Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0004415-32.2019.8.05.0103
Processo nº 0004415-32.2019.8.05.0103
Recorrente(s):
COELBA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA

Recorrido(s):
ANTONIO FERREIRA DOS SANTOS




EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. ZONA RURAL. FAZENDA BOM JESUS, S/N, REGIÃO DO JAPU-, ILHEUS/BA. LIGAÇÃO NOVA. PROGRAMA LUZ PARA TODOS. PRELIMINAR DE COMPLEXIDADE AFASTADA. DEMORA NA INSTALAÇÃO DA REDE ELÉTRICA. SENTENÇA QUE ORDENOU A INSTALAÇÃO DA REDE, BEM COMO CONDENOU AO PAGAMENTO DE DANOS MORAIS NO VALOR DE R$ 4.000,00. DANOS MORAIS EXISTENTES. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE E EM CONSONÂNCIA COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que a Recorrente COELBA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA pretende a reforma da sentença lançada nos autos que julgou procedente a queixa para: a)  Determinar a instalação do serviço de energia elétrica no imóvel em questão, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada ao valor de alçada dos juizados especiais; b) Condenar a empresa ré a pagar R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a parte autora, a título de compensação moral, com juros legais a partir da data da citação e correção monetária a partir desta decisão;.

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

 

VOTO

 

Da análise detida do caso concreto, observo que não há qualquer complexidade para a elucidação da lide, inexistindo necessidade de realização de prova pericial nos autos. Para que se reconheça a complexidade de uma demanda, retirando a competência dos Juizados Especiais, é necessário que estejam presentes na lide elementos concretos que de fato impossibilitem o desate da controvérsia de forma rápida e objetiva, não sendo plausível a simples constatação abstrata de uma suposta impossibilidade técnica de compreensão dos fatos pelo magistrado, quando as circunstâncias dos autos apontam em sentido contrário. Pelo que rejeito a referida preliminar.

 

Com relação à preliminar de inépcia, deixa-se de acolher, pois a parte autora trouxe aos autos todos os documentos de que dispunha para ajuizar a ação, sendo claros a causa de pedir e o pedido.

 

Por fim, relativamente à preliminar de ilegitimidade ativa, a mesa também não deve prosperar, posto que apesar de o protocolo supostamente não se encontrar em nome da parte autora, está em nome da associação que representa o consumidor, fazendo o mesmo parte da Vila eu conta no protocolo como destinatário do recebimento do serviço de energia elétrica.

 

NO MÉRITO, o recurso interposto não merece acolhimento.

 

Alega a parte autora que é proprietário de uma pequena propriedade rural, localizada na Fazenda Bom Jesus, S/N, Região do Japu-, Ilheus/BA. E em fevereriro de 2015, o mesmo requisitou que fosse instalada energia elétrica em sua propriedade, através do programa ¿luz para todos¿, mas até o ajuizamento da ação, 08/05/19, o fornecimento de energia não foi disponibilizado para a propriedade do requerente, o que vem lhe trazendo enormes prejuízos. Pelo que requereu a obrigação de fazer consistente na instalação da energia, bem como pagamento de danos morais.

 

A sentença foi de parcial procedência, na forma acima apresentada, com recurso da demandada aduzindo que a alegação de que a Recorrente se nega a fornecer energia elétrica para o seu imóvel, não condiz com a realidade. Que é necessário fazer a solicitação para a implantação do programa, desta forma, a empresa aguarda a liberação do comitê gestor do governo federal para realizar a execução da obra, vez que este é o procedimento e atendida de acordo com as prioridades estabelecidas no manual de operacionalização do Programa Luz para Todos. Que existem uma série de empecilhos de ordem técnica que tornam a obra complexa. Que o projeto tem pendências ambientais que impedem ou atrasam sua execução. Declamou pela inexistência ou redução do valor dos danos morais, pugnando pela improcedência da demanda.

 

Pois bem.

 

Em sua contestação a demandada não informa, em momento algum, o andamento do processo administrativo de extensão, ou mesmo comprovou ter de fato encaminhado a solicitação ao Comitê para demonstrar ter esgotado as possibilidades que estariam ao seu alcance. Frise-se que a referida solicitação da parte autora perdura por mais de 04 (quatro) anos.

 

 

Ainda que comprovado se tratar de área de proteção ambiental, descabe à ré, pessoa jurídica de direito privado, atuar como agente fiscalizador, negando serviço essencial, já que nem mesmo as autoridades competentes para tanto têm agido no sentido de coibir a ocupação do local. Direito à prestação de serviço indispensável à vida moderna, que deve prevalecer em relação a abstrato interesse público ao meio ambiente.

 

 

O art. 27 da Resolução 414/2010, alterada pelas Resoluções 479/2012, 563/2015 e 670/2015, informa da necessidade de a distribuidora cientificar o solicitante da energia elétrica sobre diversos aspectos, tais como observância de normas legais, necessidade de instalações, obras e construções, celebração prévia do contrato, documentação exigida, dentre tantas outras. Contudo, no caso em tela, a empresa ré não prova ter cientificado o autor de nenhuma das situações previstas no referido artigo.

 

No que tange especificamente à solicitação de ligação de energia, inclusive ônus para a parte interessada, disciplina o art. 27-A da referida resolução, in verbis:

 

 

 

Art. 27-A No atendimento de domicílios rurais com ligações monofásicas ou bifásicas, a instalação do padrão de entrada, ramal de conexão e instalações internas da unidade consumidora deve ser realizada pela distribuidora, SEM ÔNUS AO INTERESSADO, com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, a título de subvenção econômica, observadas as seguintes condições:

 

 

O art. 34, II da referida Resolução, informa o prazo 120 (cento e vinte) dias úteis, na área rural, para vistoria da unidade consumidora cujas obras tenham necessidade de extensão de 01 (hum) quilômetro na rede de tensão primária.

 

De tal modo, observa-se a ausência de justificativa plausível por parte da Requerida em não proceder a ligação de energia, uma vez que não merece crédito a alegação de suposta necessidade de observância de procedimentos não dependentes dela para instalação nova, o que indica a má prestação do serviço por ela prestado.

 

Não há nos autos qualquer documento que corrobore a afirmação de inexecução da obra, como lhe cabia, a teor da regra do art. 373, II, do CPC, ao revés, colacionou apenas no bojo da contestação alegações genéricas, sendo que a sentença hostilizada não merece qualquer reparo, tendo bem apreciado a questão posta, por isso merece confirmação pelos seus próprios fundamentos, servindo de acórdão a súmula do julgamento, conforme determinação expressa do art. 46 da Lei n° 9.099/95 .

 

Correta foi a sentença no que diz respeito à obrigação de fazer determinada, vez que por autorização do artigo 175, da Constituição Federal, o serviço de energia elétrica é prestado mediante concessão pelo Poder Público, nos termos das Leis nº 9.074/95 e 8.987/95.

 

Dos autos entendo que a ré não comprovou qualquer fato impeditivo à realização da obra, não comprovou ser esta inviável e não explicitou supostas exigências ao atendimento do pleito[2].  E a parte autora comprovou satisfatoriamente a requisição feita junto à ré, conforme protocolos colacionados ao evento nº. 01.

 

O serviço de fornecimento de energia elétrica é, portanto, serviço de primeira necessidade, de natureza essencial e estreitamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme pressupõe o art. 1o., inciso III, Constituição Federal.

 

A universalização do serviço de energia elétrica em todo o País, inclusive para moradores da zona rural, é princípio positivado no art. 13, inciso II, da Lei n.10.438/02 e compromisso avocado pelo Poder Público, porquanto instituiu o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica - "Luz para todos" (Decreto n. 7.520/11).

 

Efetivamente, casuais obstáculos ou limitações para a materialização do projeto não podem ser transferidos ao consumidor, porém devem ser tolerados pela concessionária de serviço público, que assume o risco pela atividade econômica e que detém o dever de fornecer o serviço a todos, indistintamente. Desta feita, a privação do autor de serviço essencial fere, sobremaneira os seus direitos fundamentais a uma vida digna, acarretando-lhe danos morais a serem suportados pela acionada.

 

Os princípios da igualdade e da impessoalidade são justamente os pilares do Programa Luz para Todos, que objetiva efetivar a universalização do serviço de energia elétrica, cujo prazo de prorrogação do Decreto nº 7.656/11 se esgotou em dezembro/2014.

 

As peculiaridades do caso confirmam que a conduta da acionada causou transtorno e abalo de ordem moral à parte autora, no momento em que ficou privada do fornecimento de energia elétrica em sua residência, ante a demora na realização de ligação pela ré. O não fornecimento do serviço de energia evidencia a presença de dano moral[3]. Restando configurada a falha na prestação do serviço, sendo sem justificativa a insurreição da Recorrente quanto ao dever de indenizar. O direito do cidadão de utilizar-se dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza, nos termos da lei ou do contrato, consoante inteligência do artigo 6º, da Lei nº 8.987/95 e artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Também não merece prosperar o pedido de redução do quantum indenizatório, fixado em R$ 4.000,00. O valor da indenização proporciona ao lesado uma satisfação, de modo que, sem que configure um enriquecimento sem causa para o ofendido, imponha ao ofensor um impacto suficiente, desestimulando-o a cometer novos atentados similares contra outras pessoas.

 

Assim, a respeitável sentença, em nada carece de reforma, pois decidiu de forma consentânea com a prova dos autos e o direito.

 

Com essas considerações, e por tudo mais constante dos autos, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso para manter a sentença atacada pelos seus próprios fundamentos. Custas e honorários advocatícios pelo recorrente vencido, os últimos fixados em 20% sobre o valor da condenação.

 

Salvador/BA, Sala das Sessões, 03 de dezembro de 2019.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

ACÓRDÃO

 

     Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA, MARIAH MEIRELLES DE FONSECA e ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso para manter a sentença atacada pelos seus próprios fundamentos. Custas e honorários advocatícios pelo recorrente vencido, os últimos fixados em 20% sobre o valor da condenação.

 

Salvador/BA, Sala das Sessões, 03 de dezembro de 2019.

 

 

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA

Juiz Presidente

 



[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2] APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA EM IMÓVEL RURAL - SERVIÇO ESSENCIAL - CADASTRO NO PROGRAMA DE UNIVERSALIZAÇÃO RURAL DA CEMIG DESDE O ANO DE 2009 - PRAZO PARA A INSTALAÇÃO REITERADAMENTE NÃO OBSERVADO PELA CONCESSIONÁRIA - COMINAÇÃO DA LIGAÇÃO MANTIDA - DANOS MORAIS - PATENTE INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO REITERADAMENTE CONFESSADO - DEMORADO E TORMENTOSO CERCEAMENTO DO ACESSO A SERVIÇO ESSENCIAL - CONDENAÇÃO CONFIRMADA - EXCESSIVIDADE NÃO CARACTERIZADA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Há muito administrativamente aprovada e reiteradamente descumprida a solicitação de instalação de energia elétrica em imóvel rural titularizado pelo autor, reconhecidamente inserido no Programa de Universalização Rural da CEMIG, há de ser confirmada a cominação judicial de sua implementação. 2. Mostrando-se injustificado o atraso pela concessionária, bem como em se considerando a essencialidade do serviço de fornecimento energia elétrica, deve ser mantida a reparação pelos danos morais suportados. 3. Recurso não provido.(TJ-MG - AC: 10021160009508001 MG, Relator: Corrêa Junior, Data de Julgamento: 29/08/2017, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/09/2017)

[3] DIREITO CIVIL E DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. APELAÇÕES SIMULTÂNEAS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA NO ATENDIMENTO DA SOLICITAÇÃO DE REFORÇO DE FORNECIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA COMPROVADA. SERVIÇO DE NATUREZA ESSENCIAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM. R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. I- O serviço de energia elétrica, por autorização constitucional (art. 175, CE), é prestado mediante concessão pelo Poder Público, nos termos das Leis nº 9.074/95 e 8.987/95. II- Mostra-se ilegal, injusto e irrazoável a conduta da concessionária de retardar o atendimento da solicitação de reforço de energia, na unidade consumidora de propriedade do Autor. III- A energia elétrica é, hodiernamente, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua negativa ou interrupção. IV- A responsabilidade objetiva decorre da obrigação de eficiência dos serviços, sendo que o art. 37, § 6º da Constituição Federal, estendeu essa norma às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público. V- O serviço de fornecimento de energia que só é disponibilizado mais de seis meses depois da respectiva solicitação, qual seja, após o ajuizamento da ação, sem justificativa plausível, evidencia a presença de dano moral, em sua forma presumida, decorrente da própria existência do ato ilícito. VI- A fixação da verba reparatória do dano moral deve atender a dupla finalidade de conciliar o caráter educativo e punitivo da condenação com as privações e dissabores sofridos pelo ofendido, impondo-se a manutenção do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pois em consonância com os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. VII- O orçamento acostado à fl. 21 evidencia que os custos operacionais da obra seriam arcados pela concessionária, portanto, sem reparo no capítulo. VIII- Os honorários advocatícios foram corretamente fixados, em observância ao disposto nos artigos 85 e 86, do Código de Processo Civil/2015. APELOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. (TJ-BA - APL: 00208535220128050080, Relator: Roberto Maynard Frank, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 08/03/2017)