TERCEIRA TURMA RECURSAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA
Recurso nº: 0017152-43.2023.8.05.0001
Recorrente: EMPRESA BAIANA DE AGUAS E SANEAMENTO S/A
Recorrido: ROSENILDES MARINHO DOS SANTOS
Juíza Relatora: IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES
SÚMULA DE JULGAMENTO
RECURSO INOMINADO. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. REFATURA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. COBRANÇA ABUSIVA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. TENTATIVA DE RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA. DESÍDIA DA PARTE RÉ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Realizado julgamento do Recurso do processo acima epigrafado, A TERCEIRA TURMA RECURSAL decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE RÉ, conforme voto a seguir. Condenação em custas e honorários, estes arbitrados em 20 % (vinte por cento) sobre o valor da condenação.
Salvador (BA), data da assinatura eletrônica.
IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES
Juíza Relatora
VOTO
Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099/95.
Não há que se falar em decadência dos pedidos entabulados na inicial, visto que a questão se submete a prazo prescricional previsto no Código Civil, em consonância com a súmula 412 do STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.
Quanto à prescrição, o prazo é de 10 anos, conforme entendimento jurisprudencial: EMENTA: SUMÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. FALTA DE FORNECIMENTO. COBRANÇA INDEVIDA. FALHA NO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. PRESCRIÇÃO 10 ANOS. SÚMULA 412 DO STJ. Para a configuração da responsabilidade objetiva e do consequente dever de indenizar é necessária a comprovação do fato, do dano e do nexo causal, o que restou comprovado pela 1ª Apelada, e corroborado pelo laudo pericial. Desse modo, consubstanciado nos documentos acostados aos autos, a 1ª Apelante descumpriu os artigos 3º, 4º e 9º Decreto nº 7.217/10, 3º Decreto nº 553/76, 6º da Lei nº 8.987/1995 e 2º da Lei nº 11.445/2007, artigo 14 e 22, do CDC ensejando a sua responsabilidade e, por conseguinte, o dever de reparar a 1ª Apelada pela falha na prestação de serviço e cobrança indevida. O STJ já se manifestou no REsp representativo de controvérsia nº 1.117.903/RS, sobre o prazo prescricional aplicada à cobrança das faturas de serviço de fornecimento de água e esgoto, sendo prevista pelo artigo 205 do CC/02, qual seja, 10 (dez) anos. Negado provimento a ambos os recursos. (TJ-RJ - APL: 00264302620108190004 RIO DE JANEIRO SAO GONCALO 3 VARA CIVEL, Relator: ANDREA FORTUNA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 13/06/2016, VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 14/06/2016).
Assim, rejeitada a prejudicial.
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso.
Trata-se de ação movida pelos autores em face da ré em virtude do aumento desproporcional e injustificado na fatura com vencimento em 1 de junho de 2022. Aduz ter reclamado administrativamente, sem sucesso. Nesse sentido, ajuizou a presente ação, requerendo o refaturamento do mês contestado, a manutenção dos serviços, bem como indenização por danos morais.
Na sua peça defensiva, a fornecedora informa que o valor da fatura reflete o consumo real extraído da aferição do hidrômetro do imóvel da consumidora, e que teria sido constatado vazamento na unidade da demandante.
Nesse sentido, importa colacionar o entendimento proferido na Sentença recorrida:
(…)
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes das iniciais e seus respectivos aditamentos, extinguindo os processos, com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I do CPC, para, confirmando a tutelas de urgência concedida nos eventos n.º 8 do Projud, para:
1- CONDENAR a ré a proceder o refaturamento da conta com vencimento em 1/6/2022, para o valor correspondente a média aritmética dos 12 (doze) últimos faturamentos que precederam a impugnação,
2- DETERMINAR QUE A RÉ, após o recálculo supracitado, proceda a digitalização e inserção nos autos da(s) conta refaturada (conforme item "1"), encaminhando-a(s) à parte autora para pagamento com antecedência mínima de 10 (dez) dias da data do vencimento, tudo a ser realizado de no prazo de 30 (trinta) dias, após o trânsito em julgado, sob pena de declarar-se a renúncia ao crédito e quitação da dívida em favor da parte autora(em hipótese de ausência de pagamento ou depósito da(s) fatura(s) impugnada) ou conversão em perdas e danos ( caso tenha a parte autora procedido o pagamento ou depósito da(s) fatura (s) questionada(s);
3- CONDENAR a ré, a indenizar a parte autora, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) corrigidos monetariamente peli INPC desde o arbitramento e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.
Assim, diante das provas coligidas nos autos, entendo que a decisão do Juízo primevo não merece ser reformada, pois os fundamentos do julgado vergastado são precisos, nada havendo a reformar. Ao contrário, deve a decisão ser ratificada pelos seus próprios fundamentos.
Como sabido, na repartição do ônus da prova, segundo a sistemática processual vigente, compete ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos e ao réu, aqueles extintivos, modificativos e impeditivos do direito postulado (art. 373, CPC).
Ab initio, a parte ré anexa fotos do medidor informando a legalidade da medição com base em ausência de vazamento. Apenas pela ausência de vazamento visível não se pode comprovar a regularidade de medição mensal. Por outro lado, a parte Autora também anexa provas da irregularidade da medição, assim como cobranças em valores extremamente superiores à média mensal.
As imagens sistêmicas anexadas demonstram claramente uma alteração não explicada para o aumento excessivo no histórico de consumo no período em debate, como bem explanado na Sentença recorrida.
Como bem delineado na sentença invectivada, “Através do histórico colacionado, observa-se que o consumo da acionante sofreu elevação considerável no mês contestado.
extrapolando a média do consumo real da unidade nos meses anteriores e posteriores, sem que houvesse motivo que o justificasse.
Ainda, a ré não provou a má utilização do serviço por parte da autora, como lhe cabia, a teor da regra do art. 333, II, do CPC. ” (grifei)
No caso especifico dos autos (cobrança excessiva), sabe-se que, apesar da presunção de legitimidade do ato administrativo, tendo o consumidor alegado o excesso do faturamento, sem a demonstração pelo réu da exatidão da medição, ou seja, causa justificadora do aumento (vazamento, alteração da rotina doméstica, etc), deve responder objetivamente pelos danos ocasionados ao consumidor.
Como delineado na Sentença invectivada, a jurisprudência já afirmou que não gozam de presunção de verdade os débitos imputados aos consumidores pelos concessionários de serviço público (JECP/RS, Proc. 01598512240, Juiz Guinther Spode, j. 15.04.98).
Ademais, o art. 22 do CDC impõe às empresas vinculadas ao poder público os mesmos deveres impostos às empresas privadas quando seus serviços se assemelham ao de fornecedor. Neste diapasão verifica-se que, in casu, houve violação do disposto no inciso II, alínea “d” do art. 4º do CDC, ou seja, não garantiu o serviço nos padrões de confiabilidade e qualidade, violando ainda, o dever de informação capitulado no art. 6º, III. do CDC.
Segundo construção jurisprudencial, o valor a ser arbitrado deve obedecer ao binômio razoabilidade e proporcionalidade, devendo adequar-se às condições pessoais e sociais das partes envolvidas, para que não sirva de fonte de enriquecimento da vítima, agravando, sem proveito, a obrigação do ofensor, nem causar frustração e melancolia tão grande quanto a própria ofensa. As características, a gravidade, as circunstâncias, a repercussão e as consequências do caso, a eventual duração do sofrimento, a posição social do ofendido, tudo deve servir de baliza para que o magistrado saiba dosar com justiça a condenação do ofensor.
Quanto ao valor da indenização, este deve representar para o ofendido uma satisfação psicológica que possa pelo menos diminuir os dissabores que lhe foram acarretados, sem causar, evidentemente, o chamado enriquecimento sem causa. Entretanto, deve impingir ao causador do dano, um impacto capaz de desestimulá-lo a praticar novos atos que venham a causar danos a outrem.
Ademais, in casu, é perceptível as diferenças extremamente excessivas entre as faturas impugnadas frente às demais.
Por fim, verifica-se que a Ré não realizou uma real verificação da solicitação administrativa da parte Autora, continuando a cobrar os valores excessivos.
Assim, ainda restou demonstrada a PERDA DE TEMPO ÚTIL da parte autora que, em sede de inicial, junta os números dos protocolos de reclamação administrativa, estando caracterizada a ocorrência de danos morais indenizáveis.
Desse modo, e constatado que a sentença impugnada observou o entendimento já consolidado (inclusive quanto ao valor), esta deve ser mantida.
Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a sentença recorrida em todos os seus termos.
Condeno a parte Ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 20 % (vinte por cento) sobre o valor da condenação.
Em havendo embargos de declaração, as partes ficam, desde já, cientes de que "quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa", nos termos do § 2°, art. 1.026, CPC.
Não havendo a interposição de mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem.
Salvador (BA), Sala das Sessões, data da assinatura eletrônica
IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES
Juíza Relatora