Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0124951-53.2020.8.05.0001
Processo nº 0124951-53.2020.8.05.0001
Recorrente(s):
DIEGO DE SANTANA ALMEIDA

Recorrido(s):
UBER DO BRASIL LTDA




EMENTA
 

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO POR APLICATIVO. UBER. PRETENSÃO DA PARTE AUTORA DE REINTEGRAÇÃO À PLATAFORMA DA QUAL FOI EXCLUÍDO, POR ACUSAÇÕES DE ASSÉDIO POR PASSAGEIROS. SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA. RECURSO DO AUTOR. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. DESLIGAMENTO DO AUTOR SE RESPALDA NA VERIFICAÇÃO DE DIVERSAS RECLAMAÇÕES DOS PASSAGEIROS. EMPRESA QUE NOTIFICOU PREVIAMENTE O MOTORISTA DAS ACUSAÇÕES IMPUTADAS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE MANUTENÇÃO AD ETERNUM DA PARCERIA, OU DE ILEGALIDADE NA RECUSA DE REINTEGRAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. CONDUTA ILÍCITA NÃO EVIDENCIADA. DANOS MORAIS OU MATERIAIS INOCORRENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o Recorrente, DIEGO DE SANTANA ALMEIDA pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOU IMPROCEDENTES, os pedidos da parte autora, extinguindo o processo com resolução de mérito, com base no art. 487, inciso I, do CPC.

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

 
VOTO
 

No mérito, alega a parte autora é filiada à UBER há três anos e meio, com mais de 9 mil viagens realizadas e pontuação 4,85 (-). Aduz que foi surpreendido, no dia 18 de agosto de 2020, com o bloqueio da sua conta, sem qualquer aviso prévio ou justificativa do seu desligamento.

 

A Demandada se defende afirmando que o desligamento do autor se deu por adoção de condutas inadequadas do motorista, comprovadas pelos relatos de clientes com acusações de assédio, tendo sido a última, ocorrida em março de 2020. Sustenta que as condutas adotadas pelo motorista violaram os termos de uso da plataforma de forma a justificar o seu desligamento da plataforma.

 

A sentença foi de IMPROCEDÊNCIA, com recurso da parte autora.

 
Pois bem.
 

Recurso próprio, regular e tempestivo. Pretensão de que a ré reintegre o autor no sistema de motoristas do aplicativo Uber, bem como de indenização por danos morais e materiais (lucros cessantes). Em contrarrazões, a UBER pede a manutenção da improcedência.

 

Estabelece os termos e Condições, que qualquer das partes poderá terminar o contrato sem motivo, a qualquer momento, sem notificação prévia, no caso de descumprimento do contrato. A notificação do apelado era prescindível, seja pela sua expressa dispensa, a teor do que dispõe o contrato, ou em razão da discricionariedade que se extrai do termo, na hipótese de não atingimento da média mínima.

 

Não obstante tais fundamentos, constata-se que o apelante foi notificado, tanto sobre as acusações de assédio, quanto sobre a possiblidade de encerramento da parceria. Tais notificações trazidas no bojo da defesa evidenciam o conhecimento do autor acerca do descumprimento de cláusulas contratuais (termo de uso e código de conduta da Uber).

 

Anote-se que não foi apenas uma acusação de conduta inadequada, mas três, que foram reportadas ao motorista antes da sua exclusão. Assim, ao mesmo foi garantida a ampla defesa e contraditório ¿ direitos fundamentais que foram observados mesmo na relação entre particulares, à luz da sua eficácia horizontal.

 

Por sua vez, ao impugnar os fatos adunados à defesa, o autor, apesar de negar as acusações, se limita a dizer que os fatos não ocorreram, todavia, não nega o recebimento das notificações. Sendo assim, entendo que lhe foi oportunizada a apresentação de justificativa administrativa perante a empresa, não havendo que se alegar surpresa ou mesmo, cerceamento de defesa.

 

Ademais, incide na hipótese, o princípio da autonomia do contrato previsto no art. 421 do CC, segundo o qual ¿A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato¿, bem como os princípios da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, conforme dispostos no parágrafo único do mesmo artigo.

 

Em que pesem as razões do recorrente, verifica-se que os motivos que ensejaram a sua exclusão foram em razão das denúncias de ASSÉDIO E CONDUTAS INAPROPRIADAS POR DIVERSAS VEZES ¿ todas elas, informadas ao próprio requerente. Outrossim, a alegação de que a sua média de avaliação é alta, não é justificativa, por si só, a autorizar qualquer decreto judicial que condene a empresa demandada a lhe reintegrar à plataforma, isso porque, uma única conduta de assédio já seria suficiente para o desligamento justificado do motorista, no entanto, a mesma conduta, de forma unitária seria incapaz de reduzir significativamente a nota de avaliação no prestador de serviços.

 

Ademais, em razão do princípio da livre iniciativa e liberdade de mercado (art. 170 da Constituição Federal), não é possível impor a reintegração do autor no sistema de motoristas do aplicativo réu, quando não há interesse na preservação do vínculo. A própria Política de desativação estabelece as regras para que o motorista permaneça habilitado na plataforma. No caso, o desligamento do autor se respalda na verificação de mau uso da plataforma, com diversos exemplos de uso inadequado, conforme restou demonstrado.

 

Ressalte-se, também, que, salvo demonstração em contrário, os contratos se presumem paritários e simétricos, nos termos do art. 421 ¿ A do CC[2]. Assim, a vista destes fundamentos, não existe direito a reintegração do autor à intermediação digital prestada pelo recorrido.

 

Diante da verdade formal colhida, não se verifica abuso no descredenciamento do autor à plataforma digital. Não tendo o autor cumprido os requisitos para manutenção de seu acesso ao aplicativo, em razão de sua reiterada conduta, e tendo em vista a gravidade das reclamações dos usuários, tem-se que a ré agiu de forma regular.

 

A jurisprudência é uníssona em prever essa possibilidade:

 

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL PARA SERVIÇOS UBER. CANCELAMENTO DA CONTA. O contrato de intermediação digital em que o motorista presta serviços de transporte de passageiros e a ré fornece as solicitações de viagem pelos Serviços da UBER não é de consumo, tampouco de trabalho, submetendo-se ao regime jurídico comum do Código Civil. Com a demonstração de que o motorista utilizou sua conta UBER indevidamente, fazendo mau uso do aplicativo, resta caracterizado o descumprimento contratual e a licitude do cancelamento de sua conta junto ao UBER, uma vez que a empresa não é obrigada a manter como parceiro quem utiliza a sua plataforma tecnológica de forma inadequada. (TJ-DF 20160111270123 DF 0037089-29.2016.8.07.0001, Relator: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 08/11/2017, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/11/2017)

 

APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA - INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO - AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE - PLATAFORMA UBER - DESCUMPRIMENTO PELO MOTORISTA DE REGRAS CONTRATUAIS - RESCISÃO LEGÍTIMA - AUSÊNCIA DO DEVER DE REINTEGRAR E INDENIZAR. - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação 1003903-66.2018.8.26.0011; Relator (a): Eduardo Siqueira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2018; Data de Registro: 27/09/2018)

 

Por conseguinte, do fato narrado na inicial não se extrai a ocorrência do dano ¿in re ipsa¿. Desse modo, tem-se que, ainda que o autor não tivesse apresentado comportamento contrário aos termos contratuais e ao Código de Conduta da ré, esta teria a liberdade de encerrar o vínculo entre as partes. Aliás, as duas partes dispõem desta liberdade, uma vez que o preenchimento dos requisitos e condições não resulta em direito líquido e certo de contratação (e manutenção desta).

 

Ora, caso contrário, uma vez que o indivíduo se tornasse parceiro da ré, este não estaria mais liberado para abandonar o quadro e seguir outro rumo profissional, em uma eternização da parceria. Ainda, aniquilar-se-ia a possibilidade de construção de ambientes meritocráticos: os contratantes seriam obrigados a manter contratos independentemente do desempenho apresentado pela outra parte.

 

Com isso, rejeito a pretensão da Recorrente, já que não se observou a prática de qualquer ato ilícito ensejador do dever de indenizar ou de reintegrá-lo à plataforma.

 

Ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO,para manter a sentença de primeiro grau em todos os seus termos. Condeno ainda, a parte recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que arbitro em 20% do valor da causa atualizado, ficando suspensa a execução pelo prazo de 05 anos, em virtude da concessão dos benefícios da gratuidade de justiça.

 
 
 

Salvador, Sala das Sessões, 11 de maio de 2021.

 
 
 
Juiz(a) Relator(a)
 
 
 
 
 
ACÓRDÃO
 

Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença de primeiro grau em todos os seus termos. Condeno ainda, a parte recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que arbitro em 20% do valor da causa atualizado, ficando suspensa a execução pelo prazo de 05 anos, em virtude da concessão dos benefícios da gratuidade de justiça.

 
 
 
Salvador, Sala das Sessões, 11 de maio de 2021.
 
 
 
Juiz(a) Relator(a)
 
 
 
 
ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA
Juiz Presidente
 
 


[1]              Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2] Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)