Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
SEGUNDA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Processo nº 0009946-30.2023.8.05.0113

Recorrente(s): MARIA DAS DORES DA SILVA

Recorrido(s): GOL LINHAS AEREAS S.A.

Origem: 1ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS - ITABUNA (VESP)

Juíza Relatora: MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE


E M E N T A



RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI e XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC). CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. CANCELAMENTO DO VOO EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19. APLICABILIDADE DO PRAZO QUINQUENAL DO CDC. INCIDÊNCIA DA LEI 14.034/2020. DIREITO AO RESSARCIMENTO INTEGRAL. PRAZO LEGAL PARA REEMBOLSO ADMINISTRATIVO ULTRAPASSADO. DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA PARA PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.




DECISÃO MONOCRÁTICA



Vistos, etc.

Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença de improcedência prolatada no processo epigrafado.

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço.

O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil. 

Requer a parte autora a condenação da acionada em danos materiais e morais, em virtude do cancelamento de voo no período de pandemia da Covid-19. Sustenta a negativa de reembolso. 

Compulsando os autos, entendo que a sentença merece reforma. Com efeito, no caso em tela, não há que se falar na incidência da prescrição trienal do Código Civil, como dispõe o juízo a quo, ou da prescrição bienal prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, como alegado pela acionada. 

De acordo com a jurisprudência pátria, em caso de cancelamento de voo nacional, como no caso dos autos, aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no CDC, se não vejamos:

RECURSO INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAL E MORAL. CANCELAMENTO DE VOO. PRESCRIÇÃO BIENAL. ART. 317, I, DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA. NÃO INCIDÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC. PROBLEMAS METEOROLÓGICOS. FORTUITO INTERNO. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE AUXÍLIO MATERIAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL DEVIDA. GASTO COM AQUISIÇÃO DE NOVA PASSAGEM AÉREA COMPROVADO. DANO MORAL EXISTENTE. ATRASO DE APROXIMADAMENTE 24 HORAS. PERDA DE COMPROMISSO PROFISSIONAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM PRIMEIRO GRAU MANTIDO. ADOÇÃO DO MÉTODO BIFÁSICO. PRECEDENTE DO STJ. QUANTUM DEFINIDO EM OBSERVÂNCIA AOS PARÂMETROS INDENIZATÓRIOS DA TURMA RECURSAL E ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-PR 00295676220218160182 Curitiba, Relator: Maurício Pereira Doutor, Data de Julgamento: 02/06/2023, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 07/06/2023)

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. DEFEITO DO SERVIÇO CARACTERIZADO. CANCELAMENTO DE VOO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. Tendo em vista que a relação jurídica existente entre as parte detém cunho consumerista, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, diploma que possui prevalência sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, é de 5 (cinco) anos o prazo prescricional aplicável na espécie, nos termos do art. 27 da referida legislação consumerista. Na hipótese, demonstrado o defeito do serviço prestado pela companhia aérea ré, tendo em vista o cancelamento do voo dos autores, o que culminou na chegada ao destino final (Porto Alegre) com considerável atraso. Por outro lado, não restou comprovada a culpa exclusiva dos autores pelo ocorrido, tendo em vista que a alegação de que estes não portariam os documentos necessários para o embarque de menor carece de plausibilidade e tampouco foi devidamente demonstrada nos autos. Danos morais caracterizados na espécie. Todavia, o quantum indenizatório arbitrado na sentença, de R$ 8.000,00 (oito mil reais) comporta redução para R$ 4.000,00 (quatro mil reais), corrigidos pelo IGP-M a partir desta data, montante que se mostra mais do que suficiente para reparar o dano, pois a chegada no destino - voo doméstico, diga-se de passagem - ocorreu com apenas cerca de dez horas de atraso. APELO PROVIDO EM PARTE, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 50550344120228210001, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Redator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em: 15-12-2022)

RESPONSABILIDADE CIVIL. Transporte aéreo nacional. Reconhecimento da ocorrência da prescrição trienal afastado, porque aplicável ao caso o prazo quinquenal ( CDC, 27). Decreto de prescrição revogado. Admissibilidade do julgamento das demais questões de mérito suscitadas na demanda ( CPC, 1.013, § 4º). Atraso do voo de Florianópolis a Campinas, por necessidade de manutenção da aeronave, o que gerou a perda do voo de conexão de Campinas a São Luís. Consideração de que o autor foi realocado em novo voo que realizou itinerário diverso do contratado, tendo o passageiro permanecido em terra [acompanhado de sua filha, à época dos fatos, com 01 ano e meio], sem a devida assistência da companhia aérea e chegado ao seu destino final com atraso de 13 horas e 40 minutos. Falta de informações adequadas e claras ao passageiro sobre o motivo de atraso do voo, bem assim de alternativas razoáveis de reacomodação, em afronta ao disposto na Resolução n. 400/2016 da ANAC (artigos 20 e 21). Excludente da força maior não caracterizada. Verificação de transtornos hábeis à configuração de danos morais indenizáveis. Responsabilidade da ré pelo defeito na prestação do serviço de transporte aéreo configurada (art. 14, CDC). Indenização arbitrada em R$ 5.000,00. Sentença de extinção do processo, com resolução do mérito, em razão da ocorrência da prescrição, reformada. Pedido inicial julgado parcialmente procedente. Recurso em parte provido. Dispositivo: deram parcial provimento ao recurso. (TJ-SP - AC: 11144668320208260100 SP 1114466-83.2020.8.26.0100, Relator: João Camillo de Almeida Prado Costa, Data de Julgamento: 26/08/2022, 19ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2022)

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – TRANSPORTE AÉREO – Voo nacional - Alegação de prescrição - Descabimento - Aplicação do Código de Defesa do Consumidor - Prazo quinquenal - Artigo 27, do Código de Defesa do Consumidor - Prescrição inocorrente - Recurso não provido. - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – TRANSPORTE AÉREO – Voo nacional - Cancelamento - Comprovação de assistência deficiente prestada pela companhia aérea – Prestação de serviço inadequada - Responsabilidade da Requerida – Danos morais caracterizados - Indenização devida – Manutenção do montante indenizatório - Danos materiais comprovados - Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10259248120198260114 SP 1025924-81.2019.8.26.0114, Relator: Mario de Oliveira, Data de Julgamento: 14/10/2020, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/10/2020)

Analisados os autos, observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, segundo os precedentes 0000489-87.2021.8.05.0001,  0000924-44.2021.8.05.0039 e 0153398-51.2020.8.05.0001.

Observe-se que, nas hipóteses de cancelamento de voo por conta da pandemia, ante a ocorrência de força maior, ou o que se denominou chamar de fortuito externo, inexiste dano moral a ser reconhecido, somente fazendo jus a parte autora ao reembolso integral do valor pago. 

Com efeito, a Lei nº 14.034/2020 promoveu alteração no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA - Lei nº 7.565/86), com a inclusão do art. 251-A, para estabelecer que a indenização por danos extrapatrimoniais está condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário da carga, bem como a ausência de responsabilidade do transportador aéreo por danos decorrentes dos cancelamentos e atrasos por motivo de caso fortuito ou força maior, seja em razão de condições meteorológicas desfavoráveis, indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária, determinação da autoridade aeronáutica e/ou decretação de pandemia e atos do Governo.

Em 31/12/2020, foi publicada a MP 1.024/2020 que prorrogou o prazo de vigência de medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19 até 31/10/2021, sendo devidamente sancionada pela Lei nº 14.174/2021 em 17/06/2021, prorrogando assim, o prazo de vigência constante na Lei nº 14.034/2020 para 31/12/2021.

O dano moral, por óbvio, não resulta do cancelamento, pois existente causa excludente de responsabilidade. Somente é possível o reconhecimento de dano moral, se houver prova, cujo ônus é da parte autora, demonstrando abuso ou negativa injustificada da empresa aérea na remarcação ou utilização da passagem, o que não é o caso dos autos.

Assim, no que tange aos danos extrapatrimoniais, não vislumbro no caso dos autos danos indenizáveis, mesmo porque a Lei 14.034/20 alterou a Lei 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), acrescentando o art. 251-A, o qual prevê que em caso de falha na prestação do serviço de transporte aéreo somente haverá indenização por danos morais se a pessoa lesada comprovar a ocorrência do prejuízo e sua extensão.

Ainda cumpre afirmar que a alegação de ocorrência de dano extrapatrimonial sob o argumento na ausência de restituição do valor das passagens, igualmente, não gera, por si só, o dano moral, como mencionado. O fato narrado não tem o condão de provar dano subjetivo indenizável, caracterizando apenas mero aborrecimento.

Desse modo, e constatado que a sentença não observou o entendimento  desta Turma Recursal, a mesma deve ser reformada. 

Diante do exposto, na forma do art. 15, inciso XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais e do art. 932 do Código de Processo Civil, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO interposto para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pleito autoral para condenar a acionada ao reembolso no valor de R$ 342,79 (trezentos e quarenta e dois reais e setenta e nove centavos), corrigido monetariamente pelo INPC a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ) e com juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Indefiro o pleito de indenização por danos morais, consoante fundamentação supra. 

Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios.



        

BELA. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE

Juíza Relatora