PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Criminal CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA. 3ª VARA CRIMINAL, CUMULATIVAMENTE ESPECIALIZADA EM CRIMES CONTRA OS IDOSOS EM FACE DA VARA ESPECIALIZADA EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CRIMES DE AMEAÇA E LESÃO CORPORAL CONTRA A MULHER, NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 147, §1º, E ART. 129, §13º, AMBOS DO CPB, C/C, ART. 7º DA LEI Nº 11.340/06. CONDUTAS PERPETRADAS CONTRA TRÊS VÍTIMAS DO GÊNERO FEMININO, SENDO APENAS UMA DELAS IDOSA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONFIGURADA NO ÂMBITO FAMILIAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. ART. 5º, II, C/C ART. 7º, INCISOS I E II, AMBOS DA LEI Nº 11.340/2006 E ART. 71, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA BAHIA. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA/BA. 1 – Trata-se de Conflito negativo de competência suscitado nos autos da ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080, pela Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal, em face da Decisão interlocutória proferida pelo Juiz de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ambos da comarca de Feira de Santana. A celeuma cinge-se ao processamento da ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080 referente à prática das condutas insertas no art. 147, §1º, e art. 129, §13º, ambos do CPB, c/c, art. 7º da Lei nº 11.340/06, sendo que o Juiz de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana entendeu que “No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade”, tendo declinado da competência e determinado a remessa dos autos à 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana/BA, nos termos do parágrafo único, do art. 131, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia. A Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, por sua vez, entendeu que “há indícios de que as ameaças e agressões verbais supostamente praticadas contra a ofendida, foram praticadas no interior de sua residencia, relação íntima de afeto, no ambiente familiar (art. 5°, I, II e III, da Lei 11.340/2006), na qual o agressor é filho da vítima e não há nada nos autos que indique que foi cometido alguns dos crimes previstos no Estatuto do Idoso”, e, por tal razão, suscitou o presente Conflito Negativo de Competência. 2 – Inicialmente, cumpre sinalizar que, conforme relatado, no dia dos fatos o ora denunciado adentrou em um imóvel, onde estavam sua cunhada, sua irmã e sua genitora, e proferiu ameaças em relação a todas elas, declarando que “a casa parecia um puteiro velho de putas; que iria cortar todo mundo no facão”. Após ele ter realizada a ameaça supra, que foi direcionada às três mulheres de sua família, o réu passou a ofender a sua cunhada, adjetivando a mesma de “puta, vagabunda e cachorra”, razão pela qual a sua irmã tentou interceder em favor de sua cunhada, e, por conta disto, sofreu agressões físicas por parte do seu irmão, que “lhe jogou no chão, enforcou e desferiu chutes”, sendo ainda mencionado por esta ofendida que o agressor também teria empurrado a genitora de ambos. Destarte, conforme pode ser inferido da exordial acusatória, sequer foi consignado na denúncia o relato da agressão supostamente sofrido pela genitora do indiciado, que seria maior de 70 anos de idade, limitando-se o órgão acusatório a apontar, na condição de vítimas, as pessoas de A.D.J.M.S. e de L.G.L., que são, respectivamente, irmã e cunhada do acusado. 3. Nota-se que a conduta do ora denunciado tinha como mote causar dano emocional e diminuição da autoestima, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, insulto e ridicularização, de todas as integrantes de sua família que eram do gênero feminino, tendo ainda ofendido a integridade corporal daquelas que ofereciam qualquer resistência às suas ações. E tais elementos estão previstos no art. 5º, II, c/c art. 7º, incisos I e II, ambos da Lei nº 11.340/2006. 4. Embora 1 (uma) das vítimas (que sequer foi elencada na denúncia) conte com mais de 70 anos, não se pode deduzir que a violência perpetrada fulcrou-se na idade desta, uma vez que foram 3 (três) as mulheres ofendidas, sendo que todas elas foram igualmente chamadas de “putas”, circunstância esta a demonstrar que os crimes perpetrados ocorreram por razões da condição do sexo feminino, não guardando qualquer relação com a idade de 1 (uma) das 3 (três) vítimas. 5. Sabe-se, que, em se tratando de crime praticado contra a mulher, baseada no gênero, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação, o seu processamento e julgamento não é da competência do Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana e sim do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da mesma Comarca, nos termos da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia, em seu art. 71. 6. Ressalta-se que “a amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção". (STJ. REsp n. 1.496.030/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/10/2015, DJe de 19/10/2015.) Por outro lado, embora exista apenas uma Vara neste Tribunal com competência especializada em crimes contra idosos, ainda que cumulada com a competência comum, qual seja a 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, nos termos do parágrafo único, do art. 131, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, a conduta descrita na ação penal em apreço não se subsume a nenhuma das hipóteses elencadas nos artigos 95 a 114, da Lei nº 10.741/2003, que tratam dos crimes e contravenções contra os idosos. Veja-se que “o subsistema inerente à Lei Maria da Penha impõe do intérprete e aplicador do Direito um olhar diferenciado para a problemática da violência doméstica, com a perspectiva de que todo o complexo normativo ali positivado tem como mira a proteção da mulher vítima de violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto, como corolário do mandamento inscrito no art. 226, § 8º da Constituição da República" (RHC n. 74.395/MG, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 18/02/2020, DJe 21/02/2020). 7. Por todo o exposto, julga-se PROCEDENTE O CONFLITO, declarando-se competente a Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Feira de Santana, Juízo Suscitado, para processar e julgar a denúncia ofertada nos autos sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080. A C Ó R D Ã O VISTOS, relatados e discutidos estes autos de CONFLITO DE COMPETÊNCIA nº 8060973-27.2024.8.05.0000, da Comarca de Feira de Santana - BA, sendo Suscitante o JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA – BA e Suscitado o JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA – BA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade de votos, em CONHECER e julgar PROCEDENTE o Conflito de Competência, para reconhecer a competência do JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA – BA para processar e julgar a ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 8060973-27.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Criminal
SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
ACORDÃO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
SEÇÃO CRIMINAL
DECISÃO PROCLAMADA |
Procedente Por Unanimidade
Salvador, 4 de Dezembro de 2024.
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Criminal Trata-se de Conflito negativo de competência suscitado nos autos da ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080, às fls. 18/25 do ID 70559259, pela Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal, em face da Decisão interlocutória (fls. 10/17 do ID 70559259) proferida pelo Juiz de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ambos da comarca de Feira de Santana. A celeuma cinge-se ao processamento da ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080 referente à prática das condutas insertas no art. 147, §1º, e art. 129, §13º, ambos do CPB, c/c, art. 7º da Lei nº 11.340/06, sendo que o Juiz de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana entendeu que “No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade”, tendo declinado da competência e determinado a remessa dos autos à 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana/BA, nos termos do parágrafo único, do art. 131, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia. A Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, por sua vez, entendeu que “há indícios de que as ameaças e agressões verbais supostamente praticadas contra a ofendida, foram praticadas no interior de sua residencia, relação íntima de afeto, no ambiente familiar (art. 5°, I, II e III, da Lei 11.340/2006), na qual o agressor é filho da vítima e não há nada nos autos que indique que foi cometido alguns dos crimes previstos no Estatuto do Idoso”, e, por tal razão, suscitou o presente Conflito Negativo de Competência. Os autos da ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080, objeto do presente conflito, versam, conforme termos da denúncia, sobre os seguintes fatos: ”Extrai-se dos autos que, no dia 10 de dezembro de 2023, por volta das 22h00min, na residência localizada na Rua Praça da Matriz, Distrito de Jaíba, nº 22, casa ao lado do cemitério, nesta cidade, o denunciado, livre e voluntariamente, ofendeu a integridade física e ameaçou de causar mal injusto e grave a sua irmã, A.J.M.S., em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nas condições de tempo e lugar acima descritas, o denunciado se dirigiu até a casa da sua genitora sob efeito de bebida alcóolica e disse “que entrou para acabar com tudo, que não tinha arma, mas tinha um facão velho que cortava todo mundo e que a casa parecia um puteiro velho de puta; que iria cortar todo mundo no facão”. Ato contínuo, o denunciado xingou L.G.L., sua cunhada, de “puta, vagabunda e cachorra”, momento em que A.J.M.S. entrou no meio para separar e o denunciado lhe jogou no chão, enforcou e desferiu chutes. Conforme laudo de exame de lesões corporais (fl. 64), realizado às 16h35min do dia 11 de dezembro de 2023, restou evidenciada a presença de “Edema e escoriação em terceiro quirodáctilo direito e esquerdo”, decorrentes de ação “contundente”. Assim agindo, o denunciado incorreu nas condutas dos crimes de lesão corporal e ameaça, tipificados nos artigos 129 § 13 (c/c art. 121, § 2º-A, I), e 147, todos do CP, em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, na forma do inciso III do art. 5º e dos incisos I e II do art. 7º, ambos da Lei 11.340/06; motivo por que o MINISTÉRIO PÚBLICO postula o recebimento desta peça acusatória e a citação de Andre de Jesus Mendes, para apresentar resposta por escrito, com base no art. 396-A do Código de Processo Penal, a fim de ser processado nos termos da imputação deduzida e, posteriormente, condenado, oportunidade em que pede, desde já, a fixação de indenização à vítima da infração, por danos morais, conforme prescreve o inciso IV do art. 387 do CPP”. Oferecida a denúncia, o feito foi inicialmente distribuído para a Vara de Violência Doméstica Fam Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana – BA. Remetidos os autos à Magistrada Suscitada, esta suscitou o presente conflito negativo de competência. O presente feito foi distribuído, por sorteio, ao Eminente Des. Luiz Fernando Lima (ID 70559351) e os autos vieram-me conclusos, nos termos do art. 39, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. Embora requisitadas informações ao Juízo Suscitado (ID 70633379), foi certificado no ID 71874210 o decurso do prazo sem manifestação. A douta Procuradora de Justiça Maria de Fátima Campos da Cunha manifestou-se “pela PROCEDÊNCIA DO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA, para que seja determinada a remessa dos autos ao J UÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA/ BA, Juízo Suscitado, fixando sua competência para apreciação da causa originária”. (ID 72520188). Examinados, tratando-se de feito que independe de revisão, determinei a inclusão em pauta para julgamento. É o relatório. Salvador – BA, documento datado e assinado eletronicamente. Álvaro Marques de Freitas Filho Juiz Substituto de 2º Grau/Relator A04-DB
Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 8060973-27.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Criminal
SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
RELATÓRIO
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Criminal Trata-se, como anteriormente relatado, de Conflito Negativo de Competência, envolvendo denúncia na qual o réu é acusado de perpetrar os crimes de ameaça contra a mulher por razões da condição do sexo feminino (art. 147, §1º, do Código Penal), de lesão corporal contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino (art. 129, §13, do Código Penal), em face de sua cunhada, pessoa idosa, em razão do seu inconformismo com a ultimação do divórcio. Destaca-se, de logo, que o respectivo Inquérito Policial não foi anexado ao presente Conflito, bem como que o Ministério Público ofereceu a denúncia desacompanhada dos autos do inquérito policial, sendo que, embora seja acessível, no Sistema PJE de 1º grau, o processo referência sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080, mesma sorte não é observada quanto aos autos do Inquérito Policial sob nº 8015194-03.2024.8.05.0080, que tramita sob segredo de justiça. Por outro lado, considerando que a Procuradoria de Justiça colacionou trechos extraídos do correspondente Inquérito Policial, transcrevo-os: "Examinando-se os fatos do caso em análise, observa-se que a Sra. Amália de Jesus Mendes, vítima e genitora do denunciado, declarou em sede inquisitorial, de forma sucinta, possuir 70 (setenta) anos de idade. Em seu relato, informou que, na data de 10 de dezembro de 2023, aproximadamente às 22h, André de Jesus Mendes adentrou sua residência sob visível efeito de substâncias alcoólicas, provocando danos materiais ao portão e proferindo ameaças de "acabar com tudo, destruir tudo". A vítima esclareceu, ainda, que o acusado afirmou não estar armado, mas mencionou dispor de um "facão velho" com o qual poderia executar sua ameaça. Na sequência, o denunciado proferiu ofensas de baixo calão dirigidas à sua cunhada, Sra. Laís Gonçalves Lima, também vítima, e, em ato de violência física, empurrou sua irmã, Adenildes de Jesus Mendes Serafim, pessoa portadora de deficiência nas pernas, que, em virtude dessa condição, foi lançada ao chão. Ato contínuo, em sede de depoimento inquisitorial, a Sra. Laís Gonçalves Lima narrou que o acusado ameaçou "destruir tudo e cortar as putas no facão", o que lhe gerou sentimento de intimidação e ofensa à sua dignidade moral, consolidando, assim, o temor pelos atos e pela violência verbal praticada. Finalmente, a vítima Sra. Adenildes de Jesus Mendes Serafim, irmã do denunciado, declarou que o acusado possui histórico de problemas com o consumo de álcool, o que contribuiu para que o incidente narrado se desenrolasse enquanto ele se encontrava sob efeito de bebidas alcoólicas. No relato apresentado em sede inquisitorial, Adenildes afirmou que, ao tentar intervir para interromper uma altercação entre o acusado e a Sra. Laís Gonçalves Lima — a qual fora empurrada pelo acusado, acabou sendo lançada ao solo. Em ato contínuo, o denunciado a imobilizou, pressionando seu pescoço e desferindo-lhe chutes. Ademais, Adenildes mencionou que o denunciado também empurrou a Sra. Amália de Jesus Mendes, sua própria mãe e genitora do acusado, reforçando o clima de hostilidade e agressividade presente no evento. Consoante o Laudo de Exame de Lesões Corporais anexado aos autos (Id. 449284798, Pág. 64 do processo originário), relacionado à Sra. Adenildes, constatou-se a existência de ‘edema e escoriação em terceiro quirodáctilo direito e esquerdo’, evidências físicas que corroboram a materialidade das agressões perpetradas. É importante frisar que as três vítimas rogaram por medidas protetivas de urgência.” Inicialmente, cumpre sinalizar que, conforme relatado, no dia dos fatos o ora denunciado adentrou em um imóvel, onde estavam sua cunhada, sua irmã e sua genitora, e proferiu ameaças em relação a todas elas, declarando que “a casa parecia um puteiro velho de putas; que iria cortar todo mundo no facão”. Após ele ter realizada a ameaça supra, que foi direcionada às três mulheres de sua família, o réu passou a ofender a sua cunhada, adjetivando a mesma de “puta, vagabunda e cachorra”, razão pela qual a sua irmã tentou interceder em favor de sua cunhada, e, por conta disto, sofreu agressões físicas por parte do seu irmão, que “lhe jogou no chão, enforcou e desferiu chutes”, sendo ainda mencionado por esta ofendida que o agressor também teria empurrado a genitora de ambos. Destarte, conforme pode ser inferido da exordial acusatória, sequer foi consignado na denúncia o relato da agressão supostamente sofrido pela genitora do indiciado, que seria maior de 70 anos de idade, limitando-se o órgão acusatório a apontar, na condição de vítimas, as pessoas de A.D.J.M.S. e de L.G.L., que são, respectivamente, irmã e cunhada do acusado. Nota-se que a conduta do ora denunciado tinha como mote causar dano emocional e diminuição da autoestima, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, insulto e ridicularização, de todas as integrantes de sua família que eram do gênero feminino, tendo ainda ofendido a integridade corporal daquelas que ofereciam qualquer resistência às suas ações. E tais elementos estão previstos no art. 5º, II, c/c art. 7º, incisos I e II, ambos da Lei nº 11.340/2006. Embora 1 (uma) das vítimas (que sequer foi elencada na denúncia) conte com mais de 70 anos, não se pode deduzir que a violência perpetrada fulcrou-se na idade desta, uma vez que foram 3 (três) as mulheres ofendidas, sendo que todas elas foram igualmente chamadas de “putas”, circunstância esta a demonstrar que os crimes perpetrados ocorreram por razões da condição do sexo feminino, não guardando qualquer relação com a idade de 1 (uma) das 3 (três) vítimas. Sabe-se, que, em se tratando de crime praticado contra a mulher, baseada no gênero, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação, o seu processamento e julgamento não é da competência do Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana e sim do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da mesma Comarca, nos termos da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia, em seu art. 71, in verbis: Art. 71 - As Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher têm competência para processamento, julgamento e execução das causas cíveis e criminais, decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, na conformidade da Lei Federal nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Ressalta-se que “a amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção". (STJ. REsp n. 1.496.030/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/10/2015, DJe de 19/10/2015.) Por outro lado, embora exista apenas uma Vara neste Tribunal com competência especializada em crimes contra idosos, ainda que cumulada com a competência comum, qual seja a 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, nos termos do parágrafo único, do art. 131, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, a conduta descrita na ação penal em apreço não se subsume a nenhuma das hipóteses elencadas nos artigos 95 a 114, da Lei nº 10.741/2003, que tratam dos crimes e contravenções contra os idosos. Veja-se que “o subsistema inerente à Lei Maria da Penha impõe do intérprete e aplicador do Direito um olhar diferenciado para a problemática da violência doméstica, com a perspectiva de que todo o complexo normativo ali positivado tem como mira a proteção da mulher vítima de violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto, como corolário do mandamento inscrito no art. 226, § 8º da Constituição da República" (RHC n. 74.395/MG, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 18/02/2020, DJe 21/02/2020). Ainda acerca do tema, destacam-se os arestos do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO PRATICADO POR IRMÃO CONTRA IRMÃ. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na presente hipótese, o Tribunal goiano, em julgamento de conflito de competência, rechaçou a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como a incidência da Lei Maria da Penha, sob o fundamento de que não teria sido constatada relação de dominação ou poder do acusado sobre a vítima, o que afastaria, por conseguinte, a motivação de gênero na ação delituosa. 2. Na decisão monocrática ora agravada, consignei estar-se diante de uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, praticada por irmão contra irmã. Com efeito, consoante destaquei dos termos do acórdão recorrido, "o acusado, segundo as declarações da ofendida, atacou-a pelas costas com socos, enquanto ela lavava louça e, depois, apossou-se de uma faca com a intenção de feri-la com o instrumento". 3. Em que pese o entendimento do Tribunal a quo, a orientação mais condizente com o espírito protetivo da Lei n. 11.340/2006, que restou evidenciada pela inovação legislativa promovida pela Lei n. 14.550/2023 e abraçada pelos precedentes mais recentes desta Corte, é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º (no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto). 4. Nesse sentido, o novel art. 40-A da Lei Maria da Penha passou a prever que o diploma protetivo será aplicado "a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida". 5. Na mesma toada, "[o] Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir" (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022). 6. Assim, denota-se existir situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a ser apurada no presente caso, apta a justificar a incidência do diploma protetivo pertinente e da competência da vara especializada, nos termos do art. 5º, I e II, da Lei n. 11.340/2006. Mantida, pois, a decisão agravada que, dando provimento ao recurso especial ministerial, determinou a observância da competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Aparecida de Goiânia/GO para processar e julgar o feito. 7. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no REsp n. 2.080.317/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024.) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 129, § 9.º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PRATICADO CONTRA CUNHADA DO RÉU. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO II, DA LEI N.º 11.340/06. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. 2. Na espécie, apurou-se que a Vítima, irmã da companheira do Acusado, vivendo há mais de um ano com o casal sob o mesmo teto, foi agredida por ele. 3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n.º 11.343/06, tendo em vista a ocorrência de ação baseada no gênero causadora de sofrimento físico no âmbito da família, nos termos expressos do art. 5.º, inciso II, da mencionada legislação. 4. "Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha) [...]" (HC 115.857/MG, 6.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA (Desembargadora Convocada do TJ/MG), DJe de 02/02/2009). 5. Ordem denegada. (STJ. HC n. 172.634/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 6/3/2012, DJe de 19/3/2012.) AGRAVO REGIMENTAL E PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. NOTÍCIA CRIME OFERTADA CONTRA DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO E PROCURADOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APOSENTADO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. FUMUS BONI IURI E PERICULUM IN MORA. LEI 11.340/2006. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. 1- Notícia crime oferecida por S. P. M. C. e M. T. P. M. C. contra J. D. P. M. C., Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e A. C., Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, atualmente aposentado, narrando que, conforme ocorrência policial, compareceram à Delegacia da Mulher para comunicar que foram vítimas de agressões físicas e psicológicas praticadas pelos requeridos. 2- O propósito recursal consiste em dizer se é hígida a decisão que deferiu, em desfavor dos requeridos, a aplicação de medidas protetivas de urgência, com lastro nas agressões físicas e psicológicas narradas na notícia crime. 3- É possível aferir a competência desta Corte Superior para analisar a presente demanda, máxime porque, como é competente para apreciar as medidas protetivas postuladas contra J. D. P. M. C., detentor de foro por prerrogativa de função, tal atribuição se estende, por conexão, ao agravante. 4- A Lei n. 11.340/2006 criou a possibilidade de que mulheres, sob violência doméstica de gênero, pudessem valer-se de medidas protetivas de urgência, as quais decorrem, em grande medida, do direito personalíssimo de autodeterminação existencial e do princípio de dignidade humana. 5- Na hipótese dos autos, depreende-se o fumus boni iuri do contexto inserido na notícia crime, em que as requerentes relacionam inúmeras agressões por elas sofridas, de cunho físico e moral, praticadas pelos requeridos, com a colação de documentos indiciários de prova. 6- Revela-se, ainda, a existência do periculum in mora, em virtude de a situação emergencial envolver a tutela da integridade física e mental, além de outros direitos da personalidade de superlativa importância, como o próprio direito à vida, cuja violação é perpetrada por pessoas que integram a unidade familiar. 7- O afastamento do lar, bem como a proibição de aproximação e de contato com as requerentes são medidas adequadas para assegurar a preservação dos respectivos direitos, somando-se a isso o fato de a requerente M. T. P. M. C. ser idosa, de modo que tal condição, acrescida da suposta existência de agressões físicas e verbais praticadas pelo requerido A. C. contra ela, justificam a manutenção do provimento cautelar. 8- Presume-se a necessidade de fixação de alimentos provisórios em favor da requerente M. T. P. M. C., em razão de sua avançada idade (90 anos), e as possibilidades financeiras de seu cônjuge, A. C., procurador de justiça aposentado. Nessas circunstâncias, até que as partes encaminhem os aspectos cíveis de seu divórcio e alimentos, é razoável manter-se a referida medida protetiva de urgência, nos termos do art. 22, V, da Lei 11.340/2006. 9- O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir. 10- Para a incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra: a) de ação ou omissão baseada no gênero; b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; tendo como consequência: c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial. Precedentes. 11- Na hipótese dos autos, não apenas a agressão ocorreu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pais e filhos, marido e mulher e entre irmãos, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei 11.340/2006. 12- As condutas descritas nos autos - a) bater a cabeça da vítima várias vezes contra a escada; b) xingar e agredir fisicamente a vítima após a descoberta de traição ao longo dos últimos 30 anos - são elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino. Demonstram, ainda, potencialmente, o modus operandi das agressões de gênero, a revelar o caráter especialíssimo do delito e a necessidade de imposição de medidas protetivas. 13- Junta-se a isso o argumento de os requeridos se utilizarem das funções para exercer domínio sobre as requerentes, que não conseguem, sequer, registrar um boletim de ocorrência na autoridade policial competente, com a narrativa completa dos fatos elencados. 14- A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. Precedente. 15- Agravo regimental e pedido de reconsideração não providos. (STJ. AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022.) Nestes termos, considerando que as condutas imputadas ao denunciado foram praticadas no contexto de violência familiar e em razão do gênero das vítimas, a competência para conhecer da denúncia recai sobre a Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Feira de Santana - BA. Diante disto, resta evidente que a definição da competência se resolve, com fulcro no art. art. 5º, II, c/c art. 7º, incisos I e II, ambos da Lei nº 11.340/2006, c/c art. 71, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, qual seja, o Juízo Suscitante. Diante do exposto, VOTO pelo CONHECIMENTO e PROCEDÊNCIA do conflito, declarando-se competente a Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Feira de Santana, Juízo Suscitante, para processar e julgar a ação penal sob nº 8024362-29.2024.8.05.0080. Sala das Sessões, data constante na certidão de julgamento. Álvaro Marques de Freitas Filho Juiz Substituto de 2º Grau/Relator A04-DB
Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 8060973-27.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Criminal
SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
VOTO