PROCESSO Nº 0093370-54.2019.8.05.0001
ÓRGÃO: 1ª TURMA RECURSAL DO SISTEMA DOS JUIZADOS
CLASSE: RECURSO INOMINADO
RECORRENTE: GERVASIO PIMENTEL E SOUZA
ADVOGADO: INGRA RODRIGUES ROCHA
RECORRIDO: CREFISA S A
ADVOGADO: MARCIO LOUZADA CARPENA
ORIGEM: 5ª VSJE DO CONSUMIDOR (MATUTINO)
RELATORA: JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS
JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. BANCO. REVISIONAL DE JUROS. MODALIDADE EMPRÉSTIMO PESSOAL NÃO CONSIGNADO. TAXA APLICADA SUPERIOR À MÉDIA DE MERCADO NO PERÍODO PARA AS OPERAÇÕES DA MESMA ESPÉCIE. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS INEXISTENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO ANULADA.
1. Observa-se no caso em tela que os contratos nº 060200105858, 060200110596, 060200108081 foram firmados em 06.03.2017, 08.08.2017, 25.05.2017 (extrato do contrato evento 07) e foram aplicadas taxas de juros de 987,22% a.a., 701,06% a.a., 1.074,38% a.a., enquanto que a taxa média de mercado de juros para operações de crédito pessoal não consignado no momento da contratação era de 135,03%a.a., 130,44%a.a., 132,64% a.a., respectivamente. Verifica-se, assim, a alegada abusividade, restando, consequentemente, deferida a revisão contratual.
2. A prescrição trienal (art. 206,§3, IV e V do CC) não restou configurada pois os descontos nos referidos contratos ocorreram em 03.04.2017, 01.09.2017 e 25.06.2017 respectivamente e a ação foi ajuizada em 13.06.2019. Sentença anulada.
3. Conforme o direito consumerista, todo contrato que estabelecer prestações desproporcionais, prejudiciais por onerosidade ou abusivas ao consumidor, sofrerá intervenção judicial, se postulada. A edição da Súmula 297 do STJ, reconhecendo a aplicação do CDC aos contratos bancários, foi um marco positivo para o controle da legalidade na prática de juros contratuais. Outro marco importante para as ações revisionais foi o julgamento improcedente da ADIN 2591, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro ¿ CONSIF ¿ que concluiu pelo CDC como disposição normativa a tutelar os interesses veiculados nas relações de crédito bancário
4. O princípio da lucratividade no sistema econômico intervencionista, como o brasileiro, mesmo diante de uma realidade de mudanças incontáveis de reformas constitucionais e de Medidas Provisórias, as quais, em sua maioria, ferem a Carta Magna, tem de ser exercido sem uso abusivo do direito de lucrar, com respeito à dignidade da pessoa humana, não se permitindo, aqui ou acolá, à iniciativa privada, escudar-se no livre exercício do comércio, porque esta liberdade encontra frenagem em outros princípios.
5. Nas relações comerciais atuais, em geral, o consumidor aceita ou não as condições impostas, sem a reflexão ordinária de conteúdo, na maioria das vezes aderindo contra seus próprios interesses. Daí o art. 4º, inciso I, do CDC, impor, como uma das regras cruciais da política de defesa do consumidor, o reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado de consumo.
6. Cabe, portanto, a revisão do contrato, se eivado pela imposição de obrigações desproporcionais, excessivas, situando o consumidor em desvantagem exagerada, tudo nos moldes do art. 51, inciso IV, do CDC.
7. Não há mais amparo legal à alegação de que a taxa máxima de juros é de 12% (doze por cento) ao ano, pois a EC 40/2003 revogou o contido no § 3º, do art. 192, da Carta Magna (Súmula 648/ STF). Por outro lado, diante da falta de comprovação da captação de recursos no mercado financeiro, a taxa média de mercado servirá de parâmetro para a fixação dos juros remuneratórios.
8. No que tange ao pedido de indenização por danos morais, o mesmo não prospera. A revisão contratual já está sendo deferida por este Juízo. Caso tenha ocorrido alguma situação capaz de gerar transtorno à vida da parte autora, a mesma não ultrapassa a linha do mero aborrecimento ou contratempo, que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normal na vida de qualquer um, pois não há elementos de prova suficientes ao acolhimento do pleito indenizatório formulado.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO PARA OPERAÇÕES DE EMPRÉSTIMO NÃO CONSIGNADO (135,03%a.a., 130,44%a.a., 132,64% a.a.). RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS A MAIOR. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO ANULADA.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto pela parte autora, contra a sentença que julgou extinto o processo com resolução do mérito, entendo pela prescrição da propositura da ação revisional de juros do contrato de empréstimo não consignado.
VOTO
A sentença proferida merece reforma.
Observa-se no caso em tela que os contratos nº 060200105858, 060200110596, 060200108081 foram firmados em 06.03.2017, 08.08.2017, 25.05.2017 (extrato do contrato evento 07) e foram aplicadas taxas de juros de 987,22% a.a., 701,06% a.a., 1.074,38% a.a., enquanto que a taxa média de mercado de juros para operações de crédito pessoal não consignado no momento da contratação era de 135,03%a.a., 130,44%a.a., 132,64% a.a., respectivamente. Verifica-se, assim, a alegada abusividade, restando, consequentemente, deferida a revisão contratual.
Da análise do mérito, conforme o direito consumerista, todo contrato que estabelecer prestações desproporcionais, prejudiciais por onerosidade ou abusivas ao consumidor, sofrerá intervenção judicial, se postulada. A edição da Súmula 297 do STJ, reconhecendo a aplicação do CDC aos contratos bancários, foi um marco positivo para o controle da legalidade na prática de juros contratuais.
O contrato que acabou de se iniciar também pode, de logo, ser revisado em Juízo, tendo em vista não só a vulnerabilidade do consumidor, como sua impossibilidade de realizar tratativas na discussão das cláusulas contratuais, em regra impostas a ele unilateralmente.
Nesta esteira de entendimento, também se incluem os contratos findos ou concluídos, confira-se:
¿É possível a revisão de contratos findos, conforme assinalei na decisão proferida no RESP 330.960-RS: ¿A renovação dos contratos bancários, com o pagamento do saldo apurado ou a confissão de dívida, com ou sem negociação de cláusulas e condições, não significa a perda do direito de discutir a possível ilegalidade do que foi contratado. Isso fica mais nítido quando se trata de contratos de adesão, com prorrogação automática. O DIREITO À DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL NÃO SE EXTINGUE COM A PRESTAÇÃO NELE PREVISTA, pois muitas vezes o obrigado cumpre a sua parte exatamente para poder submeter a causa a juízo, ou, o que é mais frequente, para evitar o dano decorrente da inadimplência, com protestos, registro no SPC, SERASA e outros efeitos. Por isso, não há razão para limitar, o exercício jurisdicional na revisão dos contratos sucessivamente renovados, especialmente quando a dívida, que é no último reconhecida, ou que serve de ponto de partida para o cálculo do débito, resulta da aplicação de cláusulas previstas em contratos anteriores, em um encadeamento negocial que não pode ser visto isoladamente, apenas no último contrato.¿1
Conforme aponta Anelise Becker2, é indispensável resguardar a autonomia negocial, pois esta consiste na atividade perceptiva consubstanciada no negócio jurídico, o qual é posto pela lei à disposição dos particulares a fim de que estes possam dele servir-se para dar uma organização básica aos interesses próprios de cada um nas suas relações recíprocas.
Entretanto, os negócios jurídicos celebrados na sociedade moderna, em especial os contratos, se avolumaram de tal forma que se criaram os chamados contratos de adesão, cujo conteúdo é padronizado, cabendo ao consumidor, tão somente, concordar ou não.
Essa adesão impositiva suprime o direito da manifestação de vontade do consumidor, até porque, diante do poderio econômico do fornecedor, não possui qualquer força negocial.
Como não se pode ignorar a necessidade mercadológica e operacional dessas novas formas contratuais, deve ser exigido que o fornecedor, ao substituir a vontade do consumidor, obedeça sempre ao fim social do contrato.
Por exemplo, no que respeita a cláusula-mandato, não se constituiria abuso, nem ilegalidade, a administradora do cartão de crédito transferir ao usuário os encargos financeiros relativos ao custo do capital obtido no mercado, de acordo com mandato contratual conferido pelo devedor, se apresentasse a prova da transparência da captação realizada no mercado financeiro e o custo final. Com o cumprimento da informação devida, caberia ao Julgador examinar a existência ou não de prática abusiva, comparando o valor da captação e o do spread. Todavia, se os juros forem repassados em patamares que afastam manifesta situação de abusividade, não há que se falar em ilegalidade, o que não ocorre de ordinário.
Com a malversação da cláusula-mandato, sua instituição restou vedada pelo art. 51, inciso VIII, do CDC.
As Teorias da Declaração e da Vontade antecederam a atual concepção social do contrato. Estas pertencem ao espectro do vício do consentimento, vigem para os contratos paritários, sem perder de vista que a vontade é formadora do contrato, mas atualmente é a função do contrato que interessa ao direito, seus efeitos.
Fabiana Barletta3 faz distinção entre a Teoria da Vontade e a Teoria da Declaração, em que seria a primeira caracterizada pelo subjetivismo, privilegiando a vontade psíquica do declarante, enquanto a segunda possui cunho mais objetivo, voltando-se para o conteúdo declarado em si, independente do foro íntimo do emitente da declaração.
Portanto, nas relações comerciais atuais, em geral, o consumidor aceita ou não as condições impostas, sem a reflexão ordinária de conteúdo, na maioria das vezes aderindo contra seus próprios interesses. Daí o art. 4º, inciso I, do CDC, impor, como uma das regras cruciais da política de defesa do consumidor, o reconhecimento de sua vulnerabilidade no mercado de consumo.
Comumente, é retirado do consumidor o direito de reflexão no momento da contratação. O que ocorre é um envolvimento com ofertas vantajosas, transmissão da ideia de preço e encargos moderados, além de outros típicos comportamentos com forte efeito de persuasão, visando à realização do negócio, mas desconsiderando suas consequências. O impacto do negócio fica em segundo plano, quando deveria estar em primeiro.
O abuso de direito se mostra ainda mais evidente, quando o fornecedor usa de meios ardilosos para induzir o consumidor em erro, como é o caso das prestações intermináveis, diluindo-se, no preço, encargos altíssimos, totalmente desarrazoados com a realidade de mercado. Por exemplo, a compra de um veículo usado em 60 meses, bem este que sequer garante o capital, que dirá os encargos, numa espécie de estelionato disfarçado, mas levado ao consumidor como um bom negócio.
Assim, a lesão pode ocorrer no momento da formação do contrato, durante sua execução com a superveniência de fatos que modifiquem a inicial ambientação contratual, ou depois de cumprido (findo) 4.
Cabe, portanto, a revisão do contrato, se eivado pela imposição de obrigações desproporcionais, excessivas, situando o consumidor em desvantagem exagerada, tudo nos moldes do art. 51, inciso IV, do CDC.
Quanto ao efeito da declaração de vontade, do entendimento de que esta pode obrigar o consumidor ao seu cumprimento oneroso, valerá, até que seja apontado um vício de vontade ou de qualquer dos deveres principais e anexos à boa-fé e à lealdade. Estes deveres são, na maioria dos casos, violados pelo poderio econômico na busca da socialização dos prejuízos e privatização dos lucros.
O poder econômico é um poder legítimo, mas se torna ilegal quando exercido dentro das vedações constitucionais. Dominação dos mercados, por si só, constitui-se em típico abuso do poder econômico. Existem vários conceitos e construções doutrinárias sobre o abuso de mercado.
De acordo com o entendimento de Carvalho Filho5, o abuso do poder econômico é cometido pela iniciativa privada, pela ambição desmedida de lucros e total indiferença à justiça social, e se pode constatar com a prática abusiva de mercado que executa fórmulas altamente danosas ao público em geral. Alguns doutrinadores têm sustentado que o próprio Estado pode conduzir-se de forma abusiva no setor econômico, principalmente quando atua por intermédio das entidades paraestatais a ele vinculadas e por ele controladas.
Assim, o abuso ocorre quando há: 1) acúmulo de riquezas ou do poder econômico; 2) distorção nas leis de mercado, de forma a desfavorecer a imensa população de consumo; 3) a falta de atuação do Estado-Regulador: a criação de leis e regulamentos administrativos necessários para coibir esse tipo de prática.
Não pode, como já se constatou, existir organização social sem organização econômica. Esta falta se reflete no contrato, impedindo-o de se transformar em instrumento importante para efetivação de relações sociais equânimes e satisfatórias.
Assim, nas sociedades industriais modernas, o controle de mercado, através do controle jurídico do contrato, é de suma importância para a efetividade da justiça social.
Nos casos das ações revisionais, a regulação do mercado financeiro é essencial ao efetivo intervencionismo estatal. Conforme aponta o caput do art. 192 da Carta Magna, não é qualquer matéria do sistema financeiro que necessita de lei complementar, somente aquela que cria a estrutura, dá ordem e unidade à atividade financeira (constituição, vinculação, organização e competência das instituições integrantes). As matérias relacionadas à dinâmica do sistema financeiro, que tratam de atividades de mercado, podem ser disciplinadas em lei ordinárias.
Nesse diapasão, ensina Cristiane Derani6:
Os integrantes do Sistema Financeiro, com a disciplina legal de sua instituição, organização e funcionamento, atuam no mercado. As relações de mercado destas instituições não constituem o Sistema Financeiro. São manifestações dos integrantes deste Sistema, construídas numa complexa interação contratual dos sujeitos que formam o Sistema e destes com os demais agentes econômicos. [...]. Aquilo que diz respeito à dinâmica desempenhada a partir de edificação dessa ordem e unidade, ou seja, além dela, não é matéria de lei complementar. [...] Cabe à lei complementar disciplinar o Sistema Financeiro (a constituição, organização, vinculação e competência dos sujeitos que atuam no mercado financeiro). Tudo o que diz respeito à ordenação e à unidade do Sistema Financeiro submete-se à lei complementar, pois é sobre a unidade e a organicidade dos agentes econômicos que atual no mercado financeiro que se constrói o Sistema Financeiro. Aquilo que diz respeito à dinâmica desempenhada a partir da edificação dessa ordem e unidade, ou sejam além dela, não é matéria de lei complementar. Não cabe à lei complementar disciplinar o desenvolvimento das atividades do Sistema Financeiro que são atividades do mercado.
Na história, a lei nº 1.521/1951, que tipificou os crimes contra a economia popular, ampliou a definição de usura e aumentou a pena prevista para este crime, mas não alterou o limite determinado pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura). Na atualidade, suas aplicações restaram afastadas às instituições financeiras pela jurisprudência do STJ.
Com o advento da lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, o Conselho Monetário Nacional passou a ter competência para fixar e limitar taxas de juros de operações e serviços bancários (art. 4º, inciso IX), razão pela qual a jurisprudência passou a entender que a limitação de juros em, no máximo, 12% ao ano não mais se aplicava às instituições financeiras.
Restou ao consumidor a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à identificação das condutas abusivas. Muito embora o E. Superior Tribunal de Justiça tenha reconhecido sua incidência na relação contratual bancária, não socorre alegações genéricas para fim de amparar o pedido de revisão e modificação de cláusulas contratuais convencionadas, sem a devida comprovação da existência de cláusulas abusivas ou da onerosidade excessiva do contrato, bem como da violação do princípio da boa-fé e da vontade do contratante.
Salienta-se, todavia, que se infere do inciso IX, do art. 4°, da Lei 4.595/64, poderes conferidos ao Conselho Monetário Nacional para limitar os juros praticados em operações bancárias e financeiras, sendo equivocado presumir-se que esta competência equivalha à ampla liberação das taxas, de forma permissiva que legitima o aumento injustificável dos juros e encargos cobrados pelas próprias instituições financeiras, como na prática se constata.
O problema do controle estatal do mercado financeiro já deveria ter sido contornado pelo quanto estabelece o art. 48, inciso XIII, da CF, que firma a competência do Congresso Nacional para regular sobre matéria financeira, suas instituições e operações, revogando qualquer dispositivo que conferisse ao órgão executivo ação normativa de competência do Congresso Nacional, alcançando, assim, o inciso IX, do art. 4°, da lei 4.595/64.
Como já se disse, a lei 4.595/64 conferiu ao CMN o poder de limitar a taxa de juros, e não de permitir sua prática liberada e usurária, autorizando a rede bancária a fixar, sem critério, seus percentuais e outros encargos. Assim, cometeu-lhe o ônus de limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões, e qualquer outra forma de remuneração bancária (art. 4°, IX). A expressão ¿sempre que necessário¿ deixou prevalecer o limite genérico do Decreto 22.626/33.
Com o advento do CDC, restou legalizada a tão falada vulnerabilidade socioeconômica e política do consumidor. A incidência do CDC, no que respeita às instituições creditícias, advém do conceito teleológico ou econômico de consumidor como destinatário final de produto ou serviço, e sujeito a certa atividade (art. 2°, parágrafo único, artigos 17 e 29 do CDC).
Outro marco importante para as ações revisionais foi o julgamento improcedente da ADIN 2591, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro ¿ CONSIF ¿ que concluiu pelo CDC como disposição normativa a tutelar os interesses veiculados nas relações de crédito bancário.7
A analítica da Constituição Federal Brasileira de 1988 alçou a Defesa do Consumidor à categoria de Direito Fundamental8. Nesta, assinala Bruno Miragem: ¿tem-se assentado na doutrina e na jurisprudência brasileira que a localização do preceito constitucional nesse setor privilegiado da Constituição, a rigor, o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte instituído.¿ 9
Quando o banco ou a instituição financeira deixa de assim proceder, sendo o expert da relação, conhecedor dos riscos do empréstimo ou do uso do crédito oferecido, sob o manto incauto de vantagens, quem resta em mora é o banco e não o consumidor, quem quebrou o contrato foi a instituição financeira.
Se, de um lado as instituições financeiras vivem da industrialização do crédito, doutro, seu destinatário o recebe como produto de relevante importância de consumo, basicamente essencial para sua vida privada, seus anseios e realizações pessoais.
As maiores queixas dizem respeito à quebra da equidade nos contratos bancários, pois não há de se ter como válida a manifestação da vontade se não estiver livre, com legítimo consentimento, à luz da exata informação ao aderente, em especial no que respeita ao conteúdo jurídico do negócio, de suas consequências, conferindo-se prazo para reflexão, que afasta a imposição adesiva.
O primeiro passo a ser cumprido pelo banco é o esclarecimento sobre as taxas de juros, seu custo efetivo final, o impacto financeiro no orçamento pessoal do credor ou tomador. Assim, faz-se necessária a análise do conceito de JUROS e da importância da atividade creditícia, que não pode ferir os limites do PRINCÍPIO DA LUCRATIVIDADE (Scaff), também denominado de PRINCÍPIO DA ECONOMICIDADE, sem ignorar-se a inafastabilidade da remuneração do dinheiro como decorrência da atividade bancária10.
Em resumo, o princípio da lucratividade tem o seguinte conteúdo jurídico: ¿a limitação do lucro não é dano, mas medida de ordem econômica adotada pelo Estado no interesse da manutenção do sistema capitalista, uma vez que os confrontos de classe existentes durante o Estado Liberal, se conduzidos a extremos, levariam à desagregação do regime capitalista. Logo, o Estado Intervencionista se impôs, visando à manutenção da sociedade de classes, envolta sob o véu do ¿bem comum¿, e servindo de anteparo para as reivindicações sociais. Consequentemente, esta limitação do lucro não é um dano, mas uma forma de política econômica.¿ 11
O princípio da lucratividade no sistema econômico intervencionista, como o brasileiro, mesmo diante de uma realidade de mudanças incontáveis de reformas constitucionais e de Medidas Provisórias, as quais, em sua maioria, ferem a Carta Magna, tem de ser exercido sem uso abusivo do direito de lucrar, com respeito à dignidade da pessoa humana, não se permitindo, aqui ou acolá, à iniciativa privada, escudar-se no livre exercício do comércio, porque esta liberdade encontra frenagem em outros princípios.
Em que pese ter havido liberdade de fixação de juros nos contratos subjugados aos termos do art. 1.262, do antigo Código Civil, atualmente o art. 591, do Código Civil limita a cobrança de juros aos devidos à Fazenda Pública, ao remeter sua aplicação ao art. 406, do mesmo diploma.
E, mais, o Novo Código Civil tornou obrigatória a contratação com respeito aos mencionados princípios ¿ artigos 421, 422 e 423 (comunicação sistêmica coerente com os artigos 4º e 47 do CDC), evitando-se beneficiar uma parte em prejuízo da outra.12
A nossa Constituição proíbe a USURA, combate e veda a desigualdade de condições das partes nos contratos, quando impõe observância aos seus dogmas pétreos, vigendo o fim ético-social do contrato, sua justeza de resultados para as partes que o procuram para regular seus objetivos comerciais, industriais ou consumeristas. Os artigos 170 a 190 impuseram uma ordem econômica voltada para o bem estar de todos.
Concretamente, ao exercer competência normativa primária e ao editar normas capazes de limitar o modelo capitalista, a exemplo da edição ¿ a partir da matriz constitucional, ou seja, art. 5º, inciso XXXII, da CF 1988 ¿ do Código de Defesa do Consumidor, da lei de remessa de lucros (art. 172) e da lei de repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, § 4º), dentre outras, o Estado interferiu no domínio econômico por via de fomento à proteção aos interesses sociais, coletivos e difusos, daqueles havidos como parte economicamente mais fraca da relação negocial.
Lançar nos contratos encargos altos para cobrir inadimplência gerada por outros contratos não honrados é prática abusiva, onerosa, um ato ilegal contra o consumidor desde o início da contratação, o que não se admite. O ônus de cada contrato não pode ultrapassar a pessoa do contratante ¿ Código Civil, art. 395.
A revisão do contrato preliminar, art. 462 do mesmo Código, impõe a informação para reflexão do consumidor, vedando, também, que o ônus de um contrato passe à pessoa de outro. Pode ser utilizado como prestigio ao princípio da informação e da boa-fé.
Acrescente-se que, na criação do microssistema de Defesa do Consumidor e na edição do art. 422, do novo Código Civil, há incidência do princípio da relativização dos efeitos dos contratos, quando estes violarem os princípios da boa-fé, da lealdade e da equivalência entre as partes, tanto nos de cunho consumerista, como nos de natureza civil empresariais, bastando a alegação de lesão por onerosidade excessiva ou desequilíbrio da equação econômico-financeira que dele decorre.
A não obediência aos princípios de base legitima o direito à revisão do contrato, com vistas no princípio da irrenunciabilidade do direito do contratante, para reequilibrá-lo, atendendo às expectativas de ambas as partes (Constituição Federal, no art. 5º, § 2º).
No mesmo sentido, o art. 4º, do CDC, estabelece as regras e princípios fundamentais do microssistema consumerista. O art. 39, inciso V, do CDC, também se reporta à necessidade de uma revisão quando o fornecedor de produtos ou serviços exigir do consumidor vantagem excessiva.
Outro caso de necessidade de revisão está no art. 51, inciso IV, do CDC, que dispõe acerca da nulidade das cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou com a equidade. O § 1º, do mesmo dispositivo, faculta a presunção de vantagens e outras que forem examinadas pelas partes, particularidades lesionárias do contrato, submetidas ao Poder Judicante para efeito de modificação.
Na legitimação do direito à revisão, vale a transcrição dos incomparáveis ensinamentos de Claudia Lima Marques13, verbis:
¿Assim, o princípio clássico de que o contrato não pode ser modificado ou suprimido senão através de uma nova manifestação volitiva das mesmas partes contratantes sofrerá limitações (veja neste sentido os incisos IV e V do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor). Aos Juízes é agora permitido como controle do conteúdo do contrato, como no próprio Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, devendo ser suprimidas as clausulas abusivas e substituídas pela norma legal supletiva (art. 51 do Código de Defesa do Consumidor). Assim também a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual (...), especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados¿.
Além disso, toda cláusula que prevê incidência de juros elevados é abusiva e, portanto, nula de pleno direito à luz do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Vê-se, na hipótese, a lição de Claudia Lima Marques14:
¿O primeiro grupo de clausulas atípicas em matéria de remuneração a ser identificado pela jurisprudência foi a das chamadas clausulas de remuneração variável, onde a estipulação contratual permite ao fornecedor, de forma direta ou indireta, a variação unilateral do preço. Esta clausula é considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor que reconhece a previsão expressa na lista do art. 51, X. Também ao Direito tradicional (art. 115, do CC/2002) repugna esta possibilidade (de sem concordância com o parceiro contratual) o fornecedor reserva-se o privilégio contratual de modificar o preço¿.
A doutrina moderna não se distancia da tradicional. Optando-se pela definição de Orlando Gomes15: contrato, em sua generalidade conceitual ¿... é uma espécie de negócio jurídico que se distingue pela sua formação, por exigir a presença, pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral¿.
Este conceito tradicional vê o contrato de forma antagonista, como uma combinação de vontades de duas partes para proteger os interesses de cada uma delas.
Atualmente, ¿os modelos modernos de contrato, por outro lado, enfatizam, de modo crescente o contrato como uma expressão de cooperação entre duas partes, que sempre dura um tempo considerável e envolve não apenas seus exclusivos interesses, mas também o de terceiros. O contrato é visto e avaliado mais como forma e ferramenta de cooperação, com o objetivo de atingir resultados de acordo com os propósitos do contrato. Esta é a maneira que as partes nos modernos contratos de longo prazo vêem a situação.¿ 16
Protrai-se a conclusão de que a obrigação que provém do contrato é um iter de importância para a revisão.
A obrigação tem como finalidade axiológica equilibrar a pretensão da relação jurídica, ou seja, de ambas as partes, objetivando respeitar os princípios fundamentais da livre iniciativa sem violar o Estado Social do Direito, pois a finalidade da celebração em massa de negócios jurídicos, que fazem parte da vida cotidiana dos consumidores, visa o bem-estar do cidadão enquanto ente social (e por isso pertencente ao mundo do consumo) para, assim, haver na exploração mercadológica justeza, boa-fé e clareza nas informações que fazem parte das opções para o consumidor gastar e gerar riquezas com seu dinheiro, até porque o mercado é visto pelo fornecedor uma cadeia de ações e seu principal elo é, sem dúvida, o consumidor.
Anote-se que este pensamento de se nulificar as cláusulas dos contratos onerosos, constante no CDC, em seu art. 51, e, ainda, no art. 157 do Código Civil, firma-se no princípio da lesão enorme, havendo atualmente uma recepção pronta e firme da legislação infraconstitucional, que torna sem efeito a edição de súmulas ou acórdão cujos entendimentos contrariem leis e princípios em vigor.
Feitas estas observações, quando a solução das revisões é chamada a passar pela utilização da taxa Selic17, Luiz Antônio Rizzatto Nunes18 explica que a mesma tem natureza de taxa de juros, é fixada depois do fato gerador e por ato unilateral do Executivo, em usurpação do poder Legislativo, que não fixou nortes e nem balizas para sua mensuração. Serve de forma de remuneração de agentes econômicos pela compra e venda de títulos públicos, expressando a taxa de juro por dia útil formada pelas negociações referidas. Pode também ser considerada taxa básica de juros da economia brasileira e instrumento de política monetária. A fixação da taxa Selic é de competência do Copom ¿ Comitê de Política Monetária, constituída no Banco Central e regulamentada pela Circular Bacen 3.297, de 31 de outubro de 2005. Por tais motivos, ao utilizá-la, há violação de princípios como a indelegabilidade e a anterioridade.
Diante destas definições, o que retira da taxa Selic a adequação para servir como parâmetro de identificação da abusividade de juros remuneratórios em um contrato bancário é sua origem não ter a condição de ¿pura taxa de juros¿, formulada com esta exclusiva finalidade, ao contrário, é calculada através de prospecção de inflação para evitar os desgastes desta sobre o capital. Em sua formação, estão embutidos percentuais de juros e correção monetária do capital e, sem a possibilidade de identificar estes elementos, não pode ser tomada como substitutiva de taxa de juros remuneratória.
Alexandre Assaf Neto19, ao conceituar a taxa Selic, não deixa duvida sobre a sua natureza: ¿a taxa Selic de um determinado período pode ser decomposta em duas partes: taxa real de juros e taxa de inflação¿.
Assim, se aplicada como taxa de juros remuneratórios poderá haver uma sobreposição do valor da real correção monetária com o valor antecipado pela taxa Selic, porque fora calculada na expectativa de inflação.
Existem, ainda, outros inconvenientes para se comparar a abusividade da taxa de juros remuneratórios prevista em certo contrato de financiamento bancário, a partir do valor percentual da Selic: 1) é controlada por órgão cujo objetivo é estabelecer diretrizes de política monetária nacional, considerando, também, o cenário internacional, com a observação de objetivos específicos e com base em variáveis de ordem monetária e metas econômicas da macroeconomia; 2) não tem como objetivo adequar a relevância da macroeconomia de cada região do Brasil; 3) inclui a remuneração de capital e correção monetária; 4) subordina o sistema privado à ordenação de direito público, que atenta a diferentes princípios e adota outros critérios, com diversa finalidade; 5) inclui considerações de política monetária e cambial.¿20.
Também argumenta Nelson Nery Junior21: ¿a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso seria inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária¿.
Anota-se em rodapé julgado ontológico que, ao afastar a aplicação da taxa Selic, optando pela aplicação do juros de mercado22, pacificou o entendimento da possibilidade de revisão toda vez que for constatada a abusividade da cobrança de juros. Contraditoriamente, o julgado afirma que não será abusiva a taxa acima dos 12% ao ano (Sumula 382).
A aplicação de juros remuneratórios no patamar das taxas pela média de mercado, apesar de ter sido adotada pelo STJ, também traz inconvenientes, porque é apurada e divulgada de forma unilateral pelo Bacen, segundo o que dispõe a circular 2.957/1999, cujo art. 1º determina que todas as instituições financeiras informem ao Departamento de Cadastro e Informações do Sistema Financeiro (Decad) do Bacen as médias ponderadas, taxas mínimas e máximas.
Desta forma o cálculo da taxa media já se compromete com impurezas de informações desde sua origem, porque sem critérios que se permita avaliar como é formada.
Apesar da tendência do STJ em pacificar o entendimento segundo o qual as revisões devem ser uniformizadas, utilizando-se as denominadas ¿taxas de mercado¿, alguns estudiosos do tema ainda se manifestam no sentido contrário, a exemplo de Antônio Carlos Efing23:
¿Não obstante seja esse o atual posicionamento do STJ, é preciso ressaltar que tomar como parâmetro a taxa média de mercado não é opção mais acertada à luz da proteção do consumidor, seja enquanto mandamento constitucional (art. 5º, XXXII, da CF/1988), princípio constitucional da Ordem Econômica (art. 170,V,da CF/1988), ou mesmo norma de ordem pública e interesse social (art. 1º do CDC), merecendo ser revisto. Isto porque a média de mercado é justamente a média das taxas fixadas pelas instituições financeiras em seu próprio interesse - o que é alarmante quando se reconhece que o setor bancário no Brasil (cujas taxas de juros estão entre as mais elevadas do mundo, inclusive em relação aos demais países da América Latina) é um dos menos eficientes e menos competitivos do mundo¿.
Em um sistema bancário com verdadeira competitividade, a concorrência e outras forças de mercado impulsionam por uma melhora de qualidade e eficiência e por uma diminuição da taxa de juros. Todavia, em um sistema oligopolizado e de baixa concorrência, como ocorre no Brasil, as forças de mercado não são suficientes para controlar fixação dos preços, dando às instituições financeiras um poder sem precedentes para ajustar a taxa de juros nos patamares que desejarem, de modo que a taxa média de mercado será uma taxa anomalamente elevada.
Ainda segundo Antônio Carlos Efing24, ¿outro caminho que poderia servir de parâmetro para a limitação da taxa de juros remuneratórios pode ser aquele encontrado na Lei 1.521/1951, conhecida como Lei dos Crimes Contra a Economia Popular. Ainda em vigor, a Lei de Crimes Contra a Economia Popular dispõe em seu art. 1º e 4º: 1º ¿Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contravenções contra a economia (...). Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) a cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores a taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.§ 1º. Nas mesmas penas incorrerão os procuradores, mandatários ou mediadores que intervierem na operação usuária, bem como os cessionários de crédito usurário que, cientes de sua natureza ilícita, o fizerem valer em sucessiva transmissão ou execução judicial. § 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura:I - ser cometido em época de grave crise econômica; II - ocasionar grave dano individual; III - dissimular-se a natureza usurária do contrato; IV - quando cometido: a) por militar, funcionário público, ministro de culto religioso; por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima; b) em detrimento de operário ou de agricultor; de menor de 18 (dezoito) anos ou de deficiente mental, interditado ou não¿.
Existe um critério legal para se estabelecer a configuração do crime de usura pecuniária, que se ajusta à conduta a partir do lucro desmedido, das dívidas impagáveis e da falta de equilíbrio na base do contrato e as várias condutas que denunciam a tipicidade descrita pela lei.
Sugere Antônio Carlos Efing25 que ¿não seria necessário comprovar, no caso concreto, que a taxa pactuada excede em muito a taxa de mercado, ficando-se na insegurança de como decidirá o julgador; ou, por outro lado, que a taxa pactuada é abusiva quando excede o dobro da taxa média, como alguns julgadores vêm entendendo. Será abusiva aquela taxa pactuada que, pelo critério do art. 4º da lei de crimes contra a economia popular, exceda um quinto da taxa média de mercado¿.
Continua o mesmo autor fazendo um comparativo sobre a importância do conceito penal de crime e concluiu que ¿se o Direito Penal considera crime a cobrança de juros remuneratórios em um quinto acima da taxa média de mercado, não é o Direito Civil ou tampouco o Direito do Consumidor que confere ao particular ou ao fornecedor o permissivo legal de contrariar a disposição da Lei Penal. Em outras palavras, se o art. 4º, b, da Lei 1.521/1951, uma lei válida e vigente, define como crime o lucro que excede o quinto do valor corrente ou justo da prestação, abusando da necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte (diga-se: do consumidor vulnerável), não é a autonomia privada das instituições financeiras que possui o condão de descriminalizar ou afastar da incidência da Lei Penal tal conduta¿.
Este posicionamento nos remete á dúvida quanto à modalidade de fixação das taxas médias de mercado como uma opção de solução para o deslinde das ações revisionais.
Todavia, ainda segundo o mesmo autor, a solução é buscar no ¿valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida a taxa básica de juros da economia brasileira, isto é, a taxa Selic. Por este parâmetro, seria abusiva a taxa de juros pactuada que exceder um quinto da taxa Selic, não considerada aqui como taxa média de mercado ou como taxa referência para fins tributários, e, sim, tomada como critério por ser, de fato, a taxa básica em torno da qual gira a economia brasileira.¿
Os mesmos inconvenientes habitam esta tese porque seria ¿submeter o custo do crédito a uma taxa indicadora das mais diferentes variáveis econômicas e que não se destina especificamente às peculiaridades dos contratos bancários, o que poderá trazer repercussões econômicas ainda desconhecidas. Por outro lado, a taxa Selic é uma taxa fixada pelo Copom, em resposta às metas do Conselho Monetário Nacional, pressionando o CMN e o Bacen a considerarem a seriedade e a necessidade de se liminar a taxa de juros remuneratórios¿.
Na busca da melhor técnica para solucionar a questão da revisão do contrato bancário, que não se resume somente em declarar a abusividade das cláusulas ou a onerosidade excessiva da taxa contratada, a questão passa pela falta de parâmetro legal para se fixar o índice de juros. O entendimento deve estar voltado para a função tutelar resultante do princípio constitucional de proteção do consumidor, que se projeta na esfera da ordem econômica e financeira, na proporção da diretriz básica e do princípio conformador da atividade econômica previsto no art 170, inciso V, da Constituição Federal.
O ordenamento constitucional autoriza o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador da atividade negocial, porque a liberdade negocial não se reveste de caráter absoluto, e seu exercício sofre condicionamentos normativos impostos pela Carta Magna, a exemplo da tutela dos direitos do consumidor que desempenha função inibitória, vocacionada a coibir abusos com prevalência do interesse social.
Novamente nos brinda Bruno Miragem26 ao ensinar que ¿(...) na falta de parâmetro normativo para fixação da taxa de juros, não há como se falar em limite para sua estipulação. Isto não significa, todavia, em vista do que dispõe a decisão final na ADIn 2.591/DF, a impossibilidade de controle da prestação dos contratos bancários, financeiros, de crédito e securitários, em vista do direito básico do consumidor ao equilibrio contratual. Da mesma forma, o art. 51, IV, do CDC, ao prever cláusula geral sobre abusividade das cláusulas contratuais que estabeleça desvantagem exagerada do consumidor, remete ao § 1º, III, da mesma disposição, a qual vai referir presunção legal de abuso, dentre outras hipóteses, quando a vantagem se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso¿.
O caminho tecnicamente correto para se estabelecer um critério que permitisse identificar a abusividade de estipulação, é o exame das formas de remuneração do capital. Ainda que o STJ não tenha admitido o limite de 12% ao ano para os contratos com os bancos, garantiu revisão e remodelação do contrato diante da constatação de onerosidde excessiva da taxa de juros e outros encargos como a comissão de permanência, editando a Súmula 382, cuja redação é a seguinte: ¿a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.¿
Como se afirmou, existe, todavia, uma exceção, bem definida pela jurisprudência: a possibilidade de limitação dos juros nos casos onde cabalmente demonstrada a abusividade dos índices cobrados.
Neste sentido, os seguintes julgados: REsp 541.153/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 14.09.2005; AgRg no REsp 693.637/RS, Terceira Turma, Min. Nancy Andrighi, DJ de 27.03.2006; AgRg no REsp 643.326/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 10.12.2007.
Recentemente, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do AgRg no Ag 109.558.1, SC 2008/0196058-7, de Relatoria do Ministro Sidnei Benetti, julgamento em 17/03/2011 e publicação em 31/03/2011, decidiu que não se aplicará a taxa média de mercado quando não comprovada a discrepância na cobrança, abrindo chance para uma interpretação subjetivista do que seja taxa exorbitante, garantindo a manutenção das arbitrariedades dos bancos contra consumidores, importando em legitimar a taxa média de mercado se esta não for alta. Ou seja, sem conceituação objetiva ou a relevância de um parâmetro, os julgamentos serão tão oscilantes quanto as taxas praticadas pelas instituições financeiras brasileiras.
Resta a indagação: qual é o critério que deve ser utilizado para declarar abusiva uma taxa de juros remuneratórios, em cada caso particularmente?
Após sérias discussões sobre o tema, o STJ entendeu que a taxa Selic não é adequada para este fim, tendo em vista sua natureza e formação, pois não representa a taxa média praticada pelo mercado, sendo, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios.
Também não há mais amparo legal à alegação de que a taxa máxima de juros é de 12% (doze por cento) ao ano, pois a EC 40/2003 revogou o contido no § 3º, do art. 192, da Carta Magna (Súmula 648/ STF).
No STJ, predomina o entendimento de que, nos contratos firmados posteriormente à entrada em vigor da MP 2170-36, de 23.08.2001, é cabível a capitalização mensal de juros, desde que prevista contratualmente.
Duas são as taxas referenciais existentes no mercado, dependendo da forma com que os recursos repassados ao consumidor foram captados pela instituição financeira: ou foi buscar recursos junto ao banco comercial, ou foi buscar recursos num banco de investimentos.
Para a primeira hipótese, a operação realizada entre as instituições financeiras teve por lastro os Certificados de Depósitos Interbancários - CDI, cuja remuneração equivale à taxa Selic. Para a segunda hipótese, a captação tem por referência a TBF - Taxa Básica de Financiamento e que, de igual modo, não se distancia da taxa Selic. (...).27
Como esta observação não existe, surge o problema na alimentação das taxas médias publicadas nos sítios do Bacen, estabelecidas unilateralmente pelos bancos e instituições fornecedoras, de forma abusiva como se argumentou. O referencial válido seria aquele que não pudesse ser manipulado pelas instituições financeiras, mas estabelecido de forma razoável, por entidade responsável pela fiscalização e regramento do sistema financeiro nacional ¿ o Banco Central; consistiria na média do custo do dinheiro nas operações celebradas entre as instituições.28
Manoel Gonçalves Ferreira Filho29 afirmou que a limitação das taxas de juros é incompatível com o funcionamento da economia e reconheceu que a limitação constitucional se referia a juros reais, sem contar a correção e encargos.
Daí que os limites existentes nos índices da Lei de Usura e do Código Civil de 2002 são, também, limites gerais, para vigorar em quaisquer contratos.
Como a lei 4.595/64, em tese, permitiu ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros, ficou evidente que ¿essa faculdade não possuía o alcance de permitir o trespasse dos limites impostos pela Lei de Usura e pela Constituição Federal, mormente que limitar não significa liberar, como entenderam os tribunais.¿ 30
Restou, assim, evidente a importância da gerência do Conselho Monetário Nacional para a fiscalização.
O STF reconheceu que os valores que excedem o custo de captação são pura relação contratual, questão de microeconomia, e, portanto, subsumida aos campos principiológicos-normativos do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, o que autoriza o Poder Judiciário a atuar no interesse da parte vulnerável das relações jurídicas estabelecidas com instituições financeiras.
Assim, ¿tudo quanto exceda a taxa base de juros, os percentuais que a ela são adicionados e findam por compor o spread bancário, tudo isso pode e dever ser controlado pelo Banco Central e, se o caso, pelo Poder Judiciário¿, ou seja ¿tudo o quanto exceda o patamar da taxa Selic é pura relação contratual, Por óbvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composição contratual dessa taxa, além de outras distorções, são passíveis de revisão.¿ 31
Concluiu o Ministro Eros Grau, ao prolatar seu voto na ADIn 2.591, que ¿tudo o quanto exceda o patamar da taxa Selic é pura relação contratual. Por óbvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composição contratual dessa taxa, além de outras distorções, são passíveis de revisão¿.
Portanto, a relação do Banco Central com as entidades financeiras privadas é desenvolvida no plano macroeconômico e, por isso, regida pelo Direito Público. Já entre os bancos e consumidores, esfera microeconômica, é disciplinada pelo Direito Privado. Assim, os Juízes não podem fixar taxas básicas de juros (ex. Selic), pois seria interferir na esfera macroeconômica do Bacen.
Assim, estão no âmbito da microeconomia os encargos e percentuais acrescentados nas taxas básicas de juros, como as de captação, e passam a compor o que denominamos de spread bancário, cuja obrigação do BACEN é controlar, ou quando ocorrer claudicação deste órgão, o controle deve ser exercido pelo Poder Judiciário.
Este spread é o ponto crucial de toda a discussão revisória, cuja verificação de regularidade, refletidas ou não nas cláusulas contratuais, orientam a interpretação da postura de ação do Banco em relação ao negócio jurídico celebrado.
Porque o que exceder ao custo de captação é remuneração não pode se envolver com onerosidade excessiva.
Concluiu-se que a cobrança de juros acima das taxas de mercado caracteriza a usura pecuniária e autoriza a invocação do inciso II, do art. 166, do Código Civil de 2002, o qual declara a nulidade o ato jurídico que tem objeto ilícito (Código Civil de 2002, art. 104 e Decreto 22.626/33, art. 13).
Ressalta-se que, ainda que inaplicável o Decreto 22.626/33, seu conceito de usura pode ser utilizado para caracterizar o abuso das instituições financeiras na fixação dos juros remuneratórios.
E, seguindo a linha do STJ, e à ausência de uma política econômico-financeira, outro não é o caminho senão buscar-se nos precedentes desta corte o índice revisional:
BANCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL ¿ AGRAVO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ¿ AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO ¿ REEXAME DE FATOS ¿ INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ¿ INADMISSIBILIDADE ¿ JUROS REMUNERATÓRIOS ¿ LIMITAÇÃO ¿ TAXA MÉDIA DE MERCADO ¿ COMISSÃO DE PERMANÊNCIA ¿ NÃO CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS ¿ O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis - Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa - É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual - Agravo não provido.32
CONTRATO BANCÁRIO ¿ AÇÃO REVISIONAL ¿ SUSTAÇÃO DE PROTESTO ¿ MEDIDA CAUTELAR ¿ "Direito bancário. Recurso especial. Ação revisional de contrato bancário e medida cautelar de sustação de protesto. 1. É possível revisar os contratos firmados com a instituição financeira, desde a origem, para afastar eventuais ilegalidades, independentemente de quitação ou novação, conforme teor do Enunciado Sumular nº 286/STJ. 2. Ausência de prequestionamento de dispositivos legais. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. Admite-se a comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual à taxa média dos juros de mercado, limitada ao percentual fixado no contrato (Súmula nº 294/STJ), contanto que não cumulada com a correção monetária (Súmula nº 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula nº 296/STJ) e moratórios, nem com a multa contratual. Afastamento dos encargos moratórios, em face da admissão da cobrança de comissão de permanência para o período de inadimplemento contratual. 4. As instâncias ordinárias não se manifestaram acerca da expressa pactuação da capitalização mensal de juros, o que impossibilita a sua cobrança, pois, nesta esfera recursal extraordinária, não é possível a verificação de tal requisito, sob pena de afrontar o disposto nas Súmulas ns. 5 e 7/STJ. 5. `A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador de correção monetária nos contratos bancários` (Súmula nº 287/STJ), por implicar em anatocismo. 6. O acórdão recorrido se ateve aos estritos limites do inconformismo do recurso, motivo pelo qual não há que se falar em julgamento extra petita, relativamente à medida cautelar de sustação de protesto. 7. Recurso especial não provido."33
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ¿ AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO ¿ NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ¿ NÃO OCORRÊNCIA ¿ IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS ¿ Ausência de impugnação a todos os fundamentos do acórdão recorrido - Incidência da súmula nº 283/stf - Juros remuneratórios - Limitação à taxa média de mercado - Acórdão recorrido em harmonia com o entendimento desta corte - Revisão do entendimento do tribunal a quo - Impossibilidade, nesta via recursal (SÚMULA 7/STJ) - Recurso improvido.34
Oportunizada a elaboração desta prova à instituição financeira, e sem sua realização, que gera a falta de comprovação da captação de recursos no mercado financeiro, a taxa média de mercado servirá de parâmetro para a fixação dos juros remuneratórios.
As ações revisionais têm natureza declaratória constitutiva, são exercidas em um processo de conhecimento e tomam a forma sincrética no momento da execução de seus julgados, podendo, assim, tanto tramitar nas Varas Cíveis de Consumo e Empresariais, quanto no Sistema dos Juizados Especiais.
Como a natureza da ação é declaratória e constitutiva, o Juiz declara a existência ou não das circunstâncias ensejadoras da revisão ¿ cláusula abusiva, onerosidade excessiva causada por fato superveniente, e, com base neste percuciente exame, constitui os novos contornos das cláusulas revisadas.
A procedência das revisionais com a utilização de juros remuneratórios pela média de mercado tem sido seguida por vários tribunais da Federação, que não fogem à linha interpretativa do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL ¿ AÇÃO REVISIONAL ¿ CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO ¿ APLICAÇÃO DO CDC ¿ RELAÇÃO DE CONSUMO ¿ CAPITALIZAÇÃO DE JUROS ¿ MP 2.170/2001 ¿ PACTO POSTERIOR A EDIÇÃO DA NORMA ¿ AUSÊNCIA DE PREVISÃO CLARA E EXPRESSA NO INSTRUMENTO CONTRATUAL ¿ IMPOSSIBILIDADE ¿ COMISSÃO DE PERMANÊNCIA ¿ PROIBIÇÃO DE CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS ¿ DUPLA PENALIZAÇÃO DO DEVEDOR ¿ DESCABIMENTO ¿ SENTENÇA MANTIDA ¿ APELO IMPROVIDO ¿ 1- É assente na jurisprudência pátria a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas firmadas com instituição financeiras (Súmula 297, STJ). 2- A capitalização mensal de juros foi admitida a partir da Medida Provisória nº 1.963/00, reeditada sob o nº 2.170/01, desde que a avença com o banco tenha sido firmada após essa data e que haja expressa e clara previsão contratual, o que não ocorreu no caso dos autos. 3- É lícita a comissão de permanência, desde que observada a taxa média do mercado, devendo limitar-se ao percentual estipulado no contrato (Súmula nº 294, STJ), sendo proibida a sua cumulação com outros encargos decorrentes da mora, por caracterizar dupla penalização do devedor moroso. 4- Recurso apelatório conhecido e improvido.35
CIVIL ¿ PROCESSO CIVIL ¿ APELAÇÃO CÍVEL ¿ CARTÃO DE CRÉDITO ¿ AÇÃO REVISIONAL ¿ APLICABILIDADE DO CDC ¿ FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA E DA AUTONOMIA DE VONTADE DAS PARTES ¿ ANATOCISMO ¿ IMPROPRIEDADE ¿ IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E CORREÇÃO MONETÁRIA ¿ ILEGALIDADE DE MULTA MORATÓRIA ACIMA DE 2% ¿ REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES ¿ HONORÁRIOS DE ACORDO DETERMINAÇÃO EM SENTENÇA ¿ APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA ¿ SENTENÇA REFORMADA ¿ 1- Cabe ressaltar o que aduz o Superior Tribunal de Justiça: Súmula 286 - A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores. 2- Conforme teor da Súmula nº 297 do STJ, "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras", inexistindo dúvidas acerca de tal aspecto no caso em liça. 3- A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha a sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar, conforme determina a Súmula Vinculante nº 7. Sendo possível aplicação de juros além do limite de 12% a.a. 4- É inválida a capitalização mensal de juros por instituição financeira. Súmula 121 do STF. 5- Também inválida a cumulação de comissão de permanência com correção monetária ou quaisquer outros encargos moratórios, conforme teor da Súmula nº 30 do STJ. 6- Por ser aplicável a dicção do CDC, a multa moratória não pode ser superior a 2%, conforme teor do art. 52, § 1º, do referido diploma normativo. 7- Não se fala em repetição de indébito quando não comprovada a má-fé da instituição bancária, devendo ser aplicada apenas a restituição simples. 8- Sentença parcialmente reformada, dando parcial provimento ao apelo.36
PROCESSUAL CIVIL ¿ RECURSOS ¿ APELAÇÃO ¿ CONTRATOS BANCÁRIOS ¿ AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS ¿ CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO EM CONTA CORRENTE, CARTÃO DE CRÉDITO E CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO.APELAÇÃO1 ¿ ART. 42, § ÚNICO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.INAPLICABILIDADE ¿ DEVOLUÇÃO EM DOBRO ¿ IMPOSSIBILIDADEAPELAÇÃO2 ¿ DECADÊNCIA ¿ DECISÃO EM SANEADOR ¿ PRECLUSÃO ¿ PRAZO PRESCRICIONAL PARA PROPOSITURA DA AÇÃO REVISIONAL ¿ CONTA CORRENTE ¿ JUROS REMUNERATÓRIOS ¿ PACTUAÇÃO EXPRESSA ¿ AUSÊNCIA ¿ TAXA MÉDIA DE MERCADO ¿ PRECEDENTES DO STJ ¿ ABUSIVIDADE ¿ OCORRÊNCIA ¿ CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO ¿ PAGAMENTO ANTECIPADO ¿ COBRANÇA ACIMA DO PERCENTUAL EXPRESSAMENTE PACTUADO ¿ COMPROVAÇÃO ¿ CONTRATO DE CONTA CORRENTE ¿ CAPITALIZAÇÃO DE JUROS ¿ ILEGALIDADE ¿ SÚMULA 121 DO STF ¿ MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36/2001 ¿ INCONSTITUCIONALIDADE ¿ DECLARAÇÃO PELO ÓRGÃO ESPECIAL ¿ VINCULAÇÃO HORIZONTAL ¿ VALORES COBRADOS A MAIOR ¿ REPETIÇÃO DO INDÉBITO ¿ FORMA SIMPLES ¿ EXEGESE DO ART. 876 DO CC ¿ PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA ¿ DESPROVIMENTO DOS RECURSOS ¿ MANUTENÇÃO DO ÔNUS ¿ 1- Devolução em dobro. Não se pode impor, no presente caso, a repetição em dobro, mas de forma simples, considerando que a instituição financeira pleiteou tão somente o que entendia devido, verifica-se uma hipótese de engano justificável, inexistindo prova de má-fé por parte da instituição financeira. 2- Decadência. Preclusão. Impossível a rediscussão da matéria acerca da decadência prevista no art. 26 do CDC ao caso em estudo, pois, operou-se a preclusão, nos termos dos arts. 471 e 473 ambos do CPC. 3- Juros remuneratórios. Conta corrente. Constatada a inexistência de pactuação expressa, devem incidir juros à taxa média de mercado. Precedentes do STJ. 4- Juros remuneratórios. Contratos de empréstimos. Restou demonstrada a cobrança acima do percentual contratado, nos termos do laudo pericial, não impugnado especificamente pelo Banco no momento oportuno, motivo pelo qual mantém-se a limitação às taxas expressamente pactuadas, conforme estabelecido na sentença. 5- Conta corrente. Capitalização de juros. Medida provisória nº 2.170-36/2001. Declaração de inconstitucionalidade. Órgão especial. Vinculação. Diante da apreciação da matéria em Incidente de Inconstitucionalidade, em respeito à vinculação decorrente da decisão proferida no IDI nº 579.047-0/01, cabe aos órgãos fracionários acolher este posicionamento, tornando-se vinculados à orientação do Órgão Especial desta Corte. Assim, impõe-se determinar o expurgo da capitalização mensal de juros no contrato em discussão, a teor da Súmula 121 do eg. Supremo Tribunal Federal, que dispõe: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".6. Repetição de indébito. A repetição do indébito é possível na forma simples, se verificada a cobrança de encargos ilegais, tendo em vista o princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor. 7- Princípio da sucumbência. Havendo decaimento recíproco, ficam às partes responsáveis pelo pagamento proporcional das custas e honorários advocatícios. Recurso de apelação 1 desprovido. Recurso de apelação 2 desprovido.37
Ademais, os Juízes dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado da Bahia, em busca da uniformização dos entendimentos e do estabelecimento de diretrizes, resolveram expedir o seguinte enunciado:
Enunciado nº 03: ¿É possível a revisão de juros cobrados com base na taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central.¿
Ainda que de forma resumida, restou claro que a presente revisão realocou os termos contratuais ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, satisfazendo, ainda, os princípios da conservação dos contratos e de sua função social, realizando-se uma releitura do contrato original, aparando suas arestas e distorções pactuadas, que eram desvantajosas ao consumidor.
No que tange ao pedido de indenização por danos morais, o mesmo não prospera. A revisão contratual já está sendo deferida por este Juízo. Caso tenha ocorrido alguma situação capaz de gerar transtorno à vida da parte autora, a mesma não ultrapassa a linha do mero aborrecimento ou contratempo, que sofre o homem no seu dia a dia, absolutamente normal na vida de qualquer um, pois não há elementos de prova suficientes ao acolhimento do pleito indenizatório formulado.
Diante do exposto, VOTO no sentido de DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO E ANULAR A SENTENÇA, para, fixar a taxa de juros remuneratórios no valor correspondente à taxa média de mercado para operações de empréstimo pessoal consignado vigente no momento da contratação, qual seja 135,03%a.a., 130,44%a.a., 132,64% a.a., para os contratos, nº 060200105858, 060200110596, 060200108081, respectivamente.
Descaracterizada a mora do contratante, em razão do reconhecimento da abusividade dos encargos cobrados, deve ser mantida a determinação de vedação da inscrição do nome da parte autora nos cadastros de inadimplentes, caso tenha sido deferida liminar neste sentido.
Como consequência da procedência, ainda que parcial, da ação revisional, e com fundamento no quanto exposto nesta decisão, decreto a nulidade da cláusula contratual que previu índice de juros abusivos, para condenar a demandada a proceder ao recálculo dos valores constitutivos da relação contratual pactuada, devendo apresentar planilha de cálculo, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 50,00.
Fica autorizado o levantamento dos valores eventualmente depositados, para abatimento do saldo do contrato.
Havendo saldo credor, deve a parte acionada restituir os pagamentos a maior à parte autora, na forma simples, eis que se tratou de revisão de cláusula contratual, descaracterizando a incidência do parágrafo único, do art. 42 do CDC, não podendo ser atribuída à parte ré, que esperava cobrar o conteúdo contratual, conduta de má-fé ou cobrança indevida.
Sem custas e honorários, eis que vencedor o recorrente.
NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS
Juíza Relatora
1 STJ - Recurso especial n.º 445.446-RS, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Julgado em 22/04/2.003, por unanimidade, a Quarta turma conheceu do recurso e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento.
2 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 50 e 51.
3 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo; Saraiva, 2002. pág., 39.
4 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Op. Cit. Pág. 136.
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
6 DERANI, Cristiane. Parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade - nº 2.591. In MARQUES, Claudia Lima, CASTELLANOS PFEIFFER, Roberto augusto e BATISTA DE ALMEIDA, João, coordenadores. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Bancos, ADIn 2591, Biblioteca de Direito do Consumidor, Revista Editora dos Tribunais, 28, São Paulo, 2006. P. 40-42.
7 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Bancos. ADIn 2,591/ CLAUDIA LIMA MARQUES, JOÃO BATISTA DE ALMEIDA e ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER, Coordenadores, São Paulo, RT, 2006, Biblioteca de Direito do Consumidor, páginas 392 e 393.
8 Beyla Esther Fellous analisa que ¿a interpretação sistemática da Constituição elege o valor da dignidade da pessoa humana como um valor essencial de sua unidade e sentido, ao lado dos direitos fundamentais, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico-brasileiro, com aplicabilidade imediata conferida pelo art. 5., parágrafo primeiro da Constituição Federal¿. FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no mercosul e na união européia. São Paulo: RT, 2003. p. 162.
9 MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. O direito do consumidor como Direito Fundamental ¿ conseqüências jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, p.111-132, jul./set. 2002. p.117
10 SCAFF, FERNANDO FACURY. Constitucionalizando Direitos, 15 anos da Constituição Brasileira de 1988, organizador Fernando Facury Sacaff, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2003, página 259 a 304 (Direito Econômico e do Consumidor).
11 SCAFF, op. cit 302.
12 CLAUDIA LIMA MARQUES, ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN, BRUNO MIRAGEM, CDC comentado, art. 1º a 76, RT, 2004, São Paulo.
13 CLAUDIA LIMA MARQUES, CONTRATOS NO CDC, RT, pág. 143.
14 CLAUDIA LIMA MARQUES, CONTRATOS NO CDC, RT, pág. 521.
15 ORLANDO GOMES, CONTRATOS, pág. 3, 8ª edição, 1981, Forense.
16 PIETRO PERLINGIERI, Perfis do Direito Civil, pág. 212, tradução de Maria Cristina de Cicco, 3ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 1997.
17 Taxa Selic criada pelas Leis 8.981/95, 9.069/95 e 9.779/99.
18 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Os juros no novo Código Civil e suas implicações para o direito do consumidor. Revista de Direito do Consumidor 53/83. São Paulo: RT 2005, p. 78.
19 ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 117.
20 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Os juros na perspectiva do Código Civil. In Pfeiffer , Roberto Augusto Castellanos e Pasqualotto, Adalberto (coord). Código de Defesa do Consumidor e Código Civil 2002. Convergências de Assimetrias. Biblioteca de Direito do Consumidor, n. 26, São Paulo: RT, 2005, p.169-170.
21 NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2005. p. 266.
22 STJ, REsp 1.061530/RS, 2ª Seção, j. 22.10.2008, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009
23 EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. Biblioteca de Direito do Consumidor, vol.12. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 315.
24 EFING, Antônio Carlos. Op. Cit p. 317.
25 EFING, Antônio Carlos. Op. Cit p. 318.
26 MIRAGEM, Bruno Rubens Barbosa. A ADIn 2.591 e a constitucionalidade da aplicação do CDC ás instituições bancária, de crédito e securitárias: fundamento de ordem pública constitucional de proteção do consumidor (STF ¿ ADIn 2.591 ¿ rel. p/ Acórdão Min. Eros Grau. RDC 61, p. 295.
27 APCiv 2007.001.35135 ¿ 12ª Câmara - TJRJ julgamento 14.8.2007 ¿ Relator p/ o Acórdão o Des. Werson Rego, publicado Revista de Direito do Consumidor nº 67, Julho-Setembro 2007, pag. 343.
28 APCiv 2007.001.35135 ¿ 12ª Câmara - TJRJ julgamento 14.8.2007 ¿ Relator p/ o Acórdão o Des. Werson Rego, publicado Revista de Direito do Consumidor nº 67, Julho-Setembro 2007, pag. 343.
29 GONÇALVES FERREIRA FILHO, Manoel. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 4, p. 45.
30 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Juros no Direito Brasileiro, 3ª ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pag. 273.
31 EROS GRAU. Voto de Vista na Ação Direta de Constitucionalidade 2.591, Tribunal Pleno. Distrito Federal. Recurso da Instituição Financeira conhecido e não provido. Recurso da consumidora conhecido e parcialmente provido, nos ermos do voto do desembargador designado para a lavratura do acórdão. Voto vencido do Des. Relator.
32 STJ ¿ AgRg-AG-REsp. 140.283 ¿ (2012/0033259-0) ¿ 3ª T. ¿ Relª Minª Nancy Andrighi ¿ DJe 29.06.2012 ¿ p. 927
33 STJ ¿ REsp 1.243.238 ¿ (2011/0028880-2) ¿ Rel. Min. Luis Felipe Salomão ¿ DJe 23.05.2011
34 STJ ¿ AgRg-REsp 1.270.602 ¿ (2011/0187160-0) ¿ 3ª T. ¿ Rel. Min. Massami Uyeda ¿ DJe 15.08.2012 ¿ p. 505
35 TJCE ¿ AC 0773806-85.2000.8.06.0001 ¿ Rel. Ernani Barreira Porto ¿ DJe 21.08.2012 ¿ p. 66
36 TJCE ¿ Ap 53219-10.2005.8.06.0001/1 ¿ Rel. Des. Francisco Suenon Bastos Mota ¿ DJe 14.06.2012 ¿ p. 66
37 TJPR ¿ AC 0978641-2 ¿ Rel. Des. Jurandyr Souza Junior ¿ DJe 12.12.2012 ¿ p. 430