PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8103090-98.2022.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | ||
APELANTE: ROSANGELA MARIA DE ALCANTARA MENDES | ||
Advogado(s): JOAO VITOR LIMA ROCHA | ||
APELADO: BANCO BMG SA | ||
Advogado(s):DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA registrado(a) civilmente como DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA |
SR09
ACORDÃO |
AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS CONSUMIDOR. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTOS MENSAIS EFETIVADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO NO VALOR MÍNIMO DA FATURA DO CARTÃO DE CRÉDITO. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. REJEITADAS. ADEQUAÇÃO DO CONTRATO PARA A MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. EXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. DANO MORAL CONFIGURADO ANTE À FLAGRANTE ABUSIVIDADE. QUANTUM ARBITRADO EM PATAMAR RAZOÁVEL. SUPOSTA PRÁTICA DE ADVOCACIA PREDATÓRIA. NÃO COMPROVADA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA
1. Não merece prosperar a preliminar de ausência de dialeticidade, tendo em vista que a apelação rebateu pontos específicos da sentença proferida, apontando os motivos da reforma da decisão vergastada, não havendo que se falar em ausência de regularidade formal. Desta forma, rejeito a preliminar de ausência de dialeticidade.
2. Igualmente, não merece prosperar a preliminar de impugnação ao pedido de justiça gratuita. Na espécie, não vislumbro nenhum indício nos autos que indique a capacidade do acionante para arcar com as custas e despesas processuais, remanescendo, portanto, a presunção de veracidade da Declaração de Hipossuficiência colacionada. Portanto, por não haver a impugnante se desincumbido do ônus probatório, rejeito a impugnação apresentada.
3. Considera-se plausível a alegação da apelante de que acreditava contratar empréstimo consignado, quando na realidade estava assinando contrato de cartão de crédito consignado.
4. Não há informações claras e precisas acerca da real dinâmica aplicada pela instituição financeira, mas apenas a indicação de que o cartão de crédito consignado contratado converte-se em verdadeira operação de empréstimo de valores, os quais, de seu turno, serão adimplidos, apenas em parte, através dos descontos ocorridos em folha de pagamento referente ao valor mínimo da fatura do cartão de crédito.
5. É duvidosa, portanto, a ocorrência de transparência na contratação desta modalidade de empréstimo, haja vista não ser crível que o consumidor tenha consentido em contratar empréstimo impagável, ou seja, aceitar pagar parcelas consignadas em seus contracheques que não abatem o saldo devedor.
6. A modalidade de empréstimo denominada “Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável – RMC”, ao invés de trazer benefícios aos que a utilizam, acaba por gerar transtornos graves constantes num endividamento progressivo e insolúvel, de modo que abusiva a previsão contratual de cobrança de RMC, que não permite quitação da dívida, sendo tais práticas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme se observa do teor dos arts. 39, inciso V e 51, inciso VI, do CDC, os quais rechaçam a possibilidade de pactuação de obrigação que coloque o consumir em desvantagem exagerada.
7. A má fé do banco é evidente, porque contratou com o consumidor o desconto fixo no salário de um valor estabelecido por ele, sem indicar em quantas vezes seria feito esse pagamento e acrescentando a cada mês os juros rotativos e IOF, tornando impagável a dívida.
8. A respeito de eventuais valores pagos a maior pelo consumidor, o que será apurado na fase de liquidação, de rigor a repetição em dobro, com fundamento no art. 42 do CDC. Precedentes do STJ.
9. Fixada a premissa de que o negócio jurídico pactuado entre os litigantes restou viciado em virtude de flagrante abusividade, o dano moral é in re ipsa, hipótese em que a mera conduta ilícita já é suficiente para demonstrar os transtornos e aborrecimentos sofridos pelo consumidor.
10. Considerando a função punitiva, pedagógica e reparatória da indenização por danos morais, é recomendável a condenação do apelado ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com o fim de desestimular a reiteração da conduta abusiva da apelante visando a obtenção de lucro por meio da reprovável violação de direitos básicos do consumidor.
11. Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO para determinar a conversão do contrato de empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo pessoal consignado, com a aplicação das taxas de juros remuneratórios nos percentuais indicados pelo Banco Central para empréstimos desse jaez à época da contratação; determinar a restituição em dobro de eventuais valores descontados indevidamente e, por fim, condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária a partir da fixação, pelo INPC.
12. Inverto os ônus da sucumbência e condeno o apelado ao pagamento da integralidade das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento sobre o valor do proveito econômico.
13. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação nº. 8103090-98.2022.8.05.0001, sendo apelante ROSANGELA MARIA DE ALCANTARA MENDES e apelado Banco BMG S/A.
Acordam os Desembargadores componentes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, e o fazem pelas razões expendidas no voto deste Relator.
Sala das Sessões, de de 2024.
PRESIDENTE
FRANCISCO DE OLIVEIRA BISPO
JUIZ CONVOCADO – SUBSTITUTO DO 2º GRAU
RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
DECISÃO PROCLAMADA |
Conhecido e provido Por Unanimidade
Salvador, 3 de Julho de 2024.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8103090-98.2022.8.05.0001 | |
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | |
APELANTE: ROSANGELA MARIA DE ALCANTARA MENDES | |
Advogado(s): JOAO VITOR LIMA ROCHA | |
APELADO: BANCO BMG SA | |
Advogado(s): DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA registrado(a) civilmente como DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA |
SR09
RELATÓRIO |
Trata-se de Ação Anulatória de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável C/C Restituição de Valores e Reparação por Danos Morais e Tutela Antecipada proposta por ROSANGELA MARIA DE ALCANTARA MENDES em face do Banco BMG S/A.
Sobreveio sentença (ID 63771355), cujo relatório adoto como próprio, acrescentando que a magistrada singular da 10ª Vara de Relações de Consumo desta Comarca, julgou improcedentes os pedidos, in verbis:
"Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE OS PEDIDOS, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, CPC.
Em razão da sucumbência, condeno o demandante ao pagamento das custas e despesas processuais, arbitrando os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, que deverão permanecer suspensos em razão da gratuidade judiciária deferida.
Afasto o pedido de condenação da parte autora em litigância de má-fé, por não considerar configuradas quaisquer das hipóteses do art. 80 do CPC.
P. R. I. Com o trânsito em julgado, arquive-se com as formalidades legais".
.
Irresignada, a autora apelou (ID 63771358), esclarecendo que contraiu em Julho de 2015, um empréstimo na modalidade Consignação em Folha no valor de R$ 2.494,54 (Dois mil quatrocentos e noventa e quatro reais e cinquenta e quatro centavos) , com parcelas a descontar mensalmente de seu benefício, direto na folha de pagamento.
Assevera que o banco passou a descontar o valor de R$ 180,70 (Cento e oitenta reais e setenta centavos), como se o empréstimo estivesse sendo normalmente quitado, entretanto, jamais fora informado que estava contratando cartão de crédito com margem consignável, bem como sobre aspectos essenciais do contrato, tais quais: a quantidade exata de parcelas, a taxa de juros aplicada, a data da última parcela a ser adimplida, bem como o valor total do “empréstimo consignado”.
Salienta que o objeto desta lide não é a negativa do contrato, vez que efetivamente contraiu o empréstimo, no entanto, a despeito da nomenclatura da contratação, os juros praticados são altamente abusivos; que objetivou contrair empréstimo consignado comum e foi levado a assinar contratação de um cartão RMC.
Prossegue discorrendo acerca das cobranças efetivadas e os juros abusivos praticados, observando que, a dívida contraída tem parcelas regularmente pagas todos os meses, porém o saldo devedor simplesmente não é abatido. Assim, a dívida não tem fim.
Por fim, requer seja conhecido e provido o presente recurso de apelação em todos os seus termos, para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos formulados na inicial.
Contrarrazões de ID 63771363.
Em cumprimento ao art. 931, do CPC, restituo os autos à Secretaria, com relatório, ao tempo em que solicito dia para julgamento, salientando, com fulcro no art. 937, I, do referido Código, a possibilidade de sustentação oral.
É o que importa relatar. Passo a decidir.
Salvador 13 de junho de 2024.
FRANCISCO DE OLIVEIRA BISPO
JUIZ CONVOCADO – SUBSTITUTO DO 2º GRAU
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Terceira Câmara Cível
Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8103090-98.2022.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível | ||
APELANTE: ROSANGELA MARIA DE ALCANTARA MENDES | ||
Advogado(s): JOAO VITOR LIMA ROCHA | ||
APELADO: BANCO BMG SA | ||
Advogado(s): DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA registrado(a) civilmente como DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA |
SR09
VOTO |
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, recebendo-os em ambos os efeitos.
Inicialmente, concedo os benefícios da justiça gratuita, em extensão à concessão pelo juiz primevo.
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
Passo à análise das preliminares aventadas: impugnação à gratuidade da justiça, ausência de dialeticidade e ausência de preparo.
Inicialmente, urge salientar que não há que se falar em necessidade de preparo, tendo em vista que a apelante é beneficiária da gratuidade da justiça, deferida nos autos de origem e extendida a concessão por este Juízo. Preliminar Rejeitada.
Não merece prosperar a preliminar de ausência de dialeticidade, tendo em vista que a apelação rebateu pontos específicos da sentença proferida, apontando os motivos da reforma da decisão vergastada, não havendo que se falar em ausência de regularidade formal. Desta forma, rejeito a preliminar de ausência de dialeticidade.
Igualmente, não merece prosperar a preliminar de impugnação ao pedido de justiça gratuita. Na espécie, não vislumbro nenhum indício nos autos que indique a capacidade do acionante para arcar com as custas e despesas processuais, remanescendo, portanto, a presunção de veracidade da Declaração de Hipossuficiência colacionada.
Portanto, por não haver a impugnante se desincumbido do ônus probatório, rejeito a impugnação apresentada.
Ultrapassadas as preliminares, passo à análise do mérito.
Pois bem.
A regência das normas consumeristas é perfeitamente possível no presente caso, sendo induvidosa a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
O contrato alvo de discussão foi firmado em 24 de julho de 2015, de nº 6395119. Com efeito, reputo plausível a alegação do apelante de que acreditava contratar empréstimo consignado, quando na realidade estava assinando contrato de cartão de crédito consignado, porque o contrato de cartão de crédito consignado é extremamente mais oneroso quando comparado ao contrato de empréstimo consignado.
Já nas razões do apelado e nos documentos acostados aos autos, não há informações claras e precisas acerca da real dinâmica aplicada pela instituição financeira, mas apenas a indicação de que o cartão de crédito consignado contratado converte-se em verdadeira operação de empréstimo de valores, os quais, de seu turno, serão adimplidos, apenas em parte, através dos descontos ocorridos em folha de pagamento referente ao valor mínimo da fatura do cartão de crédito.
Se percebe duvidosa a ocorrência de transparência na contratação desta modalidade de empréstimo, haja vista não ser crível que o consumidor tenha consentido em contratar empréstimo impagável, ou seja, aceitar pagar parcelas consignadas em seus contracheques que não abatem o saldo devedor.
Ora, se se tratasse de um empréstimo consignado comum, aquele valor sacado seria divido em tantas parcelas quanto fossem necessárias para que o montante mutuado fosse sendo abatido. O abatimento se daria ao longo de alguns anos, mas haveria uma previsão para o término da avença, o que não ocorre no caso dos autos.
Imperioso destacar que o empréstimo consignável tem por objetivo facilitar o acesso a valores financeiros com taxas de juros diferenciados, contudo, essa modalidade de empréstimo denominada “Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável – RMC”, ao invés de trazer benefícios aos que a utilizam, acaba por gerar transtornos graves e constantes num endividamento progressivo e insolúvel.
Nesse diapasão, cabe declarar a abusividade da previsão contratual de cobrança de RMC, que não permite quitação da dívida. Tais práticas são vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme se observa do teor dos arts. 39, inciso V e 51, inciso VI, do CDC, os quais rechaçam a possibilidade de pactuação de obrigação que coloque o consumir em desvantagem exagerada.
Cumpre ressaltar que a má fé do banco é evidente, porque contratou com o consumidor o desconto fixo no salário de um valor estabelecido por ele, sem indicar em quantas vezes seria feito esse pagamento e acrescentando a cada mês os juros rotativos e IOF, tornando impagável a dívida.
Diante do quanto delineado, entendo que o contrato celebrado entre as partes deve ser considerado como Empréstimo Consignado, com a aplicação das taxas de juros remuneratórios nos percentuais indicados pelo Banco Central para empréstimos desse jaez à época da contratação – contrato de empréstimo pessoal consignado – , desde que menor do que a cobrada, cabendo a compensação entre os valores devidos e os já pagos/descontados.
No que diz respeito a eventuais valores pagos a maior pelo consumidor, o que será apurado na fase de liquidação, de rigor a repetição em dobro, com fundamento no art. 42 do CDC, pois, as circunstâncias dos autos comprovam a falha do dever de informação clara e adequada, que induziu o consumidor a celebrar negócio jurídico em desvantagem exagerada, configurando-se nítida má-fé por parte da instituição financeira, e gerando, inclusive, um potencial círculo vicioso de superendividamento.
Neste viés, preleciona o Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2201598 - DF (2022/0277117-3) EMENTA AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTOS SOBRE BENEFÍCIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE USO DO CARTÃO. DESCONTOS INDEVIDOS. VIOLAÇÃO, NO CASO CONCRETO, DA BOA-DÉ OBJETIVA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JUIRISPRUDÊNCIA DO STJ. DANO MO RAL. OCORRÊNCIA. REVISÃO DESTE ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMUL A 7/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO Vistos etc. Trata-se de agravo manejado por BANCO BMG S.A, em face da decisão que negou seguimento a recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, alínea a, e, c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assim ementado (e-STJ Fl. 282/284): APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTOS SOBRE BENEFÍCIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE USO DO CARTÃO. DESCONTOS INDEVIDOS. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. APURAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O art. 373, inc. I, do Código de Processo Civil estabelece que incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. A parte ré deve comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, de acordo com o inc. II do referido dispositivo legal. 2. A instituição financeira deixa de comprovar a regularidade do contrato de cartão de crédito consignado, quando não demonstra que houve o depósito de eventual quantia tomada a título de mútuo, tampouco a efetiva utilização do referido cartão, ônus que lhe compete, nos termos do art. 373, inc. II, do Código de Processo Civil. 3. A cobrança indevida de dívida nas relações de consumo gera a devolução em dobro do valor, salvo engano justificável do fornecedor. A repetição em dobro é cabível quando restar evidenciada conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente da natureza do elemento volitivo. Tese firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, dentre outros, no julgamento do EAREsp n. 664.888/RS. 4. O dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. Pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica 5. A cobrança por operação bancária cuja regularidade não restou demonstrada, principalmente diante da ausência de efetiva utilização do cartão, com a indevida realização de descontos por seguidos anos nos proventos de aposentadoria do consumidor, causou-lhe constrangimentos e angústias que desbordam o mero aborrecimento, ocasionando-lhe abalo psíquico e emocional apto a caracterizar o dano moral. 6. A reparação do dano moral deverá observar as finalidades compensatória, punitiva e preventiva. À míngua de parâmetros legais, o juiz deve utilizar, como critérios gerais para valorar o dano moral, o prudente arbítrio, o bom senso, a proporcionalidade ou razoabilidade. Ao lado dos critérios gerais, os critérios específicos devem ser: o grau de culpa do ofensor, a alteração anímica da vítima, a repercussão do ilícito no meio social, a situação econômico-financeira do ofensor, as condições pessoais da vítima e o grau de vulnerabilidade. 7. Dano moral fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), consideradas as peculiaridades do caso concreto. 8. Apelação do réu desprovida. Apelação do autor provida. Os embargos de declaração opostos foram rejeitados. Nas razões do recurso especial a parte alegou ofensa aos artigos 42 do Código de Defesa do Consumidor, 186, e, 927, caput, do Código Civil, além de divergência juirsprudencial. Sustentou, em s íntese, que "caso mantido o entendimento de que ocorreu desconto mensal de R$ 284,84 e total de R$ R$ 38.738,24, haverá clara violação ao art. 927 do Código Civil, enriquecimento ilícito do autor e grave lesão ao banco recorrente, pois não ocorreu desconto do valor mencionado, sendo que o valor de R$ 284,84 é apenas indicação do valor da reserva de margem consignada" (e-STJ Fl. 360). Aduziu que, indevida a repetição do indébito em dobro, eis que, "diante da idoneidade contratual, inexistem valores a serem descontados à parte recorrida, na forma simples ou em dobro, tendo em vista que foram realizados tão somente em razão do exercício regular do direito do banco recorrente. (...) Assim, por tudo que dos autos consta, não houve má-fé na conduta do Recorrente em realizar os descontos, e a ausência de boa-fé por si só não pode ser presumida pelo Magistrado para fixar condenação em desfavor do Recorrido, vez que isso afronta de forma o exposto pelo art. 113, Código Civil" (e-STJ Fl. 361). Defendeu, por fim, a inocorrência de dano moral passível de indenização. Pediu o provimento do recurso. É o relatório. Passo a decidir. Atendidos os pressupostos de conhecimento do agravo em recurso especial, passo à analise do recurso especial. Com efeito, relativamente à repetição do indébito em dobro, o acórdão recorrido asseverou que (e-STJ Fls. 292/77, gn): (...) Em resumo, ainda que ausentes a má-fé ou culpa do fornecedor, restará caracterizado o dever de repetição do indébito em dobro, em consonância o princípio da boa-fé objetiva, bem como com a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor aos vulneráveis e hipossuficientes, mormente inclusive ao prever a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de produtos e serviços. Nessa linha de raciocínio, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os EAREsp 664.888/RS, EAREsp 676.608/RS, EAREsp 600.663/RS, EAREsp 622.897/RS e EREsp 1.413.542/RS, pacificou o entendimento segundo o qual é cabível a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. No mesmo sentido, confira-se a ementa de recente julgado proferido por aquela Corte Superior: (...) Na espécie, ante a ausência de engano justificável, impõe-se a restituição em dobro dos valores ilicitamente descontados. Vale destacar que o banco réu vem realizando débitos mensais nos proventos de aposentadoria do autor desde agosto de 2015, não obstante a ausência de prova minimamente suficiente para demonstrar a concessão e utilização do crédito, situação que, evidentemente, contraria a boa-fé objetiva. (...) Logo, como a cobrança indevida e os descontos nos proventos foram comprovados pelo autor, o réu deve restituir em dobro as quantias ilicitamente debitadas daquele. A alegação do réu de que o desconto teria sido apenas de R$ 15,00 (quinze reais), a título de emissão de cartão, não comporta acolhimento. O próprio termo de adesão apresentado pela instituição financeira, em seu item IX, letra e, indica que não houve a referida cobrança (id 30405818, f. 3). Reformo, portanto, a sentença, determinando que os valores descontados indevidamente na folha de pagamento do autor, decorrentes de débitos de cartão de crédito consignado (sob a rubrica Empréstimo RMC - n. 6610733), sejam devolvidos em dobro. Destarte, temos que o acórdão recorrido decidiu a matéria posta em conformidade com a jurisprudência do STJ no sentido de que "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo". Á propósito: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. COBRANÇA INDEVIDA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. REPETIÇÃO DE FORMA SIMPLES. 1. A Corte Especial do STJ adotou a tese de que "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp 1.413.542/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021). 2. Cabe destacar que a Corte Especial promoveu a modulação dos efeitos do entendimento firmado no referido julgamento no sentido de que "o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão." 3. No caso dos autos, a Corte de origem manteve a sentença de restituição de forma simples, pois a cobrança indevida decorreu da má interpretação do contrato, não ficando caracteriza a má-fé da construtora. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.034.993/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022.) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA À FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RAZÕES DISSOCIADAS. ÔNUS DA DIALETICIDADE DESCUMPRIDO. INCIDÊNCIA DO ART. 1021, § 1º, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. 1. A Corte Especial do STJ adotou a tese de que "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (Relator para os acórdãos o eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, julgados em 21/10/2020 e publicados em DJe de 30/3/2021). 2. Na hipótese dos autos, como o Tribunal de origem não realizou análise da conduta da agravante com a finalidade de se aferir se restou violada a boa-fé objetiva de algum outro modo quanto à cobrança indevida dos valores, tendo tal análise ficado apenas na zona estrita do exame da existência da má-fé, necessário o retorno dos autos à origem para novo julgamento do recurso dos embargos de declaração. 3. Neste agravo interno não houve contraposição da decisão agravada nos pontos em que se decidiu que a instância ordinária não realizou análise aprofundada da conduta da agravante na cobrança indevida dos valores a maior do agravado, a fim de se aferir se aquela violou a boa-fé objetiva de algum outro modo, tendo ficado apenas na zona estrita do exame da má-fé, bem como que esta Corte de Justiça, em razão do óbice da Súmula 7/STJ, não pode ingressar nessa seara. Descumprimento do ônus da dialeticidade, previsto no art. 1021, § 1º do CPC/2015. Incidência da Súmula 182/STJ. 4. Agravo interno não conhecido. ( AgInt no AREsp n. 1.976.651/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 1/4/2022.) Assim, rever a conclusão da Corte a quo no sentido de que, no caso concreto, houve, por parte do banco agravado, violação à boa-fé objetiva, demandaria a revisão do arcabouço probatório anexado aos autos, providência esta vedada em face do Enunciado da Súmula 7/STJ. No mais, no que tange à tese de não ocorrência de dano moral passível de indenização, a Corte de origem concluiu que (e-STJ Fl. 296, gn): A cobrança por operação bancária cuja regularidade não restou demonstrada, principalmente diante da ausência de efetiva utilização do cartão, ensejando, dessa maneira, a realização de descontos por seguidos anos nos proventos de aposentadoria do autor, causou-lhe constrangimentos e angústias que desbordam o mero aborrecimento. Ainda que o valor mensal debitado em favor do banco réu fosse módico, tal circunstância impactou negativamente o autor, uma vez que recaiu sobre verba de natureza alimentar, de modo a ocasionar abalo psíquico e emocional apto a caracterizar o dano moral. Sobre o tema, veja-se o seguinte aresto desta Segunda Turma Cível: (...) Portanto , elidir as conclusões do aresto impugnado firmadas no sentido de que "A cobrança por operação bancária cuja regularidade não restou demonstrada, principalmente diante da ausência de efetiva utilização do cartão, ensejando, dessa maneira, a realização de descontos por seguidos anos nos proventos de aposentadoria do autor, causou-lhe constrangimentos e angústias que desbordam o mero aborrecimento", e, que, "tal circunstância impactou negativamente o autor, uma vez que recaiu sobre verba de natureza alimentar, de modo a ocasionar abalo psíquico e emocional apto a caracterizar o dano moral", demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 07/STJ. Cumpre asseverar que, referido óbice aplica-se ao recurso especial interposto por ambas as alíneas do permissivo constitucional. Assim sendo, o não conhecimento do recurso é medida que se impõe. Advirta-se que eventual recurso interposto contra este decisum estará sujeito às normas do CPC/2015 (cf. Enunciado Administrativo n. 3/STJ). Com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, majoro o percentual dos honorários sucumbenciais a que condenado o recorrente na origem em 2%, totalizando 17% sobre o valor da condenação, observada a eventual e anterior concessão da gratuidade judiciária. Ante o exposto, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial. Intimem-se. Brasília, 22 de novembro de 2022. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator
(STJ - AREsp: 2201598 DF 2022/0277117-3, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 24/11/2022) (Grifei)
Nesse sentido já decidiu este Egrégio Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO POR COBRANÇA INDEVIDA CUMULADA COM CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO REALIZADO POR MEIO DE SAQUE DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA AO CONSUMIDOR. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONFIGURADO. CONSUMIDOR INDUZIDO A ERRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DE VALORES EVENTUALMENTE PAGOS. MÁ-FÉ DO FORNECEDOR CONFIGURADA. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO FIXADA EM VALOR RAZOÁVEL. APELO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. I - Consumidor que manifestou interesse na contratação de cartão de crédito, sem taxas e anuidades, e foi induzido a contratar empréstimo não pretendido, mediante saque em cartão de crédito. II - Inobservância do fornecedor do dever de prestar ao consumidor, com clareza, as informações necessárias acerca do contrato firmado e da forma de pagamento, o que eivou de vício de consentimento o empréstimo na forma de saque de cartão de crédito. III – Configurada de má-fé por parte da instituição financeira, correta a determinação de repetição em dobro de eventuais valores pagos a maior pelo consumidor, com fundamento no art. 42, do CDC. IV – Dano moral configurado. Indenização fixada em R$ 5.000,00, valor razoável diante das circunstâncias do caso concreto e sem aptidão para configurar enriquecimento sem causa do apelado. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-BA - APL: 80093400420198050080, Relator: CARMEM LUCIA SANTOS PINHEIRO, QUINTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/09/2020)
Na mesma linha, seguem os demais tribunais pátrios:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C CANCELAMENTO DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DECONTOS INDEVIDOS NO BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC. PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO O desconto realizado em benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC), para garantir o pagamento mínimo de cartão de crédito, previamente autorizado, é legal, desde que comprovada a contratação e utilização do cartão, o que não ocorreu no caso em comento. Sofre danos morais a pessoa quem tem descontados de seu benefício previdenciário valores indevidos, referentes a contrato não celebrado. A fixação do valor da indenização por danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A devolução em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, e no art. 940 do Código Civil, é condicionada à comprovação de má-fé do credor, pressupondo o preenchimento de dois requisitos indissociáveis, quais sejam cobrança indevida e ação consciente do credor. (TJ-MG - AC: 10000210535522001 MG, Relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 10/05/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/05/2021)
RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DO AUTOR - Contratação de empréstimo consignado e cartão de crédito (RMC) não reconhecida pelo cliente – Fato incontroverso nos autos – Dano moral indenizável – Indenização fixada em R$ 10.000,00 – Sentença reformada nessa parte. Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10018461820208260363 SP 1001846-18.2020.8.26.0363, Relator: Marino Neto, Data de Julgamento: 15/07/2021, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/07/2021)
Quanto ao dano moral, fixada a premissa de que o negócio jurídico pactuado entre os litigantes restou viciado em virtude de flagrante abusividade, o dano moral é in re ipsa, hipótese em que a mera conduta ilícita já é suficiente para demonstrar os transtornos e aborrecimentos sofridos pelo consumidor, razão pela qual pertinente é a sua condenação.
Em relação ao quantum indenizatório por danos morais, destaco que o ato de arbitramento deve ser razoável e tomar todas as cautelas para que a indenização não seja fonte de enriquecimento sem causa, ao mesmo tempo em que não seja meramente simbólica, sempre levando em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Considerando a função punitiva, pedagógica e reparatória da indenização por danos morais, é recomendável a condenação do apelado ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com o fim de desestimular a reiteração da conduta abusiva da apelante visando a obtenção de lucro por meio da reprovável violação de direitos básicos do consumidor.
DA SUPOSTA ADVOCACIA PREDATÓRIA
A parte apelada, em sede de contrarrazões, alega a suposta existência de advocacia predatória pelo patrono da parte apelante, tendo em vista que o “(…) mesmo atua em lote contra instituições financeiras” e, por isso, pugnou pela expedição de ofício ao Núcleo de Monitoramento de Perfil de Demandas e Estatística NUMOPEDE, vinculado à Corregedoria-Geral da Justiça – CGJ, NUCOF, OAB e MP , para a referida análise e responsabilização, tendo em vista que o mesmo caso da parte autora destes autos repetiu-se em outras ações patrocinadas pelo mesmo causídico, sempre com a mesma causa de pedir e mesmos pedidos desta demanda.
Pois bem.
Observa-se dos autos a juntada de procuração concedida pela apelante ao referido causídico (ID 63769513), datada de 13 de julho de 2022 (05 dias antes do ajuizamento dessa ação), indicando a ciência da parte autora acerca da presente ação, o que dispensa a sua oitiva em audiência. Procuração, portanto, válida e não contestada pela parte apelante.
Não merece prosperar a alegação da parte apelada sob o simples fato de, o referido causídico, ter diversas ações contra instituições financeiras (consumeiristas) tratando sobre o mesmo tema.
Por outro lado, a pretensão e o recurso ora apreciados, não se mostraram absurdos de plano, sendo, portanto, legítimo o exercício do direito subjetivo de ação, que não extrapolou seus contornos.
Especificamente em relação às diversas ações supostamente sobre o mesmo tema, não basta, por si só, que o patrono ingresse com diversos processos semelhantes para a configuração de advocacia predatória. O causídico deduziu pretensão lícita, sem conduta que possa ser tida como de má-fé.
De mais a mais, o fato de o causídico possuir diversas demandas contra a mesma instituição não se presta como prova de captação irregular de clientes. É cediço que existem profissionais especializados em determinados tipos de demanda, atuando em nichos específicos do direito, o que obviamente acarreta na representação de diversos clientes contra uma ou outra instituição financeira, como no caso em tela. Mantenho, portanto, os termos da sentença primeva.
Vejamos precedentes:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. CONTRARRAZÕES. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. AUSÊNCIA DE DOLO SUBJETIVO. ATUAÇÃO EXCESSIVA DO ADVOGADO NÃO DEMONSTRADA. PRÁTICA INCAPAZ DE SER VERIFICADA APENAS SOB O ARGUMENTO E AJUIZAMENTO DE DIVERSAS AÇÕES JUDICIAIS SEMELHANTES. JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REJEIÇÃO. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE/ILEGALIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PARTE AUTORA QUE ALEGA QUE PRETENDIA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COMUM, E NÃO POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. NÃO ACOLHIMENTO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) AUTORIZADO PELA LEGISLAÇÃO VIGENTE. LEI N. 10.820/2003, ART. 6º, § 5º, INCISO II. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS 28/2008, ART. 3º, § 1º. INSTRUMENTO CONTRATUAL ANEXADO AO PROCESSO E ASSINADO PELA PARTE AUTORA. NEGÓCIO JURÍDICO DEVIDAMENTE ACOMPANHADO DO TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS N. 100/2018, COM VIGÊNCIA NOVENTA DIAS APÓS A PUBLICAÇÃO EM 31.12.2018. NATUREZA E CARACTERÍSTICAS DA PACTUAÇÃO ESPECIFICADAS DE FORMA CLARA NO DOCUMENTO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO E FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO VISLUMBRADOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ALEGADO VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ATO ILÍCITO INEXISTENTE. IRRELEVÂNCIA SE O LIMITE DISPONÍVEL PARA O CARTÃO FOI OU NÃO UTILIZADO. ENTENDIMENTO PACIFICADO POR ESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) N. 5040370-24.2022.8.24.0000, DECIDIDO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS EM FAVOR DA PARTE APELADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. HIPÓTESE QUE AUTORIZA A MAJORAÇÃO PREVISTA NO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRESENÇA CUMULATIVA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. PARTE APELANTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 98, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(Tribunal de Justiça de Santa Catarina – Apelação: 5007944-88.2023.8.24.0075, Relator: Silvio Franco, Data de Julgamento: 22/02/2024, Quinta Câmara de Direito Comercial)”
Em face do exposto, INDEFIRO os pedidos da ré de intimação pessoal do referido patrono e de expedição de ofício à Núcleo de Monitoramento de Perfil de Demandas e Estatística NUMOPEDE, vinculado à Corregedoria-Geral da Justiça – CGJ, NUCOF, OAB e MP .
Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO para determinar a conversão do contrato de empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo pessoal consignado, com a aplicação das taxas de juros remuneratórios nos percentuais indicados pelo Banco Central para empréstimos desse jaez à época da contratação; determinar a restituição em dobro de eventuais valores descontados indevidamente e, por fim, condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária a partir da fixação, pelo INPC.
Inverto os ônus da sucumbência e condeno o apelado ao pagamento da integralidade das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento sobre o valor do proveito econômico.
Sala das sessões, de de 2024.
FRANCISCO DE OLIVEIRA BISPO
JUIZ CONVOCADO – SUBSTITUTO DO 2º GRAU
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