Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0068711-44.2020.8.05.0001
Processo nº 0068711-44.2020.8.05.0001
Recorrente(s):
ITAU UNIBANCO S A

Recorrido(s):
RICARDO SAMPAIO TAVARES





EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. BANCO. DEPÓSITO, TIPO TED, REALIZADO NA CONTA DE TERCEIROS, VIA APLICATIVO. PARTE AUTORA QUE ADMITE QUE PREENCHEU ERRONEAMENTE OS DADOS, PERCEBENDO O ERRO APENAS NO DIA SEGUINTE. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS, PARA CONDENAR A PARTE REQUERIDA A RESSARCIR A PARTE AUTORA, DO VALOR NÃO ESTORNADO OBJETO DA LIDE, DE R$ 783,73 E CONDENAR O BANCO ACIONADO A INDENIZAR A PARTE AUTORA, A TÍTULO DE DANOS MORAIS, NO MONTANTE DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. ARTIGO 14, § 3º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUTOR NÃO SE DESINCUMBE DE PROVAR O SEU DIREITO, A TEOR DO ART. 373, I, DO CPC. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que a Recorrente ITAU UNIBANCO S A pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS, para: A.          CONDENAR a parte requerida a ressarcir a parte autora, do valor não estornado objeto da lide, de R$ 783,73 (setecentos e oitenta e três reais e setenta e três centavos), devendo incidir juros, na taxa de 1% ao mês, contados a partir da citação (art. 405 do CC), e correção monetária (pelo INPC) a partir do evento danoso (desembolso); B. Condenar o banco acionado a indenizar a parte autora, a título de danos morais, no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor este que deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, a partir da sentença, consoante enunciado 362 do STJ, e juros legais a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

 

VOTO

   

Relata a parte autora que é correntista do Banco Réu, possuindo a conta corrente de nº. 0000097-2 agência 5276, como se pode verificar pelo extrato bancário de TED que por acosta aos autos. No dia 31 de março de 2020, o requerente efetivou uma operação bancária simples de transferência de valores de sua conta corrente para a conta corrente de seu filho, também correntista do requerido Banco. Assim, a transferência no valor de R$ 783,73 efetivou-se sendo imediatamente descontado este valor da conta corrente do autor. Ocorre que o autor incorreu em erro material na digitação da agência bancária destinatária da transferência noticiada, pelo que entrou em contato imediatamente com a sua agência, por meio da sua gerente, que se comprometeu a providenciar o devido estorno do valor (que acabou sendo transferido para terceiro estranho). Denuncia, contudo, que a gerente do banco réu informou que não poderia resolver a situação, de modo que o autor nunca alcançou o estorno a que tem direito. Requereu o estorno da quantia objeto da TED errada, no valor de R$ 783,73; além da indenização pelos danos morais suportados.

 

A sentença foi de parcial procedência, com RECURSO DO BANCO alegando que inexiste de falha na prestação de serviço, por culpa exclusiva da parte autora, vez que digitou incorretamente as informações necessárias, ocasionando o fato reclamado. Que a própria parte autora reconhece e afirma na sua inicial que digitou de forma errônea os dados bancários, e que somente teve ciência da situação no dia seguinte à realização da transferência bancária/TED. Que foi a própria requerente quem inseriu os dados da conta beneficiada, podendo inclusive, antes de concluir a transação ter confirmado o nome da pessoa que iria receber o valor. Que o banco, em casos de transferência entre contas do Itaú, não pode atuar, tendo em vista que o valor é liberado assim que autorizado. Pugna pela inexistência de danos morais ou materiais, bem como improcedência da ação.

Pois bem.

 

Primeiramente, faz-se importante salientar que o sistema de liquidação de transferência de fundos deve prever a possibilidade de cancelamento de TED não liquidada nos termos do regulamento de cada instituição financeira, conforme previsto no art. 6º da Circular 3.115/2002 do BACEN.

 

Não obstante, uma vez concretizada a transferência, a restituição de valores erroneamente transferidos somente pode ser efetivada com a expressa autorização do titular da conta beneficiada, conforme estabelecido no art. 3º. da Resolução 4.790, DE 26 DE MARÇO DE 2020, do BACEN[2].

 

É certo que, em transferências ou depósitos realizados em caixas eletrônicos ou aplicativos, o depositante é o responsável pelo preenchimento de todos os dados e, na finalização do procedimento, pela confirmação dos dados digitados, inclusive o nome do beneficiário. Diferente seria se o procedimento tivesse sido realizado por algum funcionário da instituição financeira.

 

No caso concreto o próprio autor afirma que, ao efetuar a transferência do valor, digitou os dados errado, ou seja, foi a atuação manifestamente equivocada do consumidor que ensejou o dano por ele sofrido, restando daí rompido o nexo de causalidade a evidenciar responsabilidade do banco réu no evento danoso. Não bastasse isso, o autor não produziu prova mínima de que tenha contatado o banco para realizar o estorno no mesmo dia da operação equivocada e antes de sua liquidação.

 

Ressalta-se que, mesmo havendo inversão do ônus da prova, o consumidor não está isento da produção de provas mínimas do fato por ele alegado (art. 373, I, do CPC), além de exigir, para sua caracterização, a verossimilhança das alegações.

 

Salienta-se, ainda, que o Banco não poderia estornar qualquer valor depositado em conta corrente regular, sem autorização do respectivo titular da conta de destino.

 

 O artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados a terceiros relativos à prestação dos serviços. Em seu parágrafo 3º consta que o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, o que se observa no caso concreto. Em suma, inexistiu falha na prestação de serviço do Banco e restou configurada a excludente de responsabilidade constante no artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, qual seja, culpa exclusiva do autor.

 

Da análise detida dos autos depreende-se que não há nenhum ilícito atribuível à demandada. Conquanto, nos termos do art.14, parágrafo 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, HÁ EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DE SERVIÇOS QUANDO PROVAR A CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR ou de terceiros, como no caso em comento, em que a parte reclamante admite ter, ela mesma, realizado o preenchimento errôneo da TED.

 

Deste modo, ausente o nexo causal entre a conduta do Recorrente e o dano sofrido pela Recorrida, não pode aquela ser responsabilizada. No que se refere aos danos morais, não obstante os inegáveis dissabores sofridos pela Recorrida, em virtude da lesão patrimonial em apreço, infere-se que tais aborrecimentos são intrínsecos ao furto e normais em situações semelhantes.

 

De qualquer modo, ao final da operação foi emitido o comprovante de transferência, no qual consta de forma expressa o nome do favorecido e os dados da agência e conta em que efetuada a transação bancária. Nesta senda, era de rigor que o cliente tivesse conferido no ato a correção da operação, o que não logrou fazer, já que alega que somente no dia seguinte percebeu o erro, fato que inviabilizou o estorno da quantia.

 

Assim, à míngua de prova suficiente de qualquer responsabilidade da instituição bancária no evento danoso, não há como acolher os pedidos formulados. O banco, embora mantenedor da conta, não possui ingerência e não pode movimentar valores daquela conta sem a autorização do seu titular, sob pena de praticar ato ilícito[3]. O estorno interventivo, por justificado engano, erro da autora, não mascara que o seu despertar tardio já não lhe permitia com autoridade desejar que as instituições financeiras aplacassem o fato com o simples estorno. O terreno do permitido seria o de ir, no máximo, à realização de bloqueio, para assegurar que eventual embate entre os efetivos envolvidos pudesse vir a acontecer. Naturalmente que, em via própria e não nestes autos.

 

De tal modo, entendo não ter restado devidamente provado o direito alegado pelo autor. Logo, não havendo prova do ato ilícito, não há que se falar em dano, muito menos, em dever de indenizar, pois incube ao autor a prova de seu direito e, inexistindo esta, a causa não pode ser decidida em favor daquele que não se desincumbiu de prová-la.

 

Sendo assim, inexistente o nexo de causalidade entre qualquer conduta do banco e os danos alegados pelo autor, NÃO se mostra escorreita a sentença ao julgar procedentes os pedidos iniciais. Pelo que a reformo para improcedência.

 

Por fim, fica ressalvada a possibilidade de o autor buscar junto ao titular da conta de destino a restituição do montante transferido indevidamente.

 

Ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso ofertado pela instituição financeira, para, reformando a sentença de piso, JULGAR IMPROCEDENTE a ação. Sem condenação em custas ou honorários advocatícios, devido à ausência de previsão legal.

 

Salvador, Sala das Sessões, 23 de março de 2021.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

ACÓRDÃO

 

Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, MARIAH MEIRELLES DE FONSECA, ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA e ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso ofertado pela instituição financeira, para, reformando a sentença de piso, JULGAR IMPROCEDENTE a ação. Sem condenação em custas ou honorários advocatícios, devido à ausência de previsão legal.

 

Salvador, Sala das Sessões, 23 de março de 2021.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA

Juiz Presidente



[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2] Art. 3º A realização de débitos nas contas mencionadas no art. 1º depende de prévia autorização do seu titular. [...] Ficam revogados: I - a Resolução nº 4.771, de 19 de dezembro de 2019; II - os arts. 3º e 4º da Resolução nº 3.695, de 26 de março de 2009; e III - o art. 2º da Resolução nº 4.649, de 28 de março de 2018.

[3] Apelação Cível. Direito do Consumidor. Correntista que, ao fazer depósito em caixa eletrônico, em 15/04/2016, digitou conta errada, imputando ao banco a responsabilidade pela recusa a efetuar o estorno da operação. Sentença de improcedência do pedido. Autor que não comprovou o requerimento, em tempo hábil, do estorno pretendido. Protocolo informado no apelo que dataria de 27/04/2016, 12 dias após a transferência, quando não mais possível ao banco recuperar os valores sem a concordância do beneficiário da transferência. Autor que se equivocou ao comandar o depósito e ao não requerer seu imediato cancelamento. Impossibilidade de se imputar a responsabilidade ao banco. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 01951436020168190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 51 VARA CIVEL, Relator: MARCO ANTONIO IBRAHIM, Data de Julgamento: 18/04/2018, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/04/2018)