Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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4ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DA BAHIA.

 


PROCESSO N. 0166492-32.2021.8.05.0001

CLASSE: RECURSO INOMINADO

RECORRENTE: LEANDRO NASCIMENTO FRANCA

RECORRIDA: MARISA FARIAS SANTIAGO

JUÍZO DE ORIGEM: 4ª VSJE DE CAUSAS COMUNS (VESPERTINO)

 

VOTO – EMENTA


 

RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE ALUGUEL. ATRASO DE UM MÊS DE ALUGUEL. PROIBIÇÃO DE ACESSO AO IMÓVEL E RETENÇÃO DOS BENS. INSURGÊNCIA DO LOCATÁRIO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. RETENÇÃO DE BENS ACIMA DO VALOR DEVIDO. PROIBIÇÃO DE ACESSO AO IMÓVEL. INTERVENÇÃO INDEVIDA NA POSSE. DESCUMPRIMENTO DO RITO LEGAL. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ARBITRADO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

 

RELATÓRIO

 

 

1. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

2. Narra a parte Autora, em breve síntese, que firmou contrato de aluguel com a parte Ré e que, por atraso no pagamento de um mês de aluguel, teve seu acesso ao imóvel bloqueado e seus bens retidos.

3. A parte Ré “Marisa Farias Santiago” apresentou contestação (evento de nº. 88) reconhecendo que bloqueou o acesso da parte Autora ao imóvel e reteve seus bens, como garantia, de modo que os liberaria após o pagamento do débito.

4. A parte Ré “Guilherme Amorim” apresentou contestação (evento de nº. 90), arguindo preliminar de ilegitimidade passiva e sustentando que não participou dos atos de constrição narrados pela parte Autora, também não tendo autorizado ou sequer tomado conhecimento.

5. O juízo a quo julgou parcialmente procedente a demanda da inicial e parcialmente procedente o pedido contraposto (evento de nº. 130), determinando a liberação dos bens da parte Autora que foram retidos, que ficaria condicionada ao pagamento do débito, bem como condenando a parte Autora a pagar o valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) a título de débito do aluguel.

6. A parte Autora interpôs recurso inominado (evento de nº. 140).

7. Inicialmente, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela parte Ré “Guilherme Amorim”, posto que, no atual momento processual, sua responsabilidade deverá ser averiguada durante a apreciação do mérito, à luz da Teoria da Asserção. 

8. Analisando os autos, verifica-se que é incontroverso que a parte Ré “Marisa Farias Santiago” obstou o acesso da parte Autora ao imóvel e reteve seus bens.

9. Por outro lado, não há provas de que a parte Ré “Guilherme Amorim” participou de qualquer maneira dos atos narrados.

10. A responsabilidade civil se configura a partir da reunião dos requisitos: dano, nexo causal e elemento subjetivo (dolo ou culpa). Assim, entendo que não há provas de que houve dolo ou culpa da parte “Guilherme Amorim” no que se refere aos fatos narrados, razão pela qual deve ser afastada sua responsabilidade.

11. Resta perquirir se a conduta da parte Ré “Marisa Farias Santiago” está amparada pelo direito.

12. De fato, o art. 1.467 do Código Civil elenca o locatário como credor pignoratício dos bens depositados no imóvel locado.

13. Ocorre que, logo de início, é necessário perceber que o art. 1.469 da mesma Lei esclarece que “o credor poderá tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida”. No caso dos autos, tendo em vista a lista de bens indicados como retidos, que inclui televisão de 65 (sessenta e cinco) polegadas, notebook, caixa de som JBL, verifica-se que houve retenção superior ao valor da dívida, conduta para a qual não há substrato legal.

14. Além disso, os arts. 1.470 e 1.471, ainda da mesma Lei, esclarecem que o credor só poderá fazer “efetivo penhor (SIC)” antes de recorrer à autoridade judicial se houver perigo na demora, dando, ainda, ao devedor o comprovante dos bens de que se apossaram. Destaca a legislação que, nessa hipótese, o credor deverá requerer, logo em seguida, a homologação judicial da penhora.

15. No caso dos autos, contudo, não há penhora nos termos especificados na legislação, mas sim retenção arbitrária dos bens do locatário. Apesar do procedimento estabelecido pela legislação, a parte Ré não comprovou a existência de perigo da demora, não demonstrou ter apresentado comprovante dos bens de que se apossou e nem mesmo buscou a homologação judicial da medida.

16. Assim, tem-se que a parte Ré atuou completamente em desconformidade com a legislação no que se refere à retenção dos bens da parte Autora, devendo ser desconstituído o ato constritivo.  

17. Indo além, demonstrou-se nos autos que a parte Ré obstaculizou o acesso da parte Autora ao imóvel locado.

18. Como é cediço, o locatário detém a posse direta do imóvel, direito real sobre o bem, de maneira que a reintegração da posse deve se dar pelo rito judicial cabível, sob pena de caracterizar-se como exercício arbitrário das próprias razões.

19. A esse respeito, estabelece a Lei nº. 8.245/1991, em seu art. 5º, que, verbis, “seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo”, procedimento que é regulamentado no art. 59 e ss. da mesma Lei.

20. É importante destacar que a moradia se relaciona diretamente com a dignidade humana, tendo proteção de diversos princípios constitucionais, de maneira que sua violação sem fundamento lícito caracteriza dano extrapatrimonial passível de reparação

21. Analisando as peculiaridades do caso à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entendo que a quantia de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) é adequada para reparar o dano sofrido e punir a conduta indesejada.

22. Quanto ao pedido contraposto que se refere à cobrança do valor inadimplido, entendo que é devido o pagamento do mês de aluguel confessadamente não quitado, sendo indevida, contudo, a cobrança de aluguel correspondente a mês posterior ao bloqueio do acesso da parte Autora ao imóvel.

23. Ante o exposto, voto para CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto, reformando a sentença atacada, para desconstituir a retenção de bens realizada ilicitamente pela parte Ré “Marisa Farias Santiago”, determinando a liberação dos bens da parte Autora no prazo de 5 (cinco) dias, sem qualquer condição, sob pena de multa diária no importe de R$ 100,00 (cem reais), bem como para condenar a parte Ré “Marisa Farias Santiago” ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), acrescido de juros a partir da citação e correção monetária contada do arbitramento, mantendo-se o julgamento parcialmente procedente do pedido contraposto, no sentido de condenar a parte Autora a realizar o pagamento do valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) a título de aluguel.

 

Salvador (BA), Sala das Sessões, data registrada no sistema.

 

MARIA VIRGÍNIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ

Juíza Relatora

 


ACÓRDÃO

 

Realizado julgamento do Recurso do processo acima epigrafado, a QUARTA TURMA decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto, reformando a sentença atacada, para desconstituir a retenção de bens realizada ilicitamente pela parte Ré “Marisa Farias Santiago”, determinando a liberação dos bens da parte Autora no prazo de 5 (cinco) dias, sem qualquer condição, sob pena de multa diária no importe de R$ 100,00 (cem reais), bem como para condenar a parte Ré “Marisa Farias Santiago” ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), acrescido de juros a partir da citação e correção monetária contada do arbitramento, mantendo-se o julgamento parcialmente procedente do pedido contraposto, no sentido de condenar a parte Autora a realizar o pagamento do valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) a título de aluguel. Sem custas e honorários advocatícios, porquanto não há recorrente vencido.

 

 

Salvador (BA), Sala das Sessões, data registrada no sistema.

 

MARTHA CAVALCANTE

Juíza Presidente

 

 

MARIA VIRGINIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ

Juíza Relatora