4ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DA BAHIA.
PROCESSO N. 0011188-25.2021.8.05.0103
CLASSE: APELAÇÃO
RECORRENTE: NAZIR NERY MARON
RECORRIDA: DULCINEIA ROSA HALA DE JESUS
JUÍZO DE ORIGEM: 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS - ILHÉUS
VOTO – EMENTA
APELAÇÃO. AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRAVENÇÃO PENAL. IMPUTAÇÃO DO ART. 38 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS (DECRETO-LEI Nº. 3.688 DE 3 DE OUTUBRO DE 1941). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUE DEMONSTREM DE FORMA CONTUNDENTE A TIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO”. REGRA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO DA PARTE RÉ QUE SE IMPÕE, ANTE À INEXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
VOTO
1. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.
2. Cuida-se de ação em que se imputa ao acusado a prática de contravenção penal tipificada no art. 38 da Lei das Contravenções Penais, consistente em “provocar, abusivamente, emissão de fumaça, vapor ou gás, que possa ofender ou molestar alguém”.
3. Alega-se em sede de acusação que a parte Ré instalou chaminé em sua residência, cuja utilização enseja emissão de fumaça incômoda para a vizinhança.
4. A parte Ré apresentou contestação (evento de nº. 85), argumentando que ocorreu decadência do direito de representação e, no mérito, sustentando que comprou extensão da chaminé, que a chaminé é extremamente alta e que sai pouca fumaça do fogão, bem como que a saída da chaminé fica bem acima das residências dos vizinhos. Alega ainda que já existia rixa antiga entre as partes, o que teria dado causa ao imbróglio.
5. Realizou-se audiência de instrução e julgamento (evento de nº. 92), ouvindo-se testemunha e procedendo-se ao interrogatório da parte Ré
6. O juízo a quo julgou parcialmente procedente a denúncia (evento de nº. 95), condenando a parte Ré ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada um no valor de 1/15 (um quinze avos) do salário-mínimo vigente à época do fato delituoso.
7. A parte Ré interpôs recurso de apelação (evento de nº. 126).
8. O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento de nº. 139). Houve, ainda, manifestação do Ministério Público opinando pela manutenção da condenação (evento de nº. 166).
9. Inicialmente, cumpre esclarecer que não há que se falar em decadência do direito de representação, haja vista que as ações penais decorrentes da prática de contravenções penais são públicas incondicionadas, nos termos do art. 17 da Lei de Contravenções Penais, assim redigido: “a ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”.
10. No mérito, convém analisar os elementos do tipo penal em debate. O art. 38 da Lei de Contravenções exige, para que se configure o tipo penal, a demonstração não apenas da emissão de fumaça, mas de que sua prática ocorreu de forma abusiva, podendo ofender ou molestar alguém.
11. As provas produzidas nos autos indicam que, em que pese a parte Ré tenha utilizado em sua residência fogão a lenha, foi instalada chaminé para que a fumaça fosse dissipada de maneira a não causar incômodo à vizinhança. Além disso, comprovou-se que a parte Ré realizou uma extensão da chaminé, aumentando a chaminé que originalmente acompanhava o fogão, com a intenção de evitar que a fumaça causasse incômodos à vizinhança.
12. Diante dessas circunstâncias, é necessário elucidar se, mesmo com a utilização de chaminé estendida, havia emissão abusiva de fumaça, suficiente a ofender ou molestar os vizinhos.
13. A esse respeito, a testemunha ouvida nos autos afirmou que a fumaça proveniente da chaminé da parte Ré causava irritação nos olhos e sensação de sufocamento. Apesar disso, não foram produzidas outras provas que estavam ao alcance da acusação, a exemplo de registros fotográficos ou em vídeo dos danos narrados ou mesmo laudos periciais que atestem a situação alegadamente danosa.
14. Dessa maneira, entendo que os elementos probatórios construídos nos autos não são suficientes para formar convicção sólida no sentido de que houve a prática da contravenção penal imputada.
15. O art. 155 do CPP estabelece que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
16. Em tempo, é necessário destacar que a regra probatória extraída do princípio constitucional do “in dubio pro reo” impõe à acusação o ônus de comprovar a prática do crime e sua autoria. Havendo dúvida, deve-se concluir pela absolvição do acusado.
17. É pertinente notar que o direito penal é esfera de ultima ratio, de maneira que, regido pelo princípio da intervenção mínima, tem-se como corolário o princípio da subsidiariedade, estipulando que convém recorrer à esfera criminal tão somente quando os demais ramos do direito não forem suficientes para solucionar a situação de conflito social, devendo ainda haver violação relevante de direitos com elevada importância jurídica (princípio da fragmentariedade).
18. Na esteira desse raciocínio, entendo que as provas produzidas nos autos não são suficientes para justificar a condenação do acusado.
19. Pelo exposto, voto para CONHECER E DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, reformando a sentença atacada, para julgar improcedente a demanda.
Salvador (BA), Sala das Sessões, data registrada no sistema.
MARIA VIRGÍNIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ
Juíza Relatora
ACÓRDÃO
Realizado julgamento do Recurso do processo acima epigrafado, a QUARTA TURMA RECURSAL decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER E DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, reformando a sentença atacada, para julgar improcedente a demanda. Sem custas e honorários advocatícios, porquanto não há recorrente vencido.
Salvador (BA), Sala das Sessões, data registrada no sistema.
MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO
Juíza Presidente
MARIA VIRGINIA ANDRADE DE FREITAS CRUZ
Juíza Relatora