TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA TURMA RECURSAL

Padre Casimiro Quiroga, SN, Imbuí, Salvador - BA Fone: 71 3372-7460
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PROCESSO Nº 0126278-38.2017.8.05.0001

CLASSE: RECURSO INOMINADO

RECORRENTE: HIPERCARD BANCO MULTIPLO S/A e ITAÚ UNIBANCO S/A.

RECORRIDO: JOÃO SANTOS DE PAULA

ORIGEM: 14ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO)

JUIZ PROLATOR(A): ANDRÉA TOURINHO CERQUEIRA DE ARAÚJO

RELATORA: JUÍZA CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO

 

EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. BLOQUEIO INDEVIDO DE CARTÃO DE DÉBITO, FRUSTRANDO TRANSAÇÃO COMERCIAL. PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DE SERVIÇO. SENTENÇA QUE CONDENOU A REQUERIDA AO PAGAMENTO DE R$ 4.000,00(-) A TÍTULO DE DANOS MORAIS. CONFIRMAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO PELO JULGADOR DE PRIMEIRO GRAU QUE, PRÓXIMO DOS FATOS, NÃO SE AFASTOU EM DEMASIA DAS LIÇÕES JURISPRUDENCIAIS, RESPEITANDO OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95.

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que os Recorrentes HIPERCARD BANCO MÚLTIPLO S/A e ITAÚ UNIBANCO S/A. pretendem a reforma da sentença lançada nos autos, que, reconhecendo a má prestação de serviços, pautada no bloqueio do cartão de débito de titularidade do Recorrido JOÃO SANTOS DE PAULA, condenando-o ao pagamento de indenização no valor de R$ 4.000,00 (-).

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

VOTO

A sentença recorrida, tendo analisado corretamente todos os aspectos do litígio, merece confirmação integral, não carecendo, assim, de qualquer reparo ou complemento dentro dos limites traçados pelas razões recursais, culminando o julgamento do recurso com a aplicação da regra inserta na parte final do art. 46 da Lei nº 9.099/1995, que exclui a necessidade de emissão de novo conteúdo decisório para a solução da lide, ante a integração dos próprios e jurídicos fundamentos da sentença guerreada.

A título de ilustração apenas, fomentada pelo amor ao debate e para realçar o feliz desfecho encontrado para a contenda no primeiro grau, alongo-me na fundamentação do julgamento, nos seguintes termos:

Tratam os presentes autos de pedido de recebimento de indenização por danos morais e desbloqueio/reativação do cartão, em face de bloqueio no cartão de crédito. Aduz a parte Autora teve seu cartão de crédito bloqueado de forma indevida, pois se encontrava adimplente na quitação de suas obrigações. Em contato com o réu foi informado que o bloqueio teria decorrido da falta de utilização pelo período de um ano, o que alega não prosperar conforme faturas em anexo.

As partes Acionadas, por sua vez, apresentam contestação genérica, não tendo negado os fatos, formulando proposta de acordo e negando dever de indenizar.

Quando se discute a prestação defeituosa de serviço, põe-se em relevo a responsabilidade civil objetiva inerente ao próprio risco da atividade econômica, consagrada no art. 14, caput, do CDC, que impõe ao fornecedor o ônus de provar causa legal excludente (§ 3º do art. 14), algo que o Recorrente não se desincumbiu.

Compulsando os autos, observa-se que a parte autora juntou aos autos a prova de que dispunha, tais como faturas do cartão de crédito demonstrando a utilização no último ano, bem como o adimplemento regular dos débitos, bem como gravação telefônica em que o preposto confirma o bloqueio do cartão e a promessa de desbloqueio em dois dias úteis, além da comprovação da compra negada.

Por outro lado, a Recorrente não logrou êxito em comprovar qualquer fato impeditivo do direito do autor, confessando que teria cancelado unilateralmente o cartão de crédito, sob a alegação de que teria sido em face da não utilização do autor no último ano, conduto, não produziu qualquer prova nesse sentido.

Não se harmoniza com o sistema de proteção ao consumidor o bloqueio de cartão de crédito sem prévio aviso, qualquer que seja o motivo, mesmo em havendo razões jurídicas, por ter a cessação de crédito óbvias consequências para o consumidor.

Seguindo a linha do MM. Juiz a quo, entendo que se impõe a condenação da Recorrida ao pagamento de indenização pelos inegáveis prejuízos morais impingidos à Recorrente, face a má-prestação do serviço, evento apto por si só a gerar prejuízo de natureza moral.

Vejamos jurisprudência sobre o tema:

BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM PRÉVIO AVISO OU NOTIFICAÇÃO - NEGATIVA DE COMPRA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL COMPROVADA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM FIXADO EM R$ 1.000,00 (MIL REAIS) - DEVER DE RESTITUIÇÃO DO CRÉDITO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Recurso Inominado nº 201401007868, Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais/SE, Rel. Brígida Declerc Fink. j. 05.03.2015).

 

RECURSO INOMINADO. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MORAIS C/C PERDAS E DANOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. AUTOR IMPOSSIBILITADO DE REALIZAR COMPRAS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ABALO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE REPARAÇÃO EVIDENCIADO. "Manifesto é o dano moral sofrido pelo consumidor que passa por situação vexatória e constrangedora ao tentar efetuar o pagamento de suas compras com cartão de crédito e vê-se surpreendido com o bloqueio indevido do mesmo, apesar de quitado o pagamento mínimo da fatura do cartão e da existência de limite de crédito ainda disponível para compras". [...] (TJSC, Apelação Cível nº 2013.017362-6, de Brusque, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 26.06.2014). INSURGÊNCIA NO TOCANTE À EXISTÊNCIA DE DANO, BEM COMO AO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO (R$ 7.500,00). MONTANTE ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM OS PARÂMETROS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. "A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as peculiaridades de cada caso". (STJ. REsp nº 171.084, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (Recurso Inominado nº 0816254-42.2013.8.24.0090, 1ª Turma de Recursos dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais/SC, Rel. Rudson Marcos. DJ 07.07.2016).

Encontrando previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º, inciso VI, do CDC, com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e repercussão no art. 186, do Código Civil, o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, sendo dela presumido, tornando prescindível a demonstração do prejuízo concreto.

Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge à obrigação de reparar o dano moral.

In casu, entendo que o MM. Julgador de primeiro grau respeitou as balizas assinaladas, tendo fixado indenização em valor que não caracteriza enriquecimento sem causa da Recorrida e não provoca abalo financeiro à Recorrente ante ao seu potencial econômico.

Na quantificação da indenização por dano moral há de se atentar para a extensão da dor, do sentimento, das marcas deixadas pelo evento danoso, e ainda as condições sociais e econômicas da vítima e as da pessoa obrigada. Essa indenização não pode ser fonte de enriquecimento sem causa da vítima e nem de empobrecimento do devedor.

Cabe ab initio, salientar o caráter do dano moral nas relações de consumo, ou seja, suas finalidades e destinação. O dano moral do consumidor é pautado pela baliza das funções PREVENTIVA/PEDAGÓGICA/REPARADORA/PUNITIVA. A função pedagógico/preventivo é aquela entendida como medida reiterada de desestímulo a que posteriores atos semelhantes venham a acontecer, não só no âmbito do ofensor, mas com indelével e nítido propósito de alcançar todos os integrantes da coletividade, servindo de alerta ao desrespeito para com o consumidor e desestimulando da prática de semelhantes ilicitudes. Mostra-se ainda atitude salutar, eis que impõe o constante aprimoramento dos fornecedores de serviços, para que melhorem o serviço prestado, sob pena de poderem vir a sofrer condenação judicial.

A função reparadora é a que mais se assemelha ao dano moral do Código Civil, isto é, na impossibilidade de se restabelecer o status quo ante, devido o pagamento de pecúnia, que, conquanto não substitutivo da lesão, indeniza a vítima dos danos sofridos. A função punitiva é aquela em que o Consumidor, por meio da atuação jurisdicional, impõe punição pecuniária a aquele que, na relação de consumo lhe causou dano, por ter desrespeitado às normas protetivas e mandamentais insertas no Código de Defesa do Consumidor. É, portanto, aquela caracterizada com um meio ou maneira de satisfação do Consumidor vitimado pelo ato ilícito perpetrado.

Assim sendo, ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto, confirmando, consequentemente, todos os termos da sentença hostilizada, com a condenação dos Recorrentes HIPERCARD BANCO MÚLTIPLO S/A e ITAÚ UNIBANCO S/A. ao pagamento das custas processuais e condenação em honorários advocatícios, no percentual de 20% do valor da condenação.

 

Salvador, Sala das Sessões, 12 de setembro de 2018.

 

CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO

Juíza Relatora

 

 

ACÓRDÃO

Realizado julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a TERCEIRA TURMA, composta dos Juízes de Direito, KARLA KRISTIANY MORENO DE OLIVEIRA, MARCELO SILVA BRITTO e CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto, confirmando, consequentemente, todos os termos da sentença hostilizada, com a condenação dos Recorrentes HIPERCARD BANCO MÚLTIPLO S/A e ITAÚ UNIBANCO S/A. ao pagamento das custas processuais e condenação em honorários advocatícios, no percentual de 20% do valor da condenação.

 

Salvador, Sala das Sessões, 12 de setembro de 2018.

 

KARLA KRISTIANY MORENO DE OLIVEIRA

JUÍZA PRESIDENTE

 

CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO

 JUÍZA RELATORA