Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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PROCESSO Nº 0021025-51.2023.8.05.0001

RECORRENTE: RONE LEAL GOES 

RECORRIDA: BANCO INTER S A; NEXT TECNOLOGIA E SERVICOS DIGITAIS S A 

RELATOR: JUIZ BENÍCIO MASCARENHAS NETO

 

 

EMENTA

RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS. AUTOR VÍTIMA DE FRAUDE. TRANSAÇÃO POR MEIO DE PIX. SOLICITAÇÃO DE BLOQUEIO E RESTITUIÇÃO DOS VALORES. MECANISMO ESPECIAL DE DEVOLUÇÃO. RESOLUÇÃO N. 103/2021 DO BANCO CENTRAL. QUATRO DIAS PARA APROVAÇÃO DA SOLICITAÇÃO PELA INSTITUIÇÃO RECEBEDORA. OITO DIAS ENTRE A SOLICITAÇÃO E A RESPOSTA. SALDO NÃO ENCONTRADO. TENTATIVAS DE BLOQUEIOS EM ATÉ 90 DIAS NÃO COMPROVADO PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS E CONDENAR AS PARTES RÉS A RESTITUÍREM, SOLIDARIAMENTE, O VALOR DE R$28.000,00 (VINTE E OITO MIL REAIS) E INDENIZAR A PARTE AUTORA A TÍTULO DE DANOS MORAIS EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos acima indicados. Realizado o julgamento, a Terceira Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, decidiu, por unanimidade, CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a sentença impugnada, nos termos do voto do relator, adiante lavrado, que passa a integrar este acórdão.

Sala das Sessões, data certificada pelo sistema.

 

 

BENÍCIO MASCARENHAS NETO
Juiz Relator

 

 

 

PROCESSO Nº 0021025-51.2023.8.05.0001

RECORRENTE: RONE LEAL GOES 

RECORRIDA: BANCO INTER S A; NEXT TECNOLOGIA E SERVICOS DIGITAIS S A 

RELATOR: JUIZ BENÍCIO MASCARENHAS NETO

 

 

VOTO

Dispensado o relatório e com fundamentação concisa, nos termos do art. 46 da Lei nº. 9.099/95.

Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso.

A parte autora alega que foi vítima de fraude ao efetuar a transação para aquisição de um veículo, efetuou transferência bancária por meio de pix no valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) no dia 16/12/2022 as 14h:28mim. Aduz que minutos após a efetivação da transação, se deu conta de que poderia ter caído em um golpe e entrou em contato com o banco para efetuar o estorno da transação e foi informado que o prazo de resposta era de 7 dias. Diante da demora na solução do problema, registrou boletim de ocorrência e abriu reclamação junto ao Banco Central. Por fim o valor não foi devolvido. Pugna pela restituição em dobro de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) e indenização por danos morais.

A parte acionada BANCO INTER S A, por sua vez, aduz que é parte ilegítima, tendo em vista que o golpe foi praticado por terceiros. Que é apenas intermediário de pagamento e não possui responsabilidade. Pugna pela improcedência dos pedidos.

A parte acionada NEXT TECNOLOGIA E SERVICOS DIGITAIS S A, por sua vez, aduz ser parte ilegítima, e que a transação foi realizada pelo autor através de senha/biometria e chave de segurança. Pugna pela improcedência dos pedidos.

O douto Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos.

No mérito, depois de minucioso exame dos autos, estou persuadida de que a irresignação manifestada pelas parte autora merece parcial acolhimento.

A Resolução nº 103/2021 do Banco Central disciplina o funcionamento do arranjo de pagamentos conhecido como Pix. Esta Resolução prevê o Mecanismo Especial de Devolução em que se permite a devolução de valores em duas hipóteses:

Art. 41-B. O Mecanismo Especial de Devolução é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix nos casos em que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude e naqueles em que se verifique falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação.

 

Para tanto a pessoa vítima de fraude deve entrar em contato com a instituição financeira pagadora:

Art. 41-C.  As devoluções no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução serão iniciadas pelo participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor: (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

I - por iniciativa própria, caso a conduta supostamente fraudulenta tenha sido identificada pelo participante ou a falha operacional tenha ocorrido no âmbito de seus sistemas, ou após bloqueio cautelar, caso o participante avalie que a transação tenha fundada suspeita de fraude; ou (Redação dada, a partir de 1º/1/2023, pela Resolução BCB nº 269, de 1º/12/2022.)

II - por solicitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, por meio do DICT, caso ele próprio identifique a conduta supostamente fraudulenta ou receba uma reclamação do usuário pagador, ou a falha operacional tenha ocorrido no âmbito dos sistemas desse participante. (Redação dada, a partir de 1º/1/2023, pela Resolução BCB nº 269, de 1º/12/2022.)

 

Após a solicitação a instituição pagadora, a instituição deverá acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), com a aceitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor implicarão o bloqueio imediato, na conta transacional do usuário recebedor, dos valores cuja devolução é solicitada, ou, sendo menor, do valor correspondente ao saldo nela disponível:

Art. 41-D.  As devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C, quando decorrentes de fundada suspeita de fraude: (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

I - ficarão condicionadas à abertura e à conclusão, com a aceitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor, do procedimento de notificação de infração relativo à transação a ser devolvida, de que trata o Capítulo XIII, Seção III, Subseção IX; e (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

II - implicarão o bloqueio imediato, na conta transacional do usuário recebedor, dos valores cuja devolução é solicitada, ou, sendo menor, do valor correspondente ao saldo nela disponível. (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

 

Art. 41-F.  O usuário recebedor dos recursos cuja devolução é pleiteada será prontamente comunicado sobre a efetivação: (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

I - do bloqueio de recursos em sua conta transacional na forma do inciso II do art. 41-D; e (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

II - da concretização de uma devolução realizada ao amparo do Mecanismo Especial de Devolução. (Incluído, a partir de 1º/11/2021, pela Resolução BCB nº 103, de 8/6/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

 

Caso não sejam encontrados valores para a efetivação do bloqueio, a instituição financeira deverá realizar múltiplos bloqueios ou devoluções parciais a partir da conta transacional do usuário recebedor, sempre que recursos sejam nela creditados:

Art. 41-D.  Parágrafo único.  Em caso de devolução em valor inferior ao da transação original, o participante deverá realizar múltiplos bloqueios ou devoluções parciais a partir da conta transacional do usuário recebedor, sempre que recursos sejam nela creditados, até que se alcance: (Redação dada, a partir de 1º/1/2023, pela Resolução BCB nº 269, de 1º/12/2022.)

I - o valor total da transação objeto da solicitação de devolução; ou (Incluído, a partir de 1º/1/2023, pela Resolução BCB nº 269, de 1º/12/2022.)

II - noventa dias, contados a partir da transação original. (Incluído, a partir de 1º/1/2023, pela Resolução BCB nº 269, de 1º/12/2022.)

 

Passo a análise dos fatos no caso concreto.

É incontroverso que o autor foi vítima de fraude. Com a criação da transferência por meio de PIX, apesar da facilidade gerada para efetivar as transações, também se tornou um meio para a prática de fraude.

Por tais razões o Banco Central prevê o Mecanismo Especial de Devolução (MED).

O comprovante de PIX demonstra que a transação ocorreu em 16/12/2022 às 14h:28mim:10seg (evento nº 1.5).

O autor efetuou a contestação da transferência no dia 16/12/2022 às 15:h25mim:36seg (evento nº 1.6).

Deste modo a instituição pagadora abriu a solicitação de devolução ID 757349, momento em que apresentou a atualização “Em análise pela instituição recebedora”.

Somente no dia 20/10/2022 a solicitação foi aprovada pela instituição recebedora, iniciando a fase de devolução.

E no dia 24/10/2022 a instituição pagadora informou ao autor não haver saldo disponível para a devolução dos valores.

Desse modo, a solicitação foi aberta no dia 16/12/2022 e somente no dia 24/10/2022 o autor teve a resposta da sua solicitação.

A instituição recebedora somente aceitou a solicitação quatro dias após ter sido realizada, dificultando a efetuação do bloqueio dos valores transferidos.

Ademais, caso fossem não fosse bloqueados os valores ou fossem bloqueados em valor insuficiente, a RESOLUÇÃO BCB Nº 1/2020 do Banco Central prevê que o participante deverá realizar múltiplos bloqueios ou devoluções parciais a partir da conta transacional do usuário recebedor em até noventa dias, contados a partir da transação original.

As instituições financeiras também não demonstraram que tentou realizar os bloqueios no prazo de 90 dias.

Assim, resta demonstrada a falha na prestação do serviço, tendo em vista que ambas as instituições financeiras não agiram de forma diligente para efetuar o bloqueio dos valores e a posterior restituição ao autor.

Desse modo, é devida a devolução simples do valor R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais), devidamente atualizado.

No que tange a indenização por danos morais, a falha na prestação do serviço é suficiente para justificar o pleito indenizatório, posto que a prova do dano moral se satisfaz com a demonstração da sua existência, independentemente da prova objetiva do abalo psicológico, facilmente presumível. 

A jurisprudência mais atual tem reconhecido que todo dano moral causado por conduta ilícita é indenizável como direito subjetivo da própria pessoa ofendida.

Também é assente que a moral, absorvida como dado ético pelo direito, que não pode se dissociar dessa postura, impõe sejam as ofensas causadas por alguém a outrem devidamente reparadas pelo autor da ofensa.  

Assentado esses princípios, para a fixação do quantum referente à indenização por dano moral, não se encontrando no sistema normativo brasileiro método prático e objetivo, o juiz deve considerar as condições pessoais do ofendido; o seu ramo de atividade; perspectivas de avanço e desenvolvimento na atividade que exercia, ou em outra que pudesse vir a exercer; o grau de suportabilidade do encargo pelo ofensor e outros requisitos, caso a caso. Requisitos que há de valorar com critério de justiça, com predomínio do bom senso, da razoabilidade e da exequibilidade do encargo a ser suportado pelo devedor.

Com base nessas premissas, considerando-se a circunstância de que a indenização deve ter, sim, caráter punitivo, penalizando a conduta imprópria, desleixada e negligente, como a adotada pela Ré, desestimulando a prática de novos atos ilícitos, é de se entender como devida condenação no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Em vista de tais razões, com a devida vênia, voto no sentido de CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, para reformar a sentença impugnada e:

a) CONDENAR as partes rés a restituírem, solidariamente, o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais), com juros legais a partir da transação (16/12/2022) e correção monetária a partir do ajuizamento da ação;

a) CONDENAR as partes rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com juros legais a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil, e correção monetária a partir desta data (Súmula 362 do STJ).

Sem condenação ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, consoante o disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95.

É como voto.

Sala das Sessões, data certificada pelo sistema.

 

 

BENÍCIO MASCARENHAS NETO
Juiz Relator