa linha de ideias, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, comentando o art. 932 do CPC, elucidam sobre o dever do relator:
O relator tem o dever de julgar o recurso monocraticamente, preenchidos os requisitos inerentes à espécie, porque aí estará prestigiando a autoridade do precedente (arts. 926 e 927, CPC/2015) e patrocinando sensível economia processual, promovendo por essa via um processo com duração razoável (arts. 5.º, LXXVIII, CF/1988, e 4.º, CPC/2015). Como observa a doutrina, não há aí um simples espaço de poder livre – o que há é um `dever-poder`. Pode o relator julgar monocraticamente qualquer espécie recursal a partir do art. 932, CPC/2015, podendo inclusive invocá-lo para decidir a remessa necessária e para, em sendo o caso, decidir questões concernentes a processos de competência originária. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil Artigos 926 ao 975, Vol. XV. Diretor: Luiz Guilherme Marinoni, Coordenadores: Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Revista dos Tribunais, E-book, 2017).
Para além do inconteste dever de julgar monocraticamente, os festejados processualistas arrematam:
O relator pode negar provimento ao recurso liminarmente quando esse for contrário aos precedentes das Cortes Supremas (art. 932, IV, a e b, CPC/2015). Pode igualmente provê-lo, mas aí se exige o contraditório (art. 932, V, CPC/2015).
Note-se que a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício – não necessário e não suficiente – a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC/2015, é que exista precedente sobre a matéria – que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos. (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil Artigos 926 ao 975, Vol. XV. Diretor: Luiz Guilherme Marinoni, Coordenadores: Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Revista dos Tribunais, E-book, 2017).
Dessa forma, o presente julgamento monocrático, consentâneo com a norma preconizada no art. 932, IV e V, do CPC/2015, não configura negativa de prestação jurisdicional, tampouco afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, porquanto a fundamentação perfilha-se ao entendimento dominante acerca do tema.
Anuncio, pois, o julgamento.
Em análise aos autos, observa-se que a matéria já se encontra sedimentada no âmbito da 4ª Turma Recursal.
No mérito, depois de minucioso exame dos autos, estou persuadida de que a irresignação manifestada pela parte recorrente não merece acolhimento.
Verifica-se que o ilustre Juízo a quo examinou com acuidade a demanda posta à sua apreciação, afastando com clareza as teses sustentadas pela parte Recorrente. Por essa razão, ao meu sentir, o decisum não merece reforma.
Conforme bem salientou o magistrado de origem:
A controvérsia alcança a existência de danos morais em virtude de condutas perpetradas pela Requerida caracterizadoras de ameaça, injúria, difamação, bem como a divulgação não autorizada das mídias para terceiros e a propagação de fatos inverídicos que afetaram a reputação e a moral da autora, além de lhe trazer diversas repercussões negativas no seio familiar.
Constata-se, pelo vasto conjunto probatório dos autos, que a Requerida persegue a Autora, seja em ambientes físicos, como no registro do Boletim de Ocorrência do dia 08/01/2021, como também utilizando-se de meio virtual, por meio de conversa de WhatsApp (em posse do celular do atual companheiro).
Ademais, verifico que houve diversos registros de fotos que estavam em poder do atual companheiro da Requerente. Diante da constatação das fotos íntimas no aparelho celular, a Requerida passou a fazer ameaças, prometendo fazer uma ampla divulgação das mesmas, criando um temor na autora de sofrer um mal injusto, uma vez que não se relacionava mais com o Sr. Humberto Luiz de Almeida Goes.
Outrossim, a própria acionada confessa (evento 23) que: ¿É verdade que a Requerida viu fotos da Requerente no celular do seu esposo, no entanto, tais fotos, foram enviadas recentemente, e por isso, a Requerida falou algumas vezes com o seu esposo, que se Requerente continuasse a lhe enviar fotos e mensagens, que ela iria mandar as fotos para a mãe da Requerente e para o seu atual namorado¿, em sede de defesa.
Assim, a Autora tomou conhecimento, por intermédio de uma amiga, que suas fotos íntimas estariam circulando em grupos de WhatsApp, numa demonstração cabal de que a acionada cumpriu com o prometido, a despeito de todas as providências judiciais, tempestivamente, tomadas pela Autora.
O conjunto probatório confirma a divulgação das fotos para outras pessoas, fotos estas que estavam no celular do companheiro da Requerida, esta que mantinha em seu poder e utilizava-o para proferir ameaças de divulgação das fotos da Autora.
Ressalte-se que a Requerida não apresentou fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC, a fim de afastar as alegações e provas colacionadas pela autora.
Ademais, resta comprovado que a Acionada constantemente acessa o perfil do Instagram de parentes e do namorado da Requerente, com o propósito de promover novas divulgações em desfavor da Acionante, maculando também a sua imagem entre parentes e pessoas íntimas de seu convívio, conforme imagens anexas.
Portanto, percebe-se, claramente, que a divulgação de tais fatos, comprovada pelos documentos colacionados e devidamente corroborados pelos depoimentos colhidos por este Juízo, teve o propósito de afetar a reputação e a moral da parte autora, causando-lhe sentimentos que tiraram a sua tranquilidade e paz de espírito, além de comprometer relações familiares.
Embora a parte ré alegue que não divulgou em grupo de WhatsApp, afirmando que tinha a intenção apenas de enviar à mãe e ao namorado da Autora, resta demonstrada a ocorrência de diversos atos censuráveis pela Requerida, todos caracterizadores de comportamento ilícito.
Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela parte autora, as quais corroboraram com a tese autoral, confirmando-se os eventos ocorridos e a lesão à esfera extrapatrimonial da autora, qual seja, lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima (autora da presente demanda).
Ambas as testemunhas ouvidas em audiência de instrução são colegas de trabalho que constataram a repercussão que os fatos causaram à vida pessoal e profissional da Autora, fatos estes capazes de trazer perturbação e dissabores aptos a abalar a dignidade da vítima, caracterizando o dano moral.
Além de ilicitude concernente à divulgação de fotos íntimas sem o consentimento da autora, em clara ofensa ao direito de imagem, constata-se que a ré praticou atos que configuram o comportamento atualmente conhecido como "stalking", que, em seu viés obsessivo e nocivo, nada mais é do que a perseguição de um sujeito por outro, com a prática de atos tendentes a constranger a vítima, perturbando a sua tranquilidade, resultando no comprometimento do patrimônio imaterial e, não raras vezes, na prática de condutas típicas penais.
Em outros termos, é um conjunto de comportamentos que fogem da razoabilidade e se destinam a perseguir e causar constrangimento ou medo à lesada, mediante a utilização de diversas condutas, tais como espalhar boatos, perseguir em redes sociais, dirigir-se ao local de trabalho e/ou residência, enviar presentes, etc., ocorrentes de forma reiterada e obsessiva.
São condutas que frequentemente estão associadas ao término de relacionamentos amorosos, como no presente caso.
Inegável que a prática do "stalking" gera repercussão negativa à moral da vítima, por afetar a sua tranquilidade e paz de espírito, causando, portanto, danos morais e gerando o dever de indenizar.
Nesse sentido, os fundamentos do julgado vergastado são precisos, nada havendo a reformar. Ao contrário, deve a decisão ser integralmente ratificada pelos seus próprios fundamentos.
Em assim sendo, servirá de acórdão a súmula do julgamento, conforme determinação expressa do art. 46, da Lei n° 9.099/95, segunda parte, in verbis:
“O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”.
Em vista de tais considerações, e por tudo mais constante dos autos, decido no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos.
Condeno a parte Recorrente, ora vencida em sede recursal, às custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% sobre o valor da condenação. Tal ônus fica suspenso, contudo, pelo prazo de 05 (cinco) anos, apenas e tão somente, caso tenha sido conferido à parte Recorrente os benefícios da assistência judiciária gratuita (art. 98, § 3º, do Novo Código de Processo Civil).
Intimem-se.
Salvador/BA, data registrada no sistema.
MARTHA CAVALCANTI SILVA DE OLIVEIRA
JUÍZA DE DIREITO RELATORA