PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0534882-25.2014.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | ||
APELANTE: M J CONSTRUCOES LOCACAO E SERVICOS LTDA - ME | ||
Advogado(s): ANGELA VENTIM LEMOS | ||
APELADO: MUNICIPIO DE SALVADOR | ||
Advogado(s): |
ACORDÃO |
EMENTA: Apelação cível. Mandado de Segurança. MM Juízo a quo denegou a segurança vindicada e extinguiu o feito com resolução de mérito. Razões do apelo, pugnando pela reforma do julgado e consequente concessão da segurança perseguida. A questão posta para acertamento diz respeito ao caráter progressivo do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – ITIV/ITBI, estatuído no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador, no qual consta a previsão da alíquota de 1% (um por cento) para as transmissões de imóveis populares, bem como a alíquota de 3% (três por cento) para as demais, situação que o impetrante reputa inconstitucional, com base no quanto consta no texto da Súmula 656 do STF. Compulsando os autos, forçoso concluir não merecer retoques o julgado vergastado, neste particular. Cumpre de logo ressaltar que o ITIV/ITBI é o imposto previsto no art. 156, inciso II, da Carta Magna, cujo fato gerador é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia. É cediço que sua base de cálculo é o valor venal do imóvel, bem como que as alíquotas do referido imposto são fixadas por lei ordinária municipal, sem quaisquer limitações. Note-se que o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento de acordo com o qual o ITIV, por se tratar de imposto real, bem como à vista da ausência de autorização constitucional, não pode ser progressivo, sendo vedada a graduação das alíquotas com base na presunção da maior capacidade contributiva a partir do valor venal do imóvel adquirido. Insta salientar que a suposta progressividade do imposto, de acordo com as alegações do apelante/impetrante, decorre do quanto consta no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador. Todavia, da simples leitura do dispositivo legal supratranscrito, fácil vislumbrar que a alíquota de 3% (três por cento) fora estipulada para as operações de transmissão de imóveis em geral, enquanto que a alíquota de 1% (um por cento) foi fixada exclusivamente para a aquisição de imóveis populares, desde que atendidos os requisitos cumulativos previstos no Decreto Municipal de nº 24.058/2013. Deste modo, não há que se falar em progressividade de alíquotas, atreladas ao valor venal do imóvel ou à capacidade contributiva do contribuinte, como quer fazer acreditar o recorrente, mas tão somente a concessão de um benefício, com o escopo de facilitar a aquisição de moradia popular, o que acaba por afastar a hipótese contida na Súmula 656, do STF. Assim sendo, forçoso concluir não haver qualquer inconstitucionalidade no regramento contido no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador, até porque não se trata de um regime com finalidade arrecadatória, mas de desoneração parcial das transações que envolvem a aquisição de imóveis populares. No que pertine à base de cálculo do ITIV, cumpre de logo salientar que, conforme o quanto estatuído no inciso II, do art. 156, da Constituição Federal, foi atribuída ao Município a competência para instituir o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que tem como fato gerador a “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”, previsão igualmente contida no art. 35 do CTN. Em sendo assim, não pode o Município pretender adotar um valor venal para o cálculo do IPTU e outro, mais elevado, para cálculo do ITIV, pois que tal discrepância afronta o princípio da estrita legalidade, já que o IPTU e o ITIV possuem, como base de cálculo, o valor venal do imóvel e o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, respectivamente, de acordo com o disposto nos arts. 33 e 38, ambos do CTN. Desta forma, reputa-se inviável que o mesmo imóvel apresente valores venais diferentes como base de cálculo para o IPTU e o ITIV, motivo porque merece retoques o julgado hostilizado neste item. Todavia, no caso da Municipalidade não aceitar o valor livremente fixado pelas partes, poderá arbitrar o valor mediante instauração de procedimento previsto no art. 148 do CTN, desde que assegurado ao sujeito passivo o contraditório e o devido processo legal. Nada impede, portanto, que o Fisco proceda ao lançamento de ofício do ITIV, nos casos de não recolhimento do valor devido ou recolhimento feito a menor, observando-se o quanto consta na legislação pátria aplicável à espécie. Recurso parcialmente provido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0534882-25.2014.8.05.0001, em que figura como apelante, M J CONSTRUCOES LOCACAO E SERVICOS LTDA - ME, e como apelado o MUNICIPIO DE SALVADOR.
ACORDAM os Desembargadores componentes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Sala das Sessões, de de 2023.
PRESIDENTE
DES. JOSÉ CÍCERO LANDIN NETO
RELATOR
PROCURADOR (A) DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
QUINTA CÂMARA CÍVEL
DECISÃO PROCLAMADA |
Conhecido e provido em parte Por Unanimidade
Salvador, 7 de Agosto de 2023.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0534882-25.2014.8.05.0001 | |
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | |
APELANTE: M J CONSTRUCOES LOCACAO E SERVICOS LTDA - ME | |
Advogado(s): ANGELA VENTIM LEMOS | |
APELADO: MUNICIPIO DE SALVADOR | |
Advogado(s): |
RELATÓRIO |
Trata-se de apelo ofertado por M J CONSTRUCOES LOCACAO E SERVICOS LTDA - ME, em face da sentença, ID. 41547850, proferida pelo MM. Juízo de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador, que, nos autos do Mandado de Segurança de nº 0534882-25.2014.8.05.0001, ajuizada em face do MUNICIPIO DE SALVADOR, denegou a segurança postulada, extinguindo o feito com julgamento de mérito.
Irresignada, a parte autora ofertou apelo, ID. 41547852, sustentando, em síntese, pela inconstitucionalidade da alíquota progressiva do ITIV/ITIB, pois que “[...] Segundo o regulamento expedido pelo Prefeito de Salvador, qual seja, o Decreto n º 24.058, de 16 de julho de 2013, art. 8º, parágrafo único, considera-se imóvel popular a unidade habitacional que satisfizer, simultaneamente, os seguintes requisitos: I – ser destinada à residência; II – ter área construída privativa limitada a 39,56m² (trinta e nove, cinquenta e seis metros quadrados) e III – ter o valor venal atualizado de até R$ 44.996,73 (quarenta e quatro mil, novecentos e noventa e seis reais e setenta e três centavos).”, oportunidade na qual afirma que “[...] O critério adotado revela nítida diferenciação em razão do valor do imóvel, seja por colocar de forma expressa um valor em moeda nacional, seja por escolher critérios que por si só tornam um imóvel com valor de mercado reduzido, como a limitação de metragem e o uso residencial.”, reputando que o supracitado dispositivo legal estabeleceu alíquotas progressivas para o imposto de transmissão de bens imóveis, o que seria inconstitucional.
Assevera que “[...] as diferenças de alíquotas estabelecidas pela Lei nº 7186/2006, art. 118, seja com caráter progressivo ou seletivo, NÃO possuem amparo na Constituição Federal em razão da ausência de autorização, pois caso fosse possível tal situação, a Carta Magna teria expressamente instituído, como fez com o IPTU, o IPVA, o ITR e o Imposto de Renda.”, pugnando pelo lançamento do ITIV pela menor alíquota, qual seja de 1% (um por cento).
Aduz, ainda, que a base de cálculo do ITIV está incorreta, haja vista que “[...] Em se tratando de imposto que incide sobre a transmissão por ato oneroso, tem-se como ponto de partida para a determinação de sua base de cálculo na hipótese de compra e venda, o preço. Este funciona no caso como uma declaração de valor feita pelo contribuinte, que pode ser aceita, ou não, pelo fisco, aplicando-se, na hipótese de divergência, a disposição do art. 148 do CTN.”
Pontua que “[...] O art. 116 da Lei nº 7186/2006 define corretamente que a base de cálculo do tributo em comento é o valor dos bens ou direitos transmitidos e mais adiante no art. 117 afirma que em hipótese alguma a base de cálculo poderá ser inferior ao valor venal.”
Argumenta que “[...] Não obstante o IPTU e o ITIV possuam regimes jurídicos próprios, tendo ambos a mesma base de cálculo definida em lei complementar (artigos 33 e 38 do CTN), não pode o legislador ordinário diferenciar a expressão monetária do valor venal conforme se refira à propriedade ou à transmissão do bem ou direito, ainda mais quando essa diferença é estabelecida mediante decreto. Na prática, isso representou para a Impetrante a seguinte situação: em 19/02/2014, pela sistemática da Sefaz, o imóvel foi avaliado em R$ 1.153.600,00 e em 21/06/2014 valia R$1.268.960,00. Ou seja, em apenas 04 meses, o valor venal para cálculo do ITIV já foi atualizado 10% (dez por cento), conforme consulta feita no site da SEFAZ. Frise-se, ainda, que de um exercício para outro já ocorreu um aumento de mais de 2000%.”
Alega, na oportunidade, que “[...] A inconstitucionalidade que ora pleiteia que seja reconhecida reside no fato do arbitramento do valor venal atualizado ocorrer mediante ato do Poder Executivo, sem critérios exatos definidos por lei, como ocorre com o IPTU e suas Plantas Genéricas de Valores, permitindo ao contribuinte ter exata noção do cálculo da exação. O arbitramento da base de cálculo do ITIV só será cabível nos termos do art. 148 do CTN, o que não acontece, já que a Administração Pública inverteu a ordem descrita no referido dispositivo.”
Frisa que “[...] não havendo critérios definidos em lei para apuração do valor venal exclusivamente para lançamento do ITIV, a solução apontada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal foi determinar a utilização do mesmo valor venal admitido para lançamento do IPTU no mesmo exercício fiscal por haver identidade da base de cálculo dos dois tributos. Poderá, ainda, o Fisco optar por utilizar o valor real da transação, caso este seja maior.”
Informa que “[...] efetuou a impugnação do valor venal, declarando que o seu imóvel tem valor de mercado de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Em razão disso, a Secretaria da Fazenda efetuou um novo lançamento tomando por base de cálculo o valor de R$ 196.112,00 (cento e noventa e seis mil cento e doze reais), recalculando o IPTU, inclusive aplicando nova alíquota, e emitindo o respectivo DAM (Documento de Arrecadação Municipal), o qual o contribuinte está pagando em dia. Além disso, instaurou o processo administrativo nº 33131/2014 a fim de verificar possível diferença de recolhimento do tributo, o qual ainda aguarda julgamento. Esse comportamento deve ser repetido também para apuração do valor venal para fins de lançamento do ITIV.”, razão pela qual pugna pela reforma do julgado.
Entende o apelante que “[...] a) atualmente, a base de cálculo do ITIV é definida por ato do Poder Executivo que criou uma base de dados mediante pesquisas e amostragens para definir o valor de cada imóvel, o que fere o princípio da legalidade; b) o valor venal é atualizado constantemente, através de critérios subjetivos, quais sejam, pesquisas e amostragens, o que representa aumento do tributo pela Administração Pública sem lei que autorize, já que a atualização não se trata de mera correção monetária da base de cálculo; c) o contribuinte só saberá o valor venal atualizado no momento da transação, o que fere o princípio da anterioridade; d) a Municipalidade subverteu a ordem prevista no art. 148 do CTN, ou seja, o contribuinte não pode mais declarar o valor transação para que esta sirva de base de cálculo do tributo e só então caso a Administração não concorde, seja arbitrado novo valor mediante processo administrativo; e) Não há no Município de Salvador lei em sentido estrito que defina o cálculo do valor venal atualizado para efeitos exclusivos de cálculo do ITIV, sendo defeso à Administração fazê-lo mediante decreto; f) E, por fim, ante a ausência de um instrumento jurídico válido (lei) que defina parâmetros gerais e abstratos para permitir o Fisco calcular o valor venal atualizado especificamente para o ITIV, deve a base de cálculo do tributo ser o valor venal descrito na legislação para lançamento do IPTU por ser a única hipótese prevista na lei; g) A Impetrante no exercício de 2014 impugnou o valor venal para efeitos de lançamento do IPTU, declarando que o valor de mercado seu imóvel corresponde a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), o que levou a Administração Pública a efetuar novo lançamento utilizando-se como base de cálculo o valor de R$ 196.112,00, devendo o mesmo procedimento ser utilizado para o lançamento do ITIV.”
Por fim, requer o provimento do apelo, com a reforma do julgado vergastado e a consequente concessão da segurança vindicada.
Devidamente intimado, o apelado não ofertou contrarrazões, conforme certidão de ID. 41547865.
Nesta instância, os autos foram distribuídos, por sorteio, cabendo-me o encargo de relator.
Desta feita, com fulcro no art. 931 do CPC/2015, restituo os autos, com o presente relatório, à Secretaria da Quinta Câmara Cível, para inclusão em pauta de julgamento, oportunidade na qual será facultada às partes a sustentação oral, na forma prevista no art. 937, do CPC/2015.
Salvador, 25 de Julho de 2023.
Des. JÓSÉ CÍCERO LANDIN NETO
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0534882-25.2014.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | ||
APELANTE: M J CONSTRUCOES LOCACAO E SERVICOS LTDA - ME | ||
Advogado(s): ANGELA VENTIM LEMOS | ||
APELADO: MUNICIPIO DE SALVADOR | ||
Advogado(s): |
VOTO |
Presentes se encontram os pressupostos de admissibilidade do recurso em questão.
Insta de logo salientar que as razões deduzidas pelo apelante, voltam-se contra a sentença de origem, por meio da qual o MM Juízo a quo denegou a segurança vindicada e extinguiu o feito com resolução de mérito.
Razões do apelo, pugnando pela reforma do julgado e consequente concessão da segurança perseguida.
A questão posta para acertamento diz respeito ao caráter progressivo do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – ITIV/ITBI, estatuído no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador, no qual consta a previsão da alíquota de 1% (um por cento) para as transmissões de imóveis populares, bem como a alíquota de 3% (três por cento) para as demais, situação que o impetrante reputa inconstitucional, com base no quanto consta no texto da Súmula 656 do STF.
Compulsando os autos, forçoso concluir não merecer retoques o julgado vergastado, neste particular.
A priori, cumpre de logo ressaltar que o ITIV/ITBI é o imposto previsto no art. 156, inciso II, da Carta Magna, cujo fato gerador é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia. É cediço que sua base de cálculo é o valor venal do imóvel, bem como que as alíquotas do referido imposto são fixadas por lei ordinária municipal, sem quaisquer limitações.
Note-se que o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento de acordo com o qual o ITIV, por se tratar de imposto real, bem como à vista da ausência de autorização constitucional, não pode ser progressivo, sendo vedada a graduação das alíquotas com base na presunção da maior capacidade contributiva a partir do valor venal do imóvel adquirido, visto que, se assim se permitisse, estar-se-ia conferindo uma personalização ilegítima, conforme o quanto posto no RE 234.105-3/SP, senão vejamos o texto da Súmula 656 do STF, in verbis:
“É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”.
Insta salientar que a suposta progressividade do imposto, de acordo com as alegações do apelante/impetrante, decorre do quanto consta no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador, senão vejamos:
Art. 118. Apurada a base de cálculo, o imposto será calculado mediante aplicação das seguintes alíquotas:
I - 1,0% (um por cento) para as transmissões de imóveis populares, conforme disposto em regulamento;
II - 3,0% (três por cento) nas demais transmissões
Todavia, da simples leitura do dispositivo legal supratranscrito, fácil vislumbrar que a alíquota de 3% (três por cento) fora estipulada para as operações de transmissão de imóveis em geral, enquanto que a alíquota de 1% (um por cento) foi fixada exclusivamente para a aquisição de imóveis populares, desde que atendidos os requisitos cumulativos previstos no Decreto Municipal de nº 24.058/2013, abaixo mencionado:
Art. 8º, Parágrafo Único - Para efeito do enquadramento como imóvel popular de que trata o inciso I do caput, a unidade habitacional deverá satisfazer, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - ser destinada à residência;
II - ter área construída privativa limitada a 39,56 m² (trinta e nove, cinquenta e seis metros quadrados);
III - ter valor venal atualizado de até R$ 44.996,73 (quarenta e quatro mil, novecentos e noventa e seis reais e setenta e três centavos).
Deste modo, não há que se falar em progressividade de alíquotas, atreladas ao valor venal do imóvel ou à capacidade contributiva do contribuinte, como quer fazer acreditar o recorrente, mas tão somente a concessão de um benefício, com o escopo de facilitar a aquisição de moradia popular, o que acaba por afastar a hipótese contida na Súmula 656, do STF.
Assim sendo, forçoso concluir não haver qualquer inconstitucionalidade no regramento contido no art. 118, do Código Tributário do Município de Salvador, até porque não se trata de um regime com finalidade arrecadatória, mas de desoneração parcial das transações que envolvem a aquisição de imóveis populares.
Impende ressaltar que a referida progressividade, caracteriza-se pelo cálculo do tributo com base em índices que aumentam ou diminuem, gradualmente, segundo critérios relacionados à capacidade econômica do contribuinte, o que não ocorre no caso sob comento. Veja-se entendimento adotado pelo STF em situação semelhante à dos autos:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITBI. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS CONFORME A FORMA DE AQUISIÇÃO DOS BENS IMÓVEIS. LEI COMPLEMENTAR 197/1989 DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE-RS. VALIDADE. AGRAVO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. APLICAÇÃO DE SUCUMBÊNCIA RECURSAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. ( RE 917845 AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-096 DIVULG 08-05-2017 PUBLIC 09-05-2017)
EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. ITBI. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS PARA IMÓVEL FINANCIADO. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 30.4.2013. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido. (RE 768436 AgR, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 24/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 09-03-2015 PUBLIC 10-03-2015)
Ademais, veja-se o teor das decisões monocráticas prolatadas pelos Eminentes Ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski nos Recursos Extraordinários n.º 917845 e n.º 728855/RS, respectivamente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITBI. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS CONFORME A FORMA DE AQUISIÇÃO DOS BENS IMÓVEIS. LEI COMPLEMENTAR 197/1989 DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE-RS. VALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão que assentou, verbis: “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ITBI. BENEFÍCIO FISCAL X PROGRESSIVIDADE. Não há progressividade na Lei Municipal 197/89, de Porto Alegre, no que diz com a forma de tributação referente ao ITBI, inexistindo portanto ofensa á Súmula 656 do Supremo Tribunal Federal. Há, isso sim, benefício fiscal - isenção parcial em caráter individual. A lei não diferencia as alíquotas em razão da base de cálculo (valor venal do imóvel), mas em razão de uma situação específica: a forma de aquisição do imóvel. Cuida-se de benefício fiscal cujo intento é fomentar a política governamental de habitação. Precedentes. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”
Os embargos de declaração opostos foram desprovidos. Nas razões do apelo extremo, a parte recorrente sustentou preliminar de repercussão geral e, no mérito, apontou violação aos artigos 5º, caput; e 145, § 1º, da Constituição Federal.
É o relatório. DECIDO.
O recurso não merece prosperar.
A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do RE 768.436-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 10/3/2015, assentou a validade da adoção de alíquotas diferenciadas do ITBI conforme a forma de aquisição dos bens imóveis . Confira-se a ementa do referido julgado: “DIREITO TRIBUTÁRIO. ITBI. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS PARA IMÓVEL FINANCIADO. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 30.4.2013.
O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.
As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.” No mesmo sentido: RE 728.855, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 22/4/2013. Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. Ex positis, DESPROVEJO o recurso, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Brasília, 10 de fevereiro de 2017. Ministro LUIZ FUX Relator Documento assinado digitalmente (RE 917845, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 10/02/2017, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 14/02/2017 PUBLIC 15/02/2017)
“[...]
Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado: “ITBI. ALÍQUOTA SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. PROGRESSIVIDADE. Na aquisição de bens com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, é constitucional a lei do ITBI que fixa alíquotas distintas para a parte financiada (0,5%) e o valor restante (3%). Trata-se de critério que não encerra progressividade. Art. 145, § 1º, e 156, I, § 2º, da CR. Art. 156, inciso I, da Lei Complementar nº 197/89 do Município de Porto Alegre. Recurso desprovido” (fl. 192).
Neste RE, fundado no art. 102, III, a e c, da Constituição, alegou-se, em suma, a inconstitucionalidade da cobrança de ITBI com base em alíquotas diferenciadas.
A pretensão recursal não merece acolhida. É que no caso dos autos não verifico qualquer graduação de alíquotas do ITBI que estaria vedada pela constituição, conforme se pode observar pelo dispositivo legal impugnado:
“Art. 16 - A alíquota do imposto é: I – Nos financiamentos com recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), exclusivamente no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, nos demais programas governamentais de habitação e nos financiamentos diretos feitos com empresas construtoras ou incorporadoras com prazo mínimo de 5 (cinco) anos. a) sobre o valor efetivamente financiado: 0,5%; b) sobre o valor restante: 3%. § 1º - No caso de financiamento direto, deverá o comprador comprovar ser o único imóvel no Município e destinado à residência própria. § 2º - Os valores de financiamento direto, previsto no 'caput' do inciso I, ficam restritos aos mesmos valores limites para financiamentos pelo Sistema Financeiro de Habitação. II – nas demais transmissões: 3% (três por cento)”.
Com efeito, conforme reconhecido no próprio acórdão recorrido, a Lei Complementar Municipal 197/1989 estabeleceu alíquota única de 3% para o ITBI e um benefício fiscal consistente na redução da alíquota do imposto para 0,5%, a ser aplicada sobre a parcela financiada em certos casos de financiamentos imobiliários residenciais.
Assim, não há que se falar em progressividade de alíquotas na forma reconhecida na constituição, uma vez que essa só se manifesta a partir da previsão de várias alíquotas graduadas segundo critérios relacionados com a capacidade econômica do contribuinte. Isso posto, nego seguimento ao recurso (CPC, art. 557, caput).
Publique-se. Brasília, 16 de abril de 2013. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Relator - (RE 728855, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 16/04/2013, publicado em DJe-074 DIVULG 19/04/2013 PUBLIC 22/04/2013)
À vista do quanto exposto, conclui-se que a legislação municipal impugnada não traz hipótese de progressividade da alíquota em razão do valor de venda do imóvel, pois que, em verdade, afigura-se como um benefício de caráter social, concedido nos casos previstos legalmente, com intuito tão somente de facilitar a aquisição de imóveis residenciais pela população de baixa renda, de forma a garantir o direito fundamental à moradia, razão pela qual acertada a decisão proferida pelo Magistrado a quo, neste particular.
No que pertine à base de cálculo do ITIV, cumpre de logo salientar que, conforme o quanto estatuído no inciso II, do art. 156, da Constituição Federal, foi atribuída ao Município a competência para instituir o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que tem como fato gerador a “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”, previsão igualmente contida no art. 35 do CTN.
Em sendo assim, não pode o Município pretender adotar um valor venal para o cálculo do IPTU e outro, mais elevado, para cálculo do ITIV, pois que tal discrepância afronta o princípio da estrita legalidade, já que o IPTU e o ITIV possuem, como base de cálculo, o valor venal do imóvel e o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, respectivamente, de acordo com o disposto nos arts. 33 e 38, ambos do CTN.
Nas lições de Kiyoshi Harada, o tema aparece com o mesmo entendimento ora adotado, no sentido de que “De fato, a legislação do IPTU dispõe de critério objetivo para apuração do valor venal, bem como de mecanismo para manter atualizado esse valor apurado em 1º de janeiro de cada exercício. Nada justifica apuração de outro valor venal para o mesmo imóvel, só para efeito de ITBI. A própria legislação estadual para cobrança do imposto sobre transmissão causa mortis determina a utilização da base de cálculo do IPTU ou do ITR, conforme se trate, respectivamente, de imóvel urbano ou rural, ressalvado aos interessados o direito de requererem avaliação judicial (art. 15 da Lei nº 9.591, de 30-12-66).” (Direito Tributário Municipal, 2ª edição, São Paulo: Atlas, p. 96).
Desta forma, reputa-se inviável que o mesmo imóvel apresente valores venais diferentes como base de cálculo para o IPTU e o ITIV, motivo porque merece retoques o julgado hostilizado neste item.
Todavia, no caso da Municipalidade não aceitar o valor livremente fixado pelas partes, poderá arbitrar o valor mediante instauração de procedimento previsto no art. 148 do CTN, desde que assegurado ao sujeito passivo o contraditório e o devido processo legal, como bem leciona Zuudi Sakakihara, nos comentários feitos ao art. 148 do CTN, in verbis: “Não merecendo fé as informações e os documentos apresentados pelo sujeito passivo, a Fazenda Pública, se quiser recorrer ao arbitramento da base de cálculo, deverá realizar uma série de atos orientados no sentido de levantar dados e elementos, concretos e verdadeiros, que conduzam de forma lógica e racional à verdade que quer demonstrar e permitam, assim, um regular arbitramento.” (Código Tributário Nacional Comentado, 6ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 749).
Nada impede, portanto, que o Fisco proceda ao lançamento de ofício do ITIV, nos casos de não recolhimento do valor devido ou recolhimento feito a menor, observando-se o quanto consta na legislação pátria aplicável à espécie.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, tão somente para reformar a sentença no que pertine à base de cálculo do ITIV, devendo-se considerar, para tanto, o valor venal utilizado para cálculo do IPTU, ou mesmo o valor da transação, se este for superior àquele. Por fim, em face da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85, § 2º, e 86, caput, do CPC/2015, cada parte arcará com 50% (cinquenta por cento) das despesas processuais, estando a municipalidade isenta por força de lei, bem como com o pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, os quais restam fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do proveito econômico, sendo vedada a compensação dos honorários advocatícios, à luz do contido no § 14, do artigo 85, do novo CPC.
Salvador, de de 2023.
Datado eletronicamente
Des. JÓSÉ CÍCERO LANDIN NETO
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