PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



ProcessoAGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8027646-33.2020.8.05.0000
Órgão JulgadorPrimeira Câmara Cível
AGRAVANTE: BANCO BRADESCO SA
Advogado(s)TADEU CERBARO, ELOI CONTINI
AGRAVADO: HOSPITAL EVANGELICO DA BAHIA
Advogado(s):DIEGO MONTENEGRO SAMPAIO E SILVA, ADRIANA RIBEIRO MAGALHAES

 

ACORDÃO

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. STAY PERIOD. AFASTADA APLICAÇÃO DO ART. 219 DO CPC. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DE PARTE DA INSURGÊNCIA. ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. HOSPITAL. ATIVIDADE ECONÔMICA. FUNÇÃO SOCIAL. POSSIBILIDADE DE PROCESSAMENTO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.  

A C Ó R D Ã O 

Vistos, relatados e discutidos os autos do agravo de instrumento nº 8027646-33.2020.8.05.0000, oriundo da comarca de Salvador, em que figura, como agravante, Banco Bradesco SA, e, como agravado, Hospital Evangélico da Bahia.

A C O R D A M os Senhores Desembargadores integrantes da Turma Julgadora da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, por unanimidade, em CONHECER PARCIALMENTE e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento, pelas razões contidas no voto condutor.

Sala de Sessões, ____ de __________________ de 2021. 

Presidente 

Desª. Pilar Célia Tobio de Claro

Relatora 

Procurador(a) de Justiça

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

 

DECISÃO PROCLAMADA

Conhecido e não provido Por Unanimidade

Salvador, 22 de Março de 2021.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8027646-33.2020.8.05.0000
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
AGRAVANTE: BANCO BRADESCO SA
Advogado(s): TADEU CERBARO, ELOI CONTINI
AGRAVADO: HOSPITAL EVANGELICO DA BAHIA
Advogado(s): DIEGO MONTENEGRO SAMPAIO E SILVA, ADRIANA RIBEIRO MAGALHAES

 

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Banco Bradesco SA, contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara Empresarial da comarca de salvador, que, nos autos da recuperação judicial nº 8074034-88.2020.8.05.0001, movida pelo Hospital Evangélico da Bahia, deferiu o processamento da recuperação judicial da agravada, pessoa jurídica de direito privado, constituída na modalidade de associação civil sem fins lucrativos.

 No agravo, o recorrente sustentou, em síntese:

 - que apesar de ainda não ter sido publicado o edital a que alude o art. 52, §1º da Lei nº 11.101/05 e de não ter sido listado como credor na relação apresentada pela devedora, detém créditos sujeitos ao processamento da recuperação, aguardando neste momento a abertura de prazo para regular habilitação;

 - que a Lei é clara no sentido de que “disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária” e deve ser interpretada em conjunto com os artigos 966, 967 e 982, todos do Código Civil. Do artigo 967 infere-se que para que seja considerado empresário é imprescindível a inscrição na Junta Comercial. O disposto no artigo 982, por sua vez, considera empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro. Desse modo, arguiu ser impossível enquadrar a associação civil no conceito de empresário.

- que “a possibilidade de recuperação judicial/falência somente aos empresários ou sociedades empresárias é posicionamento já consolidado, uma vez que previa o Decreto-Lei n.º 7.661/45 que se considerava “falido o comerciante”, mantendo-se o sistema adotado no Direito Brasileiro quanto à sujeição no processo falimentar de forma restritiva. Tanto é assim, que o artigo 2º exclui até mesmo de algumas sociedades empresárias a possibilidade de recuperação judicial”.

- que a sistemática do Código de Processo Civil de 2015 determina que sejam os prazos computados em dias úteis, contudo, a lei é clara ao referir que trata, tão somente, de prazos processuais, conforme refletem os artigos 212, caput, e 219, parágrafo único do referido diploma legal;

- que os prazos para apresentação do PRJ (artigo 53), da suspensão das ações e execuções movidas contra as recuperandas (artigo 6º, §4º) e da realização da AGC (artigo 56, §1º), devem ser considerados, tecnicamente, como prazos materiais, visto que não determinam tempo para a prática de ato processual;

Requereu, ao final, que o recurso fosse recebido no seu efeito ativo e, no mérito, o seu provimento para determinar (i) a suspensão da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial à associação civil até o julgamento definitivo do mérito, e, subsidiariamente, (ii) a imediata determinação da contagem dos prazos dos artigos 6º, § 4º e 53, da Lei n.º 11.101/05 de forma contínua.

O recurso fora distribuído à Primeira Câmara Cível, cabendo-me, por sorteio, a relatoria.

Em juízo de cognição sumária, por não entrever a presença dos requisitos legais exigidos para a concessão da tutela de urgência, indeferi a medida pleiteada.

Regularmente intimada, a agravada apresentou suas contrarrazões ao id. 11024818, pugnando, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso instrumental no tocante ao cômputo dos prazos em dias úteis por falta de interesse recursal e, no mérito, requereu o improvimento da insurgência.

É o que me cumpre relatar. 

Salvador, ____ de __________________ de 2021. 

Desª. Pilar Célia Tobio de Claro

Relatora

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8027646-33.2020.8.05.0000
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
AGRAVANTE: BANCO BRADESCO SA
Advogado(s): TADEU CERBARO, ELOI CONTINI
AGRAVADO: HOSPITAL EVANGELICO DA BAHIA
Advogado(s): DIEGO MONTENEGRO SAMPAIO E SILVA, ADRIANA RIBEIRO MAGALHAES

 

VOTO

O agravo de instrumento é cabível (art. 1.015 do CPC/2015), o agravante possui legitimidade e interesse recursal (crédito habilitado perante o Administrador Judicial ao id. 93843308 dos autos de origem), e não há fato aparente impeditivo ou extintivo do direito de recorrer; além de se constatar a regularidade do recolhimento do preparo recursal (id. 10166854), a tempestividade e a regularidade formal da insurgência; de sorte que, presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso interposto, tal como já consignado na decisão contida no id. 10196404. 

Consoante relatado, cinge-se a controvérsia da presente insurgência quanto (i) a possibilidade de processamento da recuperação judicial de associação civil sem fins lucrativos e (ii) do prazo aplicado a espécie, se contado de forma contínua ou apenas nos dias úteis. 

No tocante a contagem do prazo de suspensão das ações executivas e de cobrança contra a recuperanda, o Superior Tribunal de Justiça possui o seguinte entendimento. 

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005 (STAY PERIOD), SE CONTÍNUA OU SE EM DIAS ÚTEIS, EM RAZÃO DO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI ADJETIVA CIVIL À LRF APENAS NAQUILO QUE FOR COMPATÍVEL COM AS SUA PARTICULARIDADES, NO CASO, COM A SUA UNIDADE LÓGICO-TEMPORAL. PRAZO MATERIAL. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

[...]

5. Nesse período de blindagem legal, devedor e credores realizam, no âmbito do processo recuperacional, uma série de atos voltados à consecução da assembleia geral de credores, a fim de propiciar a votação e aprovação do plano de recuperação apresentado pelo devedor, com posterior homologação judicial. Esses atos, em específico, ainda que desenvolvidos no bojo do processo recuperacional, referem-se diretamente à relação material de liquidação, constituindo verdadeiro exercício de direitos (atrelados à relação creditícia subjacente), destinado a equacionar os interesses contrapostos decorrente do inadimplemento das obrigações estabelecidas, individualmente, entre a devedora e cada um de seus credores.

5.1 Ainda que a presente controvérsia se restrinja ao stay period, por se tratar de prazo estrutural ao processo recuperacional, de suma relevância consignar que os prazos diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal, segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005.

5.2 Tem-se, assim, que os correlatos prazos possuem, em verdade, natureza material, o que se revela suficiente, por si, para afastar a incidência do CPC/2015, no tocante à forma de contagem em dias úteis.

6. Não se pode conceber, assim, que o prazo do stay period, previsto no art. no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005, seja alterado, por interpretação extensiva, em virtude da superveniência de lei geral adjetiva civil, no caso, o CPC/2015, que passou a contar os prazos processuais em dias úteis, primeiro porque a modificação legislativa passa completamente ao largo da necessidade de se observar a unidade lógico-temporal estabelecida na lei especial; e, segundo (e não menos importante), porque de prazo processual não se trata com a vênia de autorizadas vozes que compreendem de modo diverso.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1698283/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019) 

Seguindo a jurisprudência da Corte Cidadã, o juízo a quo afastou a aplicação do art. 219 do CPC na hipótese, ou seja, determinou que os prazos aplicados à recuperação judicial fossem contados de forma contínua, senão vejamos. 

“3) Com suporte na disposição expressada nos arts. 6º e  art. 52, III, da Lei 11.101/2005, determino a suspensão de todas as ações ou execuções contra os devedores, por 180 (cento e oitenta) dias , devendo os respectivos autos permanecerem nos juízos onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º da mesma Lei e as relativas a créditos executados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 do mesmo diploma, providenciando a(s) devedora(s) as comunicações competentes; 

No que pertine aos prazos processuais no quadrante do presente procedimento, tratando-se de adoção de regras de hermenêutica jurídica, deve ser valorizado o entendimento  majoritário do STJ, segundo o qual os prazos processuais nela estabelecido, aplicando-se, de consequência o regramento previsto n a Lei Federal 11.101/2005  em que "todos os prazos processuais previstos em dias, deverão ser contados em dias  corridos", sendo salutar a ressalva de que os prazos de obrigação e de pagamento previstos no plano, pagamento de créditos trabalhistas, os prazos previstos em horas, meses ou anos, não são atingidos pela regra do art. 219 do CPC

Nesse contexto, é oportuno registrar que o prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções movidas contra a Recuperanda - automatic stay -  apesar de ter em sua essência natureza material, por não determinar tempo para a prática de ato processual, tem origem na soma dos demais prazos processuais na recuperação e foi estabelecido pelo legislador tendo por base que o plano deve ser entregue em 60 dias, que o edital de aviso deve ser publicado com antecedência mínima, que os interessados tem o prazo de 30 dias para apresentação de objeções e que a AGC deve ocorrer no máximo em 150 dias, ou ainda que o prazo para apresentação da relação de credores do administrador judicial seria de 45 dias após o decurso do prazo de 15 dias para a apresentação das habilitações e divergências administrativas. Assim, o prazo de 180 dias de suspensão tem por base o conjunto de prazos processuais que submetem-se ao regramento da Lei 11.101/2005.” (grifos acrescidos) 

Nas suas razões recursais, o agravante requereu a modificação da decisão agravada para que o prazo do stay period fosse contado de forma contínua, muito embora a decisão recorrida tenha determinado a contagem do prazo nos mesmos moldes requeridos na insurgência. 

Carece o agravante, portanto, de interesse recursal, motivo pela qual não conheço da insurgência com relação ao pedido inerente a forma da contagem dos prazos previstos nos art. 6º, § 4º e 53, da Lei n.º 11.101/05

Ultrapassada tal questão, passa-se a análise acerca da possibilidade de processamento da recuperação judicial da agravada, na condição de associação civil sem fins lucrativos. 

Sobre o tema, os arts. 1º e 2º da Lei nº 11.101/2005 dispõe o seguinte. 

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor. 

Art. 2º Esta Lei não se aplica a: 

I – empresa pública e sociedade de economia mista; 

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. 

Da leitura dos referidos dispositivos legais, extrai-se que a aplicabilidade da recuperação judicial é restringida às sociedades empresarias, com exceção das empresas estatais, instituições financeiras e demais entidades listadas no art. 2º, inciso II, alhures transcrito. 

Deste modo, em uma análise literal das disposições que regem a matéria, os devedores civis, que não se qualifiquem como empresário nos termos do arts. 966 e 982 do Código Civil, quando caracterizada a sua insolvência, se submetem ao concurso de credores previstos no Código de Processo Civil. 

Todavia, existe uma tendência da jurisprudência em admitir a recuperação judicial para as sociedades civis que desenvolvem atividades econômicas, com o desenvolvimento de uma atividade capaz de cobrir os próprios custos, por gerarem empregos, recolherem tributos, e contribuírem para a circulação de riqueza. 

Neste sentido, transcrevo o seguinte arresto jurisprudencial. 

Direito Empresarial. Recuperação judicial de associação e instituto sem fins lucrativos, entidade mantenedora da Universidade Cândido Mendes.

Aplicação da Lei federal nº 11.101/2005, arts. 1º e 2º. Lei de Recuperação Judicial e Falências, acolhendo-se o entendimento de se tratar de associação civil com fins econômicos, sociais e acadêmicos.

Decisão do Juízo singular, em sede de despacho liminar positivo, que deferiu o processamento da recuperação judicial, nomeou administrador judicial e determinou a suspensão de todas as ações ou execuções contra os requerentes, nos termos e com as ressalvas constantes do inciso III do sobredito dispositivo legal, entre outras providências pertinentes, e antecipou os efeitos do - stay period - para a data do protocolo da petição inicial.

Recurso do Ministério Público. Pretensão de reforma do julgado sob a tese de que associações civis sem fins lucrativos, de cunho filantrópico, não se enquadram no disposto no art. 1º da Lei de Recuperação Judicial e Falências, por não se constituírem em sociedades empresárias, tampouco estarem inscritas no Registro Público de Empresas Mercantis, entre outros fundamentos. Pedido de efeito suspensivo indeferido neste recurso incidental. No ponto principal do recurso o seu acolhimento parcial.

A mera interpretação literal do disposto no inciso II do art. 52 da Lei federal nº 11.101/2005, Lei de Recuperação Judicial, no sentido de excluir as associações sem fins lucrativos, não pode subsistir em face da prevalência do direito fundamental da liberdade econômica, tão cara ao Estado Democrático de Direito implantado pela Constituição da República de 5 de outubro de 1988.

O critério da legalidade estrita como fonte única do Direito, como a muitos parecia na vigência do art. 126 do Código de Processo Civil e do art. 4º da redação original da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, foi ultrapassado pelo disposto no art. 8º do Código de Processo Civil: ¿Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência¿.

O critério da legalidade, se inicial ao processo hermenêutico, não o esgota, pois há de se levar em conta o conjunto do ordenamento jurídico e os valores que inspiram a aplicação do Direito.

O cerne da questão não está, pois, na natureza jurídica do agente econômico, se mercantil ou não, mas no impacto da atividade por ele empreendida, nos aspectos culturais, econômicos, sociais e educativos.

Ainda que formalmente registrada como associação civil, a entidade de ensino, a toda evidência, desempenha atividade econômica lucrativa, que repercute jurídica e economicamente.

Como salientado pelos demandantes, em sua petição inicial, a concepção moderna da atividade empresária se afasta do formalismo, da letra fria da Lei, para alcançar a autêntica natureza da atividade objetivamente considerada.

Ainda  que  no  aspecto  formal  a  mantenedora  da  Universidade  Cândido Mendes se apresente como associação civil, formato que assumiu desde a sua formação, há mais de 100 anos,  desempenha atividade empresária, ao teor do disposto no art. 966 do Código Civil, por  realizar atividade econômica organizada para a produção ou circulação  de  bens  ou   serviços, atuando na área da Educação em nível superior,  gerando   empregos, bens culturais e arrecadação  para o  Estado, exercendo assim a sua função social.

Destaque-se que a falta do registro na Junta Comercial não pode ser obstáculo para o deferimento da recuperação. O que está em debate é a qualidade de empresária da recorrente quando da apresentação do pedido de recuperação, e não a regularidade de seus atos constitutivos, os quais apenas refletem a forma de sua organização jurídica, que atendeu plenamente o que prescrevia a ordem jurídica no início do século XX.

Para a garantia  da  continuidade  das  atividades  do  Grupo,  sem  quaisquer interrupções dos serviços educacionais, necessária se faz que haja êxito na recuperação judicial, com o cumprimento das finalidades indicadas no art. 47 da LREF, ou seja, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

Constitui direito fundamental da ordem econômica, como decorre do respectivo título do texto constitucional, o direito de empresa de organizar os fatores de produção, em atividade lícita, o que não se submete a restrições sem razoabilidade do legislador ordinário que, declaradamente, na lei regente da espécie, incluiu ou excluiu outros agentes econômicos.

Reforma da decisão impugnada tão somente para que seja nomeado Administrador Judicial pelo Juízo nos termos do previsto no Ato Executivo Conjunto nº 53/2013 deste Tribunal de Justiça. 

Precedentes: REsp  1.004.910/RJ,  4ª  Turma,  Rel.  Ministro Fernando Gonçalves, j. 18.03.2008; Agravo de Instrumento nº 1.134.545 - RJ (2008/0275183-4),  rel. Min. Fernando Gonçalves, decisão publicada em 12/06/2009.

Provimento parcial do recurso.

(TJRJ; Agravo de Instrumentonº 0031515-53.2020.8.19.0000; Des(a). NAGIB SLAIBI FILHO - Julgamento: 02/09/2020 - SEXTA CÂMARA CÍVEL) 

No caso dos autos, a agravada trata-se de um hospital que conta um número considerável de funcionários (id. 66786048), elevado fluxo financeiro (id. 66784812) e complexa organização administrativa, não havendo qualquer controvérsia acerca da atividade econômica por esta exercida, faltando, tão somente, o animus de lucro para caracterizar-se como sociedade empresária. 

A agravada salientou, ainda, na peça vestibular da ação originária, que foi fundada no ano de 1960 e possui 14 (catorze) UTI’s, 66 (sessenta e seis) leitos de internamento, centro cirúrgico com 3 (três) salas, além de realizar atendimentos relacionadas a 22 (vinte e duas) especialidades médicas. 

Como é cediço, a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, consoante preceitua o art. 47 da Lei nº 11.101/2005. 

É certo que a agravada, muito embora não tenha finalidade lucrativa, atende sua função social ao criar empregos, recolher tributos, contribuir para o desenvolvimento econômico e gerar riquezas, não se podendo ignorar, ainda, o fato de que a sua finalidade social se constitui em uma atividade essencial

Neste contexto, em caso semelhante ao presente, o Superior Tribunal de Justiça, além de pontuar a atividade econômica exercida pela associação, ressaltou a sua função social e determinou o prosseguimento da recuperação judicial. Vejamos. 

Em primeiro lugar, é de ser destacada a função social da recorrente, entidade que mantém um hospital, um asilo e um colégio, havendo notícia nos autos de que emprega por volta de seiscentas pessoas, disponibiliza à sociedade carioca mais de cem leitos, possui duzentos e setenta alunos matriculados, além de recolher impostos anualmente no montante de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais).

(...)

Cabe realçar, também, agora com apoio na doutrina abalizada do Prof. ARNOLD WALD, que a caracterização de empresa reside no "exercício de uma atividade econômica ... que tenha por fim a criação ou circulação de riquezas, bens ou serviços", estando a idéia de empresa "relacionada com o princípio de economicidade, ou seja com o desenvolvimento de uma atividade capaz de cobrir os próprios custos, ainda que não existam finalidades lucrativas" - fls. 365. 

A recorrente, quando da interposição do recurso e não havendo motivo para duvidar de sua afirmativa, contava com leitos ocupados no Hospital Comendador Gomes Lopes e alunos no Colégio Sagres, além de outras atividades, todas elas, ainda segundo a recorrente, remuneradas. 

Ante o exposto, conheço do recurso em parte e, nessa extensão, dou-lhe provimento para que prossiga a recuperação judicial da Casa de Portugal." 

(REsp 1.004.910/RJ, 4ª Turma, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, j. 18.03.2008). (grifos acrescidos) 

Verifica-se que o caso em tela se amolda ao precedente do Superior Tribunal de Justiça, já que se constata, na presente hipótese, conforme dito alhures, que a agravada se trata de unidade hospitalar e exerce nítida atividade econômica

Saliente-se, por fim, que na data do ajuizamento da ação a agravada contava com, ao menos, 1.347 credores, sendo 722 destes provenientes de relações trabalhistas, consoante se observa da manifestação de id. 71323459. Deste modo, a reforma da decisão agravada poderá inviabilizar a recuperação da agravada, unidade hospitalar que exerce atividade essencial desde 1960 e encontra-se, atualmente, em estágio avançado no processamento da recuperação judicial, de forma que a manutenção da decisão agravada atende, inclusive, os interesses dos próprios credores. 

Desta forma, considerando a excepcionalidade do caso concreto e a existência de precedentes judiciais neste sentido, entendo cabível o processamento da recuperação judicial nos termos da decisão agravada, sendo, deste modo, a sua manutenção medida que se impõe. 

Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER PARCIALMENTE e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

Salvador, ____ de __________________ de 2021. 

Desª. Pilar Célia Tobio de Claro

Relatora

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