PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
| Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8003625-46.2023.8.05.0110 | ||
| Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | ||
| APELANTE: VALMIR FERREIRA DOS SANTOS | ||
| Advogado(s): RAMON NUNES DA SILVA | ||
| APELADO: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A. | ||
| Advogado(s):ENY BITTENCOURT |
MAF 10
| ACORDÃO |
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONTRATO BANCÁRIO. RELAÇÃO JURÍDICA. COMPROVADA. PESSOA ANALFABETA. AUSENTE VÍCIO NO ATO DO CONTRATO. ASSINATURA A ROGO. PRESENTES DUAS TESTEMUNHAS. REQUISITOS DO ARTIGO 595/CC. PREENCHIDOS. TEMA 1116, STJ. CONTRATO VÁLIDO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de n.º 8003625-46.2023.8.05.0110, em que figuram como apelante VALMIR FERREIRA DOS SANTOS e como apelada BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A..
ACORDAM os magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível do Estado da Bahia, por maioria, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do relator.
Salvador, data registrada em sistema.
Presidente
Des. Antônio Maron Agle Filho
Relator
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
| DECISÃO PROCLAMADA |
Voto da relatora pelo provimento parcial, Desembargador Antônio Maron Agle Filgo divergiu votando pelo não provimento, Desembargadora Marielza Brandão Franco acompanhou a relatora. Resultado provisório: Provimento parcial. Por maioria. Ampliada a turma Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia e o Desembargador Francisco de Oliveira Bispo acompanharam a divergência. Resultado definitivo: Negou-se provimento. Por maioria. Designado o Desembargador Antônio Maron Agle Filho para lavrar o acórdão. Realizou sustentação oral na sessão do dia 10/09/2024 Dr. Iuri Lemos.
Salvador, 24 de Setembro de 2024.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
| Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8003625-46.2023.8.05.0110 | |
| Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | |
| APELANTE: VALMIR FERREIRA DOS SANTOS | |
| Advogado(s): RAMON NUNES DA SILVA | |
| APELADO: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A. | |
| Advogado(s): ENY BITTENCOURT |
| RELATÓRIO |
Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto por VALMIR FERREIRA DOS SANTOS, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE IRECÊ que julgou improcedentes os pedidos na "AÇÃO ANULATÓRIA C/C DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS", ajuizada contra BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A., nos seguintes termos:
“ Por tudo que foi exposto, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE a presente ação, nos termos do art. 487, I, do CPC. Sucumbente, arcará o Requerente com as custas processuais e com os honorários advocatícios à patrona do Requerido, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, na forma dos parágrafos 2º, 3º, I, e 4º, III e IV, do art. 85, do CPC, ficando desde já sobrestada a execução de tais verbas, na formado art. 12, da Lei n.º 1.060/50 e art. 98, §3º, do CPC. Publique-se. Intime-se. Registre.” (id 66867482)
Nas razões recursais de ID 66867485 a parte apelante requer a reforma da sentença por inexistência da contratação, pois durante toda instrução ficou devidamente comprovado que nunca existiu qualquer contrato assinado pela Apelante, conforme.
Ademais, ainda que houvesse este seria totalmente nulo, pois a mesma é analfabeta e não tem qualquer conhecimento para proceder referido negócio jurídico.
Salienta-se ainda que nenhuma procuração pública foi outorgada pela Apelante para que terceiros contratasse em seu nome, pelo que é nulo de pleno direito o contrato questionado na presente demanda.
Contrarrazões apresentadas arguindo preliminar de ausência de dialeticidade pugnando no mérito pelo desprovimento do recurso.
Os autos foram distribuídos à Terceira Câmara Cível, cabendo-me, por sorteio, a relatoria, e, após examiná-los, lancei neles o presente relatório.
Solicito inclusão em pauta de julgamento pela secretaria da Câmara, ressaltando que CABE sustentação oral nos moldes do art. 187, I, do RITJBA.
Salvador/BA, datado e assinado eletronicamente.
Desa. Lícia Pinto Fragoso Modesto
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
| Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8003625-46.2023.8.05.0110 | ||
| Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | ||
| APELANTE: VALMIR FERREIRA DOS SANTOS | ||
| Advogado(s): RAMON NUNES DA SILVA | ||
| APELADO: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A. | ||
| Advogado(s): ENY BITTENCOURT |
MAF 10
| VOTO |
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Inicialmente, registra-se que o pleito de concessão da gratuidade judiciária foi deferido no primeiro grau (ID 66867164), razão pela qual deve ser estendido a esta fase recursal, sendo dispensado, portanto, do preparo (art. 98, §1º, VIII, CPC).
No tocante à preliminar de ausência de dialeticidade recursal suscitada pelo apelado, esta não merece ser colhida, pois, diante da análise da peça recursal, não se verifica o afastamento das razões de recurso dos fundamentos da sentença recorrida, de modo que o seu teor apenas reflete a tese de que pretende a apelante ver examinada pela Segunda Instância, o qual se confronta com a fundamentação da sentença de primeiro grau.
Pelas razões acima expostas, rejeito a prefacial suscitada.
Superada a questão preliminar, adentro à análise do mérito recursal.
Submete-se à apreciação desta Corte a pretensão da apelante contra sentença que julgou improcedente os seus pedidos, de modo que pleiteia a anulação do contrato, que afirma não ter celebrado, aduzindo, ainda, a invalidade do mesmo, por ser o apelante pessoa analfabeta.
Inicialmente, aplicam-se ao presente julgamento as normas, princípios e regras insculpidas no Código de Defesa do Consumidor, considerando que as partes se adequam ao conceito de consumidor e prestador de serviços nos termos dos artigos 2º e 3º, do referido diploma legal.
Diante disso, tratando-se de típica relação de consumo, tem-se que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de seus serviços, somente se eximindo do dever de indenizar se provar a ocorrência de uma das causas excludentes de responsabilidade (art. 14, do CDC).
De qualquer modo, tratando-se de ação declaratória de inexistência de débito, seja consumerista, ou não, o ônus da prova recai sobre o réu, porque a parte autora não alega fato constitutivo de direito seu, mas negativo do direito da requerida, a quem cabe comprovar, portanto, a existência do débito.
Desta forma, é do réu o ônus de apresentar a documentação relativa ao contrato que alega existir, até porque não é possível à autora comprovar a inexistência do contrato.
Colhe-se dos autos que a apelante é pessoa idosa e analfabeta, o que, em razão do segundo aspecto, para garantir a validade do instrumento contratual, poderá este ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas, conforme dispõe o artigo 595, do Código Civil, sob pena de nulidade.
In casu, a Instituição financeira acostou aos autos o contrato de ID 66867167, assinado a rogo pelo autor, e também subscrito por duas testemunhas, sendo uma delas, inclusive, sua filha, atendendo, deste modo, ao previsto no mencionado dispositivo legal.
Neste contexto, é mister salientar que, em se tratando dos requisitos para a validade de contrato de empréstimo consignado, é imperiosa a necessidade de que sua formalização seja escrita, a fim de demonstrar a observância da Instituição financeira ao dever de informação, imprescindível para o consumidor, garantindo, por conseguinte, que este esteja plenamente consciente das cláusulas ali pactuadas.
Ademais, como sabido, a liberdade de contratar é também assegurada ao analfabeto e àquele que esteja impossibilitado de ler e escrever. Nestas hipóteses, então, como é a dos autos, para que haja a manifestação inequívoca de consentimento acerca dos termos do contrato celebrado, é imprescindível que haja a atuação de um terceiro, seja a rogo, seja por meio de procuração pública.
É neste diapasão, pois, que o artigo 595, do Código Civil, garante o acesso à informação àqueles que não sabem ler ou escrever - direito imprescindível ao regular exercício da liberdade de contratar -, ao dispor que:
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. - destaque meu.
Neste mesmo sentido, pois, é o atual entendimento jurisprudencial:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR IDOSO ANALFABETO. VALIDADE. REQUISITO DE FORMA. ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS. ART. 595 DO CC. ATENDIMENTO FORMA PRESCRITA EM LEI. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a contratação de empréstimo por pessoa analfabeta pode ser realizada mediante instrumento particular assinado a rogo, na presença de duas testemunhas. 2. É válida a contratação por analfabeto quando cumpridos os requisitos previstos no artigo 595 do Código Civil, ou seja, com assinatura a rogo, na presença de duas testemunhas. 3. Comprovada a regularidade do negócio jurídico celebrado entre os litigantes, com observância à forma legal exigida para contratação com pessoa analfabeta, não há que se falar em declaração de inexigibilidade do contrato de cartão de crédito consignado, nem mesmo repetição do indébito ou indenização por danos morais. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.
(TJ-GO 5101800-18.2023.8.09.0110, Relator: WILTON MULLER SALOMÃO - (DESEMBARGADOR), 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/03/2024) – destaque meu.
APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DO CONSUMIDOR – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – CONTRATO FIRMADO POR PESSOA ANALFABETA OU IMPOSSIBILITADA DE ASSINAR – ATENDIMENTO ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS DO CC/02 – REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO – ATENDIMENTO AO ART. 373, II DO CPC, E ART. 6, III DO CDC – AUSÊNCIA DE DUBIEDADE DO CONTRATO, NOS TERMOS DO TEMA 05 DO IRDR PROVENIENTE DESTA E. CORTE DE JUSTIÇA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. No presente caso, o douto magistrado entendeu que o banco desincumbiu-se de comprovar a regular pactuação do contrato de cartão de crédito consignado, motivo pelo qual a mera arguição de inexistência de relação jurídica não seria suficiente para desconstituir as evidência de validade do negócio jurídico, fls. 249-250; II. Incorrigível a sentença vergastada, vez que, de fato, o banco desincumbiu-se do seu ônus do art. 373, II do CPC, demonstrando a regularidade do negócio jurídico. III. Conforme o STJ, pessoas analfabetas ou impedidas de assinar podem contratar, porquanto plenamente capazes para exercer os atos da vida civil, desde que a sua manifestação de vontade cumpra as exigências legais: a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a firma de duas testemunhas – o que fora plenamente atendido no caso em apreço; IV. Além disso, analisando detidamente o contrato de fls. 241-244, verifica-se que ele fornece todas as informações a respeito dos encargos incidentes, bem como pelo fato de que os itens da Tese 2 do IRDR 0005217-75.2019.8.04.0001 foram plenamente atendidos, a saber: item a pela cláusula X e 10.1; item b pela cláusula 11.10; item c pela cláusula 10.1; item d pela cláusula 8.1; e item e pelas cláusulas 8.3, 9.1 e 9.2, com visível destaque para as cláusulas priorizadas pelos itens do IRDR mencionado; V. Além disso, verifico que a parte autora não comprovou a efetiva lesão sofrida, de forma que não trouxe nenhum elemento a comprovar o efetivo desconto em seu benefício previdenciário do empréstimo que alegou ser fraudulento. Em casos semelhantes, a jurisprudência pátria tem julgado improcedentes as demandas que carecem de comprovação do dano sofrido; VI. Sentença mantida; VII. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-AM - Apelação Cível: 06007800320238043200 Borba, Relator: Yedo Simões de Oliveira, Data de Julgamento: 01/06/2004, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 31/07/2024) – destaque meu.
De mais a mais, entendendo, ainda, que a exigência de procuração pública como requisito para a validade do contrato celebrado por pessoas analfabetas não encontra amparo jurídico, o TJ/CE fixou a seguinte tese:
“(…) É considerado legal o instrumento particular assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas para a contratação de empréstimos consignados entre pessoas analfabetas e instituições financeiras, nos ditames do art. 595 do CC, não sendo necessário instrumento público para a validade da manifestação de vontade do analfabeto nem procuração pública daquele que assina a seu rogo, cabendo ao poder judiciário o controle do efetivo cumprimento das disposições do artigo 595 do código civil (…)" - destaque meu.
Por fim, é salutar o destaque de que validade (ou não) da contratação de empréstimo consignado por pessoa analfabeta, mediante instrumento particular assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas, fora matéria discutida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, durante o julgamento do REsp 1.868.099-CE (Tema 1116), sob a relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, nos seguintes termos:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM ANALFABETO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ENUNCIADO N. 284/STF. 2. ÔNUS DA PROVA. QUESTÃO ADSTRITA À PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO FINANCEIRA. APRECIAÇÃO EXPRESSA PELO TRIBUNAL LOCAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. 3. VALIDADE DE CONTRATO FIRMADO COM CONSUMIDOR IMPOSSIBILITADO DE LER E ESCREVER. ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO. EXPRESSÃO DO LIVRE CONSENTIMENTO. ACESSO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES CONTRATADAS. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de violação do art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão tornou-se omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula n. 284/STF. 2. Modificar o entendimento do Tribunal local acerca do atendimento do ônus probatório não prescinde do reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável devido ao óbice da Súmula 7/STJ. 3. A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. 4. Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei. 5. O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. 6. Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3º, III, da Lei n. 10.820/2003). 7. A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1º da Resolução CMN n. 3.694/2009). 8. Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento. 9. A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei. 10. A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar. 11. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de assinatura a rogo no caso concreto, a alteração do acórdão recorrido dependeria de reexame de fatos e provas, inadmissível nesta estreita via recursal. 12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(STJ - REsp: 1868099 CE 2020/0069422-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 15/12/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2020)” – destaque meu.
Isto posto, então, considerando o contrato acostado aos autos (ID 66867167, pág. 9), resta evidente que o requisito previsto no Código Civil para a validade de contrato celebrado por pessoa analfabeta se encontra devidamente preenchido, não havendo razão, portanto, para discutir sua higidez ou sua legitimidade.
Conclusão:
Diante do exposto, então, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, de modo que mantenho incólume a sentença vergastada, por seus próprios fundamentos.
É, pois, como voto.
Sala das Sessões, data registrada em sistema.
Des. Antônio Maron Agle Filho
Relator
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
| Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8003625-46.2023.8.05.0110 | ||
| Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | ||
| APELANTE: VALMIR FERREIRA DOS SANTOS | ||
| Advogado(s): RAMON NUNES DA SILVA | ||
| APELADO: BANCO ITAU BMG CONSIGNADO S.A. | ||
| Advogado(s): ENY BITTENCOURT |
| VOTO |
O recurso de Apelação é próprio e tempestivo. Preenchidos os demais requisitos necessários à sua admissibilidade, dele conheço.
Em preliminar, a parte apelada alega a ausência de dialeticidade recursal.
Pois bem.
Constatando-se que a apelante se insurgiu contra os fundamentos da sentença, não há que se falar violação ao princípio da dialeticidade.
Assim, REJEITO a preliminar arguida.
Superada a análise da preliminar, passo ao exame do mérito recursal.
A validade do negócio jurídico firmado por pessoa analfabeta depende de escritura pública ou da participação de procurador constituído por instrumento público.
Neste sentido, Humberto Theodoro Júnior leciona:
"O analfabeto, como não sabe grafar o próprio nome, não pode se obrigar por instrumento particular, a não ser mediante representação por procurador. A chamada"assinatura a rogo", isto é, assinatura de terceiro dada a pedido do analfabeto, não tem eficácia alguma, a não ser nos casos em que a lei excepcionalmente autoriza o mandato verbal (para negócios jurídicos em que não se exige forma escrita, o mandato pode ser verbal, conforme dispõe o art. 657, a contrario sensu). De igual forma, não vale como assinatura a aposição de impressão digital em escritura privada, nas circunstâncias em que a lei exige a assinatura autógrafa. Como o analfabeto (ou qualquer pessoa que esteja impossibilitada de assinar) somente poderá participar do instrumento particular mediante procurador, o mandato que a esse outorgar terá de ser lavrado por escritura pública, pois é esta a única forma de praticar declaração negocial válida sem a assinatura autógrafa da pessoa interessada". (Comentários ao Novo Código Civil, V. III, T. II, 2a ed., Saraiva, pp. 479/480).
No presente caso, o contrato de empréstimo foi realizado sem a observância das formalidades legais mencionadas acima, pois foi assinado a rogo, visto que a parte autora é pessoa analfabeta, conforme o documento de identidade (ID 66867150).
A relação jurídica travada entre as partes é inegavelmente de consumo, estando submetida às disposições da Lei nº 8.078/90, o que atrai a aplicação do art. 6º, III, que prevê o direito do consumidor "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Os fornecedores, mesmo após a tramitação de várias ações similares a esta, privilegiam a rapidez e a desburocratização na prestação de serviços e deixam de adotar medidas mais cautelosas no momento da contratação, atraindo para si o risco advindo de tal conduta, devendo a parte ré responder pelos danos causados à parte autora.
Considerando a ausência do formalismo necessário para a validade do negócio jurídico por pessoa analfabeta, não é possível constatar que a parte autora realmente sabia da contratação em si e das disposições contratuais.
No caso dos autos, verifica-se que apesar das razões acostadas em contrarrazões, não há como conferir legalidade à contratação de empréstimo consignado por pessoa analfabeta, nos moldes como realizado, não bastando a prova da disponibilização do crédito para conferir legitimidade à operação.
Isto porque, ainda que o artigo 595 não disponha acerca da exigência de instrumento público para realização de contrato por quem não saiba ler, é imprescindível que tal previsão legal seja interpretada de acordo com os demais princípios norteadores do negócio jurídico, tais quais a função social do contrato e a boa-fé objetiva.
Na mesma esteira, dispõe o artigo 6º, III, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Neste sentido, mostra-se necessário tutelar a necessidade da existência de instrumento público de representação, apto a conferir legitimidade ao ato praticado por quem acostou sua assinatura a rogo em favor de pessoa de baixa instrução, porquanto óbvia a incapacidade desta para compreender a aquisição de crédito.
Acerca do mandato, por meio do qual se pratica atos em representação, como na espécie dos autos, dispõe o Código Civil:
Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.
Dos aludidos prescritivos legais se extrai não ser possível a existência de procuração verbal quando o ato a que se destina exigir a celebração por escrito, como nos contratos de empréstimo consignado.
Para além, somente é válida a realização de instrumento de procuração particular quando presente a assinatura do outorgante.
Daí que em se tratando de pessoa analfabeta, que ao tempo da assinatura do vínculo discutido nos autos não possuía instrução suficiente para assinar documentos, a assinatura a rogo no instrumento de empréstimo exigia instrumento público de procuração.
Ressalte-se que, de fato, o contrato firmado com o banco não exigia formalidade de ato público, o que não implica na desconsideração da necessidade de que a procuração fornecida pela consumidora contratante observasse tal formalidade, sob pena de se considerar nulo o instrumento.
Ora, nos termos do artigo 166, V, do Código Civil, constitui nula a contratação em que foi preterida solenidade que a lei considere essencial, como, in casu, o instrumento público de procuração apto a presumir a regularidade da outorga de mandato por pessoa analfabeta para quem realiza assinatura a rogo em seu nome, não podendo ser conferida legitimidade ao ato apenas com base na existência da assinatura de duas testemunhas no ato.
Se não bastasse, releva consignar que a disponibilização do crédito não implica em presunção de legalidade, sobretudo num contexto em que, como sabido, os encargos incidentes sobre o contrato tornam o valor das obrigações muito superiores aos da quantia cedida em favor do consumidor. Repisa-se que embora o banco recorrido tenha confirmado a contratação do empréstimo consignado, em nenhum momento demonstra que foi informada à consumidora as condições do negócio e, pois, a legalidade do ato.
Conclusão desta natureza não é alterada pelo fato da assinatura a rogo ter sido realizada pelo próprio filho da demandante, cuja proximidade, por si só, não pode ser presumida como autorização para representação indistinta de sua genitora, sobretudo num contexto em que a legislação exige solenidade diversa.
A responsabilidade da fornecedora de serviços decorre do simples fato de se dispor a realizar atividade de produzir, distribuir e comercializar produtos ou executar ou operar determinados serviços, chamados de risco do empreendimento ou da atividade.
Eventuais falhas cometidas por pelos prepostos, ao finalizar a pactuação de instrumento para o qual não é observada a solenidade legalmente prevista, implica no reconhecimento da ilegalidade do vínculo e, pois, na necessidade de retorno da situação ao status quo ante.
Conclui-se, pois, não ter sido demonstrada a validade da contratação do crédito impugnado na exordial, atraindo a ilegalidade da cobrança procedida nos ativos financeiros da autora com base no instrumento viciado, o que não é alterado pela disponibilização do crédito em sua conta corrente, pelo que a declaração de inexigibilidade e a devolução de valores debitados é, pois, medida que se impõe.
Uma vez reconhecida a nulidade do contrato de empréstimo (art. 166, IV e V, do CC), as partes devem retornar ao estado em que antes dele se achavam (art. 182 do CC).
Quanto à repetição do indébito, dispõe o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor quev"o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Segundo a jurisprudência do STJ, o engano é considerado justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do prestador do serviço público. Assim, a repetição de indébito em dobro pressupõe pagamento indevido e má-fé do credor.
Na espécie, é medida que se impõe a improcedência da pretensão de repetição do indébito em dobro, eis que, apesar de reconhecida a cobrança indevida, inexiste prova da má-fé da parte apelada.
Quanto aos danos morais, os descontos mensais indevidos efetuados no benefício previdenciário da parte autora, verba de caráter alimentar, repercutiu nos seus direitos da personalidade, ensejando ao réu o dever de indenizar.
Ao arbitrar o valor da indenização por dano moral, o juiz deve levar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além do caráter pedagógico da condenação, no sentido de inibir eventuais e futuros atos danosos.
Com efeito, a condenação não deve ser aquém, de forma que não sirva de repreensão para quem tem o dever de pagá-la, nem além, que possa proporcionar o enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização, sob pena de desvirtuar o instituto do dano moral.
Sobre os critérios que devem ser levados em conta na fixação do quantum indenizatório, ensina Maria Helena Diniz:
"A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor. E uma compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender as necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento."
Atenta às peculiaridades do caso em comento, entendo que a quantia de R$ 10.000,00 é suficiente e adequada para, ao mesmo tempo, evitar o enriquecimento da vítima e proporcionar um desestímulo ao ofensor, proporcionando um equilíbrio entre as partes.
Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR E DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para reformar a sentença e:
a) declarar a nulidade do contrato de empréstimo consignado objeto desta ação;
b) condenar o apelado a restituir de forma simples os valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante, que deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada desconto, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação;
c) condenar o apelado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$10.000,00, corrigido monetariamente pelo INPC desde a publicação deste acórdão e acrescido de juros de mora a partir da citação.
Em razão da reforma da sentença e da sucumbência recíproca, 25% das custas e despesas processuais serão suportadas pela autora e os 75% restantes pelo réu (art. 86 do CPC).
Em relação aos honorários sucumbenciais, fixo-os em 15% sobre o valor da condenação, devendo a autora suportar 25% e o réu os 75% restantes, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado nos termos do art. 85, §§ 2º, 14 e 16, do CPC.
Ficam as obrigações decorrentes da sucumbência suspensas em relação à autora, tendo em vista o deferimento da justiça gratuita e o disposto no art. 98, § 3º, do CPC.
Salvador/BA, datado e assinado eletronicamente.
Desa. Lícia Pinto Fragoso Modesto
Relatora