PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8008523-49.2020.8.05.0000 | ||
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | ||
AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA | ||
Advogado(s): | ||
AGRAVADO: DG CURSOS DE TRADER E COMERCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA e outros (2) | ||
Advogado(s): As Rés não possuem procuradores constituídos nos autos. |
ACORDÃO |
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. JUÍZO A QUO QUE POSTERGOU A APRECIAÇÃO DO PLEITO LIMINAR PARA APÓS A FORMAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. DEMORA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL QUE IMPLICA EM EVIDENTE RISCO DE DANO A TODA A COLETIVIDADE, JUSTIFICANDO A APRECIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA SEM QUE ANTES SE PROCEDA À OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA. ARTS. 9º E 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA ORIGINÁRIA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL COM VISTAS A DECLARAR A INSUSTENTABILIDADE DO MODELO DE NEGÓCIOS DAS EMPRESAS DEMANDAS, QUE ATUAM COM OPERAÇÕES FINANCEIRAS EM CRIPTOMOEDAS (BITCOINS). OCULTAÇÃO DOS RISCOS INERENTES AOS SERVIÇOS PRESTADOS. OFENSA AO DEVER DE INFORMAÇÃO. OFERECIMENTO IRREGULAR DO SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE (SAC). UTILIZAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS APARENTEMENTE ABUSIVAS. VIOLAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ACARRETANDO PREJUÍZOS PARA A COLETIVIDADE, HAJA VISTA A EXISTÊNCIA DE LESÕES A INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS E DE NATUREZA COLETIVA. DEMONSTRADA A PLAUSIBILIDADE DO DIREITO INVOCADO PELO AUTOR. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES À CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 8008523-49.2020.8.05.0000, que figuram, como Agravante, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, e, como Agravados, DG CURSOS DE TRADER E COMÉRCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA, DD CORPORATION e LEONARDO GUSMÃO DE ARAÚJO,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso, reformando a decisão objurgada, para deferir o pleito liminar, determinando que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e sob pena de multa diária no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses dos Consumidores, previsto na Lei nº 7.347/85, os Agravados: (i) suspendam toda e qualquer atividade destinada à realização de negócios jurídicos que dependam do prévio aval da Comissão de Valores Imobiliários (CVM); (ii) não ofertem, para o público e contratantes, Contratos de Investimento Coletivo (CIC’s) sobre operações de arbitragem, com ou sem o robô Next, assim como interrompam a realização de quaisquer movimentações financeiras com dinheiro investido por consumidores; (iii) não propaguem/veiculem a falsa expectativa de que as empresas demandadas possuem estrutura sólida e regular no mercado, gozando de seriedade e de chancela dos órgãos públicos competentes; (iv) não continuem ofertando aos consumidores investimentos com base em criptomoedas (Bitcoins) em desrespeito aos arts. 30 e 31 do CDC; (v) não realizem ofertas de investimentos com base em criptomoedas (Bitcoins), assegurando aos consumidores ganhos fraudulentos e inalcançáveis, gerando-lhes falsas expectativas e ocultando-lhes os riscos do empreendimento ilícito, sob pena de caracterização da infração penal intitulada de oferta enganosa; (vi) interrompam a oferta e realização do Marketing Multinível; (vii) não continuem ofertando as comissões denominadas “Bônus de Equipe”, “Matching Bônus”, “Bônus de Liderança”, e as recompensas correlacionadas ao Plano de Carreira da DD CORPORATION, em vista da possibilidade de se tratarem de repasses ilegais em uma pirâmide financeira; (viii) não instituam empreendimentos que engendrem dificuldades pelos consumidores para o acesso à plataforma digital no sítio eletrônico da empresa, zelando para que os interessados possam utilizá-la sem obstáculos infundados; (ix) cumpram os termos dos contratos lícitos que venham a ofertar ao público consumidor após prévia autorização dos órgãos públicos competentes, atendendo às solicitações de estornos e saques, nos moldes da legislação vigente, bem como não alterando unilateralmente o seu conteúdo, sem o prévio aval do contratante; (x) suspendam as disposições contratuais estabelecidas nas cláusulas quarta, caput e parágrafo único, quinta, caput e parágrafo terceiro, sexta, caput, parágrafo terceiro, inciso I, e parágrafo quinto, dos Termos e Condições de Uso do Next (robô de arbitragem) quanto ao cancelamento do contrato; (xi) suspendam as disposições contratuais estabelecidas nas cláusulas terceira e quinta, parágrafos primeiro, segundo e quarto, do Contrato de Prestação de Serviços Educacionais; (xii) no âmbito do desenvolvimento de atividades lícitas autorizadas pelos órgãos públicos competentes, dispor de Sistema de Atendimento ao Cliente (SAC) em conformidade com o Decreto Federal nº 6.523/2008, respeitar os direitos básicos dos consumidores quanto à obtenção de informação adequada e clara sobre os serviços que contratar e de se manter protegido contra práticas abusivas ou ilegais impostas, resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços, devendo estar disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, constar o número do SAC, de forma clara e objetiva, em todos os documentos e materiais impressos entregues ao consumidor no momento da contratação do serviço e durante o seu fornecimento, bem como na página eletrônica da empresa na Internet, e, no caso de empresa ou grupo empresarial que oferte serviços conjuntamente, garantir ao consumidor o acesso, ainda que por meio de diversos números de telefone, a canal único que possibilite o atendimento de demanda relativa a qualquer um dos serviços oferecidos, e assim o fazem pelas razões que integram o voto do eminente Desembargador Relator.
Sala das Sessões da Quinta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, 15 de junho de 2021.
PRESIDENTE
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA
BMS02
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
QUINTA CÂMARA CÍVEL
DECISÃO PROCLAMADA |
Provido. Unãnime.
Salvador, 15 de Junho de 2021.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8008523-49.2020.8.05.0000 | |
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | |
AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA | |
Advogado(s): | |
AGRAVADO: DG CURSOS DE TRADER E COMERCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA e outros (2) | |
Advogado(s): |
RELATÓRIO |
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 13ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, que, nos autos da Ação Civil Pública nº 8009056-05.2020.8.05.0001 ajuizada em desfavor de DG CURSOS DE TRADER E COMÉRCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA, DD CORPORATION e LEONARDO GUSMÃO DE ARAÚJO, reservou-se a apreciar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela após a formação do contraditório.
Em suas razões recursais, o Agravante informa que ajuizou a ação originária contra os Agravados, na qualidade de grupo empresarial, por terem atuado com operações financeiras em “Bitcoins”, na modalidade de arbitragem, e o lucro obtido ser consideravelmente superior ao do mercado, superando a média mensal de 2018 em quase 250%.
Aduz, em síntese, que foram divulgadas informações falsas pelos Agravados, por meio de uma estrutura insustentável de negócios no modelo de marketing multinível, tendo sido ocultados os riscos inerentes aos serviços prestados, oferecido irregularmente o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e utilizadas cláusulas contratuais abusivas, em inobservância aos preceitos basilares do Código de Defesa do Consumidor e do Decreto nº 6.523/2008, resultando em prejuízos para a coletividade, haja vista a existência de lesões a interesses transindividuais e de natureza coletiva.
Nesta senda, o Agravante entende que a decisão objurgada é suscetível de causar aos consumidores lesões graves e de difícil reparação, porquanto a apreciação do pleito antecipatório, para apenas depois da formação do contraditório, enseja a prolongação do processo e, por consequência, compromete a efetivação do bem carecedor de proteção, diante da possível ocorrência do perecimento do direito.
Outrossim, aduz que o juízo a quo não apresentou nenhum fundamento concreto e jurídico que afastasse os requisitos autorizadores do pleito liminar, afrontando o dever de fundamentação das decisões judiciais, tornando-se passível de nulidade, ex vi do art. 498 do Código de Processo Civil.
Salienta, ademais, que o diferimento do contraditório e a concessão da medida liminar inaudita altera parte são legitimadas no art. 9º do CPC, de modo a não haver qualquer óbice em se proferir decisão de concessão de tutela provisória de urgência antes de manifestação da parte contrária.
Neste contexto, defende estarem presentes os requisitos autorizadores à concessão da medida liminar, diante das diversas ações e omissões dos Agravados, ao gerar expectativas sem fundamento aos consumidores e descumprirem normas legais, bem como diante da necessidade de impedir as práticas abusivas em comento.
Ante o exposto, pugna pela antecipação da tutela recursal e, ao final, pelo provimento do recurso, a fim de que seja concedida a medida liminar pretendida na ação de origem, inaudita altera parte, sob pena de pagamento de multa diária a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses dos Consumidores, previsto na Lei nº 7.347/85, sem prejuízo do crime de desobediência.
Em decisão de ID 6863359, foi antecipada a tutela recursal.
Apesar de regularmente intimada, a parte Agravada não apresentou contrarrazões, conforme certidão de ID 13911286.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria de Justiça, em parecer de ID 14549037, opinou pelo provimento do recurso.
Com este relato, nos termos do art. 931 do CPC, encaminhem-se os autos à Secretaria para inclusão em pauta.
Salvador, 27 de maio de 2021.
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
BMS02
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Quinta Câmara Cível
Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8008523-49.2020.8.05.0000 | ||
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível | ||
AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA | ||
Advogado(s): | ||
AGRAVADO: DG CURSOS DE TRADER E COMERCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA e outros (2) | ||
Advogado(s): As Rés não possuem procuradores constituídos nos autos. |
VOTO |
Conforme relatado, trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 13ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, que, nos autos da Ação Civil Pública nº 8009056-05.2020.8.05.0001 ajuizada em desfavor de DG CURSOS DE TRADER E COMÉRCIO VAREJISTA DE BRINDES LTDA, DD CORPORATION e LEONARDO GUSMÃO DE ARAÚJO, reservou-se a apreciar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela após a formação do contraditório.
Inicialmente, cumpre destacar que o não pronunciamento do juízo a quo em relação à tutela de urgência pleiteada deve ser interpretado como uma decisão interlocutória indeferitória, porquanto não vislumbrou prejuízo para a parte quando postergou eventual concessão da medida. Por tal razão, resta evidenciado o cabimento do presente recurso de Agravo de Instrumento.
Com efeito, a jurisprudência pátria tem entendido que, nas situações em que o magistrado posterga a apreciação do pedido liminar, é possível a interposição de Agravo de Instrumento quando há evidência de que o diferimento da cognição judicial é capaz de ocasionar lesão grave e de difícil reparação. Assim, verificado que a demora da prestação jurisdicional implica em evidente risco de dano à segurança dos consumidores e da economia popular, conforme será demonstrado a seguir, resta demonstrado o cabimento do recurso.
Do mesmo modo, posiciona-se este Egrégio Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPACHO QUE POSTERGA A ANÁLISE DO PEDIDO LIMINAR. POSSIBILIDADE DE ACARRETAR LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO À PARTE. CABIMENTO DO RECURSO. 1. Via de regra, o despacho que posterga a análise do pedido liminar para depois da oitiva da parte contrária não possui cunho decisório, sendo inatacável por meio de recurso. Todavia, quando o diferimento da cognição judicial é capaz de ocasionar lesão grave e de difícil reparação, é possível que o Tribunal conheça do agravo de instrumento. 2. No caso sub judice, há indícios suficientes de que a demora na apreciação do pedido antecipatório de tutela dirigido ao juízo de 1ª instância é suscetível de causar à recorrente um grave prejuízo econômico, posto que a produção dos efeitos do protesto de uma dívida de alta monta (R$ 5.874.178,73) quando a parte já ofereceu garantia ao juízo da execução em um valor superior ao montante que lhe é cobrado dificulta o cotidiano da empresa. 3. Ademais, o Estado agravado manifestou a sua concordância com a pretensão autoral, o que leva, inevitavelmente, ao provimento do recurso. 4. Agravo de instrumento provido. (TJBA, Agravo de Instrumento nº 0010342-02.2016.8.05.0000, Segunda Câmara Cível, Relator: Des. MAURÍCIO KERTZMAN SZPORER, publicado em: 13/07/2016).
Destarte, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise do mérito.
Registre-se que o julgamento do presente Agravo de Instrumento deve restringir-se à análise dos requisitos autorizadores da tutela de urgência requerida em primeiro grau, preservando-se a matéria de fundo para posterior análise pelo juízo de origem em sede de cognição exauriente de mérito.
Feitas estas considerações, vislumbro que deve ser acolhida a pretensão recursal, pelos fundamentos a seguir expostos.
Insurge-se o Agravante contra a decisão que postergou a apreciação do pedido de tutela de urgência para após a formação do contraditório.
Com efeito, a pretensão de reforma da decisão objurgada deve ser analisada à luz do que dispõem os arts. 9º e 300 do Código de Processo Civil, que assim estabelecem:
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Extrai-se das referidas normas que é possível a concessão de tutela de urgência sem a instauração do contraditório, desde que estejam presentes, de forma cumulada, a probabilidade de direito e o perigo de dano ou resultado útil do processo.
Desse modo, para conceder a tutela antecipada inaudita altera pars é necessário que o Magistrado haja com cautela, não podendo concedê-la indiscriminadamente.
Sobre o tema, eis a lição de Theotônio Negrão:
“A prudência orienta o juiz a evitar a concessão de medida liminar sem ouvir a parte contrária. Na interpretação do art. 804 do CPC, não fica o juiz autorizado, de forma ampla e indiscriminada, a conceder a liminar, pois não raro o requerente é parcial na exposição dos fatos alegados, de modo somente se apresentando a extrema necessidade, quando presentes, sem dúvida, os pressupostos de fumus boni juris e periculum in mora, será lícita a concessão da liminar sem ouvir a parte contrária” (in Novo Código de Processo Civil. 47ª ed. Editora Saraiva. São Paulo, 2016. p. 367).
Estabelecidas estas premissas, urge destacar que, no caso em tela, o Ministério Público do Estado da Bahia ajuizou a Ação Civil Pública originária contra os Agravados, em decorrência do apurado no Inquérito Civil nº 003.9.98453/2019, referente à análise do modelo de negócios das empresas Demandas, que atuam com operações financeiras em criptomoedas (Bitcoins), na modalidade de arbitragem, mormente diante do sistema de repasse de ganhos que a empresa adotou, onde cada investidor é estimulado a trazer novas pessoas para o negócio, ganhando comissões sobre as operações feitas pelos novos investidores indicados, entendendo se tratar de negócio insustentável que põe em risco a incolumidade patrimonial dos consumidores.
Na petição inicial da Ação Civil Pública, o Ministério Público destacou os problemas suscitados nas denúncias identificadas no sítio eletrônico reclameaqui.com, relacionados ao acesso dos consumidores à plataforma digital de investimento da empresa Demandada, aos erros na efetuação de transações financeiras coma referida empresa, às dificuldades e indignações quanto ao cancelamento de investimento e à falta de informações e de suporte da empresa. Aponta, ainda, que o número dessas reclamações cresceu consideravelmente após a DD Corporation anunciar que estaria encerrando as suas atividades de Marketing Multinível, concomitantemente com uma sequência de problemas no sistema interno da empresa que impediram que os consumidores pudessem realizar saques, sem aviso prévio para os clientes.
Com efeito, verifica-se que a propositura da Ação Civil Pública de origem está motivada na proteção dos direitos difusos dos consumidores face ao perigo que a atividade exercida pelos Agravados, na qualidade de grupo empresarial, oferece à sociedade geral, norteando-se pela prevenção das incolumidades, especialmente considerando que, muitas vezes, a restauração do consumidor ao status quo ante é mais difícil do que impedir que o dano se concretize em primeiro lugar.
Destarte, em uma análise perfunctória dos autos de origem, percebe-se que a Demandada demonstra descaso com o princípio da transparência, ferindo o direito básico do consumidor de ter “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III, do CDC). Isso porque, conforme apurado pelo Ministério Público no bojo do Inquérito Civil, a DD CORPORATION divulga informações contraditórias e/ou falsas nas redes sociais, não fornece dados ostensivos sobre os investimentos realizados pelo robô Next, não instrui devidamente os investidores sobre os riscos inerentes às operações de arbitragem com criptomoedas e, por último, não presta o merecido suporte ao consumidor para a resolução de problemas atinentes aos produtos e serviços da empresa.
Especificamente quanto à ocultação de informações concernente às operações realizadas pelo Next, o Ministério Público esclarece em sua petição inicial que a empresa não forneceu informações sobre as operações efetuadas por este robô, apenas apresentando supostas comprovações dos lucros que estavam sendo gerados, mas sem constar em que casa de câmbio (exchange) a operação foi feita, o volume movimentado ou o rendimento bruto da operação antes de serem aplicadas as taxas e comissões. O Parquet também destacou que essa rentabilidade declarada simplesmente não é confiável, em vista que não há como atestar se o lucro dos investimentos não são, em verdade, apenas um repasse dos valores investidos pelos novos afiliados, como acontece nos esquemas de pirâmide financeira (ponzi scheme).
Com efeito, a atuação dos Agravados contraria o dever de informação, que, segundo Sérgio Cavalieri, implica na “proibição da criação artificial de barreiras de informação, em busca de ocultação de desvantagens para a outra parte ou de enganosa valorização das vantagens que o contrato lhe proporcionará” (in Programa de Direito do Consumidor. 4ª ed.. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2014). Nesta senda, ao se recusar a instruir os consumidores sobre o conteúdo dos seus investimentos, a empresa Demandada está descumprindo com o dever de informá-los sobre as características e qualidades do serviço adquirido.
De igual modo, à luz do art. 8º do CDC e do princípio da boa-fé, não pode uma empresa apresentar um serviço no mercado que possua risco inerente sem que isso seja devidamente informado e assumido pelos clientes, restando evidente que a cláusula segunda, parágrafo segundo, do contrato de adesão do Next, apesar de estabelecer que “o investidor alega que tem conhecimento sobre o mercado de criptomoedas e sabe o risco inerente”, não instrui o consumidor devidamente acerca dos riscos do negócio.
Além disso, o Agravante comprova que os consumidores ficaram desbalizados quanto a questões fundamentais da relação de consumo, como não saberem como funciona o procedimento de cancelamento do contrato , quando que receberiam a devolução dos investimento após a rescisão do negócio e por que não poderiam sacar os valores do saldo interno da empresa, em contrariedade com as regras contratuais anteriores. Essas dúvidas basilares demonstram como não houve uma instrução adequada dos consumidores, sendo agravado pela ausência de um suporte efetivo da empresa.
Outrossim, o Agravante comprova que os Agravados não cumprem as exigências do Decreto Federal nº 6.523/2008, que versa sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), apenas oferecendo aos clientes um suporte ineficiente, porquanto não respondem os e-mails com celeridade nem atendem às ligações, cujos dados não constam no sítio eletrônico da empresa ou nos contratos firmados.
Diante de todo o exposto, denota-se, em sede de cognição sumária, que o modelo de negócio adotado pela DD CORPORATION não se revela sustentável a longo prazo, apresentando reais riscos de colapsar se o crescimento da empresa decair no futuro.
Nesta senda, como a incolumidade patrimonial é um direito básico do consumidor (art. 6º, VI, do CDC), não pode um fornecedor ofertar ao público um serviço que eventualmente irá lesar os seus clientes/afiliados.
Ademais, o Parquet demonstra que existem cláusulas contratuais aparentemente abusivas constantes nos instrumentos contratuais elaborados pelos Agravados.
Destarte, nos Termos e Condições de Uso do Next (robô de arbitragem), quanto ao cancelamento do contrato, a cláusula quarta, parágrafo único, estabelece a possibilidade de o contrato sofrer alterações unilaterais com o tempo e que o investidor aceita previamente essas mudanças, em direta contraposição com a vedação estabelecida no art. 51, inciso XIII, do CDC.
De igual modo, as cláusulas quarta, caput, e quinta, parágrafo terceiro, impõem a renovação automática do contrato, obrigando o investidor a ter que solicitar o cancelamento do contrato após a vigência de 12 meses, para só assim poder rescindir o contrato sem a cobrança de multa e taxa de administração.
Por seu turno, a cláusula sexta prevê que é de inteira responsabilidade do consumidor verificar periodicamente o termo no site da operadora para estar a par de quaisquer mudanças, ou seja, o contrato pode ser modificado sem que o interessado seja notificado sobre tal.
Já a cláusula quinta do contrato estabelece multa contratual rescisória e taxa de administração, caso o consumidor retire os valores investidos antes do prazo de um ano, totalizando 35% do valor sacado, sendo 15% de taxa administrativa e 20% de multa.
Por fim, as cláusulas sexta e nona dispõem que, em caso de violação de certos termos do contrato, o consumidor estaria incorrendo em certas modalidades criminais, o que simplesmente não é razoável em um contrato de adesão.
Lado outro, no Contrato de Prestações de Serviços Educacionais, a cláusula terceira dispõe que, havendo indisponibilidade nos serviços de educação online, as reposições serão feitas de acordo com sua conveniência, não podendo o consumidor reclamar quaisquer prejuízos advindos de tais indisponibilidades, ao passo que a cláusula quinta prevê a possibilidade de a primeira Demandada aplicar sanções disciplinares/administrativas nos contratantes de forma discricionária, ou seja, permite que o fornecedor puna o consumidor com base na sua conveniência.
Neste particular, registre-se que o art. 51 do CDC prevê a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Portanto, a situação fática está bem delimitada na petição inicial e os documentos que a instruem são, a princípio, capazes de formar a convicção do juiz de origem a respeito da plausibilidade do direito invocado pelo Agravante, que restou sobejamente demonstrada na hipótese.
Assim, não se pode permitir a continuidade de condutas fraudulentas por parte dos Agravados, mediante captação de recursos de terceiros com caraterísticas típicas de esquema de pirâmide financeira, assomadas à ausência de informações verídicas, claras, precisas e ostensivas aos vulneráveis consumidores, de modo a constituir afronta direta aos preceitos legais do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, faz-se imprescindível, em defesa precípua da coletividade indeterminada de pessoas, banir a presente estrutura insustentável de negócios no modelo de marketing multinível e uso de cláusulas contratuais abusivas, além de ser necessária a regular prestação do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC).
Por fim, é patente o fundado receio de dano e perigo diante da demora da prestação jurisdicional, vez que a questão envolve práticas aparentemente abusivas cometidas pelos Agravados, pondo em risco a segurança dos consumidores. Caso não sanadas, o quanto antes, as condutas oriundas dos Agravados, os danos à coletividade serão avolumados de tal forma que a devida reparação mostrar-se-á, se não impossível, de árdua realização.
Destarte, conforme pontuado pelo Parquet, caso mantida a postergação da apreciação da tutela de urgência requestada na origem, os Recorridos continuarão agindo de forma fraudulenta, conduzindo muitas pessoas vulneráveis a acreditarem em investimentos indevidos, sem terem quaisquer informações precisas do que consistem os negócios jurídicos entabulados.
Faz-se mister ressaltar que o receio de ineficácia do provimento final não diz respeito tão somente àqueles que, através da formalização de representação, deram origem à investigação, mas, sim, a todos aqueles consumidores que se utilizaram e irão se utilizar dos serviços das empresas Agravadas.
Portanto, em que pese o entendimento do juízo primevo quanto à necessidade de observância do contraditório, percebe-se que a demanda coletiva envolve uma situação em que a concretização do direito não pode aguardar o regular trâmite processual, motivo pelo qual se impõe a necessidade de apreciação e deferimento, inaudita altera pars. do pedido de concessão da tutela de urgência requestada pelo Agravante.
Ante o exposto, VOTO no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso, reformando a decisão objurgada, para deferir o pleito liminar, determinando que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e sob pena de multa diária no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses dos Consumidores, previsto na Lei nº 7.347/85, os Agravados: (i) suspendam toda e qualquer atividade destinada à realização de negócios jurídicos que dependam do prévio aval da Comissão de Valores Imobiliários (CVM); (ii) não ofertem, para o público e contratantes, Contratos de Investimento Coletivo (CIC’s) sobre operações de arbitragem, com ou sem o robô Next, assim como interrompam a realização de quaisquer movimentações financeiras com dinheiro investido por consumidores; (iii) não propaguem/veiculem a falsa expectativa de que as empresas demandadas possuem estrutura sólida e regular no mercado, gozando de seriedade e de chancela dos órgãos públicos competentes; (iv) não continuem ofertando aos consumidores investimentos com base em criptomoedas (Bitcoins) em desrespeito aos arts. 30 e 31 do CDC; (v) não realizem ofertas de investimentos com base em criptomoedas (Bitcoins), assegurando aos consumidores ganhos fraudulentos e inalcançáveis, gerando-lhes falsas expectativas e ocultando-lhes os riscos do empreendimento ilícito, sob pena de caracterização da infração penal intitulada de oferta enganosa; (vi) interrompam a oferta e realização do Marketing Multinível; (vii) não continuem ofertando as comissões denominadas “Bônus de Equipe”, “Matching Bônus”, “Bônus de Liderança”, e as recompensas correlacionadas ao Plano de Carreira da DD CORPORATION, em vista da possibilidade de se tratarem de repasses ilegais em uma pirâmide financeira; (viii) não instituam empreendimentos que engendrem dificuldades pelos consumidores para o acesso à plataforma digital no sítio eletrônico da empresa, zelando para que os interessados possam utilizá-la sem obstáculos infundados; (ix) cumpram os termos dos contratos lícitos que venham a ofertar ao público consumidor após prévia autorização dos órgãos públicos competentes, atendendo às solicitações de estornos e saques, nos moldes da legislação vigente, bem como não alterando unilateralmente o seu conteúdo, sem o prévio aval do contratante; (x) suspendam as disposições contratuais estabelecidas nas cláusulas quarta, caput e parágrafo único, quinta, caput e parágrafo terceiro, sexta, caput, parágrafo terceiro, inciso I, e parágrafo quinto, dos Termos e Condições de Uso do Next (robô de arbitragem) quanto ao cancelamento do contrato; (xi) suspendam as disposições contratuais estabelecidas nas cláusulas terceira e quinta, parágrafos primeiro, segundo e quarto, do Contrato de Prestação de Serviços Educacionais; (xii) no âmbito do desenvolvimento de atividades lícitas autorizadas pelos órgãos públicos competentes, dispor de Sistema de Atendimento ao Cliente (SAC) em conformidade com o Decreto Federal nº 6.523/2008, respeitar os direitos básicos dos consumidores quanto à obtenção de informação adequada e clara sobre os serviços que contratar e de se manter protegido contra práticas abusivas ou ilegais impostas, resolver as demandas dos consumidores sobre informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços, devendo estar disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, constar o número do SAC, de forma clara e objetiva, em todos os documentos e materiais impressos entregues ao consumidor no momento da contratação do serviço e durante o seu fornecimento, bem como na página eletrônica da empresa na Internet, e, no caso de empresa ou grupo empresarial que oferte serviços conjuntamente, garantir ao consumidor o acesso, ainda que por meio de diversos números de telefone, a canal único que possibilite o atendimento de demanda relativa a qualquer um dos serviços oferecidos.
É como voto.
Sala das Sessões da Quinta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, 15 de junho de 2021.
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
BMS02