PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Seção Criminal Classe: CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Processo nº: 8050574-36.2024.8.05.0000 Órgão Julgador: Seção Criminal SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA SANTANA Relator designado: Des. NILSON CASTELO BRANCO
EMENTA CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 3ª VARA CRIMINAL E VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. COMARCA DE FEIRA DE SANTANA. MULHER IDOSA QUE NOTICIA SUPOSTO COMETIMENTO, POR SEU EX-GENRO, DO CRIME DE AMEAÇA. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/2006. COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA. CONFLITO PROCEDENTE. 1. Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana-Ba, em face do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana-Ba, a fim de estabelecer o juízo competente para processar e julgar os autos de nº 8004301-50.2024.805.0080. 2. A análise do mérito do conflito negativo de competência suscitado dirige-se à apreciação do contexto fático e normativo subjacente à discrepância manifestada pelas partes e conseguinte identificação do critério decisório mais apropriado para a sua resolução. 3. A esse respeito convém explicitar que comungo do entendimento no sentido de que deve ser preconizada a aplicação da Lei 11.343/2006 a partir de fatores objetivos, reveladores das hipóteses de violência descritas no artigo 5°[1]. Nesse sentido a postura da doutrina[2]. 4. Assim, diante da notícia/comunicação de uma ação persecutória e violenta contra a mulher, e tendo sido identificado o contexto afetivo e/ou doméstico e/ou familiar entre a vítima do sexo feminino e seu agressor, deve-se partir da presunção juris tantum de que a referida violência se deu em razão do gênero. 5. Por esta senda, a incidência da novel legislação é determinada sem a necessária demonstração, pela mulher ofendida, da motivação específica do agressor. Em outras palavras, seja o preconceito, a perseguição, a subjugação, o menosprezo, a vingança ou a discriminação quanto ao gênero feminino, este não seria um fator a ser provado pela mulher vitimada, ab initio, como requisito para a aplicação dos institutos jurídicos que visam protegê-la, inclusive como forma de viabilizar o acesso à justiça e a investigação dos casos de violência para contenção de resultados mais gravosos à saúde, à integridade física e à vida da mulher. 6. Essa parece ser, inclusive, a motivação e a mais ajustada compreensão do artigo 40-A da Lei Maria da Penha, incluído pela Lei 14.550/2023 (DOU 20.04.2023), o qual estipula, em prol da efetividade da proteção dirigida à mulher vítima de violência, que “Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida”. 7. Nesse sentido, na linha da doutrina de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto[3], entendo que, tendo sido narrada pela ofendida a situação de violência a que está submetida, essa deve ser, em princípio, reputada verossímil, para efeito de aplicação dos institutos previstos na Lei Maria da Penha, configurando-se como ônus do agressor a demonstração de que o ato sob apuração não tem correlação com violência de gênero. Por essa trilha também se apresenta a postura de Renato Brasileiro[4]. 8. Na mesma direção apresentam-se os julgados do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se: STJ - REsp n. 1.616.165/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 22/6/2018; AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe de 5/8/2019; AgRg no REsp n. 1.906.303/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023; REsp n. 1.913.762/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023; AgRg no REsp n. 2.080.317/GO, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024. 9. Pois bem, tendo como ponto de partida o critério jurídico apresentado, cabe analisar o contexto fático que ensejou o presente conflito. Emerge dos autos que, em 13/03/2023, foi lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO nº 00017871/2023, no qual a ofendida, com 69 anos de idade à época, relata ameaça sofrida, supostamente perpetrada por seu ex-genro, Flávio da Silva Santos (ID 67344339, fls. 9/10). 10. Em Decisão de ID 67344341, fls. 16/23, o Juiz da Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana declinou da competência para a 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana, ao argumento de que “No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade”. 11. Remetidos os autos à 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana, o Ministério Público manifestou-se pela remessa dos autos a Delegacia de Polícia de origem, “seja porque o feito encontra-se em face de investigação, seja porque se faz necessário o cumprimento das diligências pontuadas pelo Ministério Público no ID. 434458647, inclusive porque será com o cumprimento destas - diligências - que se poderá ter uma noção precisa acerca de qual será o Juízo competente, bem como sobre a condição procedibilidade, porquanto não se tem informação da data do fato e, considerando a natureza de delito, de ação publica condicionada a representação e a data da abertura do feito na Delegacia de Policia, não sabe, também, se persiste o interesse da pretensa vítima na continuidade do feito” – ID 67344341, fls. 47/48. 12. Por sua vez, a Magistrada da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, suscitou conflito negativo de competência, aduzindo, em suma, que, “uma vez demonstrado que não se trata de crime coibido pelo Estatuto do Idoso, constatamos que a vigência da Lei Maria da Penha se afigura indubitável” e que “o crime foi cometido pelo acusado no contexto de violência familiar e doméstica contra a mulher, tal como prescrito pela Lei nº11.340/2006, pelo que a competência para processar e julgar o feito deve forçosamente permanecer na Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana/BA”. 13. No contexto fático e procedimental delineado, o conflito deve ser julgado procedente, para que o feito seja apreciado pela MM. Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana. 14. Com efeito, noticiada a ameaça sofrida pela vítima, a qual teria sido supostamente perpetrada pelo seu ex-genro, não é possível afastar, nessa etapa inicial, a incidência da Lei 11.343/2006. 15. Note-se que, a despeito da referência a idade da vítima, esta circunstância, por si só, não é capaz de elidir a presunção juris tantum de que a ameaça atribuída ao agressor tenha estrita relação com a subjugação e menosprezo à mulher por questões de gênero, tal como acertadamente delineado pelo Juízo suscitante do presente conflito. 16. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já definiu que “a Lei n. 11.340/2006 não estabeleceu nenhum critério etário para incidência das disposições contidas na referida norma, de modo que a idade da vítima, por si só, não é elemento apto a afastar a competência da vara especializada para processar os crimes perpetrados contra vítima mulher, seja criança ou adolescente, em contexto de violência doméstica e familiar” (EARESp 2099532/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 30/11/2022). 17. Não é demais trazer o pontuado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, ao julgar monocraticamente o Agravo em Recurso Especial n. 2171235 – SE, no sentido de que “a Lei Maria da Penha é de vigência posterior ao Estatuto do Idoso e prevê medidas protetivas mais relevantes às vítimas contra quem os abusos aconteceram em ambiente doméstico” (AREsp 2171235, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Data de Publicação DJe 24/03/2023). 18. Por esta senda, observado o critério decisório erigido, com apoio na doutrina e no entendimento firmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o presente conflito deve ser julgado procedente, fixando a competência do Juízo Suscitado para processamento e julgamento autos de n° 8004301-50.2024.805.0080. 19. Parecer da Procuradoria de Justiça pela procedência do presente conflito. 20. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência de n. 8050574-36.2024.805.0000, suscitado pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana-Ba em face do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana-Ba. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em conhecer do conflito e, por maioria de votos, por julgá-lo procedente, para fixar a competência do Juízo suscitado (Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana-Ba) para o processamento e julgamento da causa, nos termos do voto condutor. [1] Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. [2] LOBO, Marcela. Medidas Protetivas de Urgência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/medidas-protetivas-de-urgencia-ed-2023/1982367480. Acesso em: 3 de Setembro de 2024. FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O processo no caminho da efetividade. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 73. [3] CUNHA, Rogério Sanches Cunha; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. Lei Maria da Penha – 11.343/2006. 14 ed. São Paulo: Jus Podium, 2024, p. 78/79. [4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Legislação Criminal Especial - Volume Único. 12. ed., rev., atual. e.ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 1505.
Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 8050574-36.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Criminal
SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA
Advogado(s):
ACORDÃO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
SEÇÃO CRIMINAL
DECISÃO PROCLAMADA |
Julgou-se procedente o conflito, por maioria, nos termos do voto divergente do Desembargador Nilson Soares Castelo Branco, que restou designado para lavrar o acórdão. Acompanharam a relatora: Des Eserval Rocha, Des. Carlos Roberto Santos Araújo, Des. Jefferson Alves de Assis, Desa. Nágila Maria Sales Brito, Des. Julio Cezar Lemos Travessa e Desa. Soraya Moradillo Pinto. Acompanharam a divergência: Des. Mario Alberto Hirs, Desa. Inez Maria Brito Santos Miranda, Des Pedro Augusto Costa Guerra, Des Aliomar Silva Britto, Desa. Rita De Cássia Machado Magalhães, Desa. Aracy Lima Borges, Des. Antonio Cunha Cavalcanti , Des. Geder Luiz Rocha Gomes e Des Alvaro Marques Filho.
Salvador, 4 de Dezembro de 2024.
RELATÓRIO Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, tendo como suscitado o Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana. Consta nos autos Termo Circunstanciado de Ocorrência instaurado em face de Flavio da Silva Santos pela prática do delito previsto no art.147, caput, do CP, supostamente ocorrido no primeiro semestre de 2023, com incidência da Lei 11.340/2006, tendo como vítima a sua sogra, Flordenice Caribé Silva, com 69 anos de idade à época dos fatos. O feito foi inicialmente distribuído à Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana, tendo o MM. Juiz de Direito, Dr. Wagner Ribeiro Rodrigues, proferido decisão declinando de sua competência para uma das Varas Criminais comum, por entender que“ no tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade.”. (ID 67344341, fls. 16/23). Recebidos os autos, a MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, Dra. Sebastiana Costa Bomfim e Silva, através da decisão de ID 67344341, fls. 51/59, suscitou conflito negativo de competência, sob o argumento, em síntese, de que “o crime foi cometido pelo acusado no contexto de violência familiar e doméstica contra a mulher, tal como prescrito pela Lei nº11.340/2006”. Nesta Superior Instância, o feito foi distribuído para a relatoria desta magistrada, por livre sorteio (ID 65378737). Instada a se manifestar, a autoridade suscitada da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana, prestou as informações inseridas no ID 68938723. Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Rômulo de Andrade Moreira, manifestou-se pela procedência do presente conflito, para que seja declarada a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana para julgamento do feito (ID 69910237). É o relatório. Salvador, (data registrada no sistema) Desa. IVETE CALDAS SILVA FREITAS MUNIZ Relatora (documento assinado eletronicamente)
Classe: CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Processo nº: 8050574-36.2024.8.05.0000 Órgão Julgador: Seção Criminal SUSCITANTE: JUÍZO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA SUSCITADO: JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE FEIRA SANTANA Relatora Originária: Desa. Ivete Caldas Silva Freitas Muniz RELATÓRIO Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana-Ba, em face do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana-Ba, a fim de estabelecer o juízo competente para processar e julgar os autos de nº 8004301-50.2024.805.0080. Emerge dos autos que, em 13/03/2023, foi lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO nº 00017871/2023, no qual a ofendida, com 69 anos de idade à época, relata ameaça sofrida, supostamente perpetrada por seu ex-genro, Flávio da Silva Santos (ID 67344339, fls. 9/10). Em Decisão de ID 67344341, fls. 16/23, o Juiz da Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana declinou da competência para a 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana, ao argumento de que “No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade”. Por sua vez, a Magistrada da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana suscitou conflito negativo de competência, aduzindo, em suma, que, “uma vez demonstrado que não se trata de crime coibido pelo Estatuto do Idoso, constatamos que a vigência da Lei Maria da Penha se afigura indubitável” e que “o crime foi cometido pelo acusado no contexto de violência familiar e doméstica contra a mulher, tal como prescrito pela Lei nº11.340/2006, pelo que a competência para processar e julgar o feito deve forçosamente permanecer na Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana/BA”. Instaurado o Conflito Negativo, os autos foram distribuídos, por livre sorteio, à Eminente Desembargadora Relatora Ivete Caldas Silva Freitas Muniz. Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria de Justiça opinou pela PROCEDÊNCIA DO CONFLITO, para que seja declarada a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana para julgamento do feito (ID 69910237). A Eminente Relatora, Desa. Ivete Caldas Silva Freitas Muniz, apresentou voto pela improcedência do conflito, declarando competente a 3ª Vara Crime Comarca de Feira de Santana, por se tratar de uma suposta violência contra uma pessoa idosa. Acompanharam a Exma. Relatora os Eminentes Desembargadores Eserval Rocha, Carlos Roberto Santos Araújo, Jefferson Alves de Assis, Nágila Maria Sales Brito, Julio Cezar Lemos Travessa e Soraya Moradillo Pinto. Na sessão de julgamento apresentei divergência, no que fui seguido pelos demais integrantes do Colegiado, motivo pelo qual fui designado para lavrar o Acórdão (ID 74353051). É o relatório. VOTO Trata-se de conflito que tem por objeto a definição da competência para o processamento e julgamento dos autos de n° 8004301-50.2024.805.0080, no qual é noticiado pela ofendida, com 69 anos de idade à época, o suposto cometimento do delito de ameaça por Flávio da Silva Santos, seu ex-genro. O presente processo se dirige à análise do mérito do conflito negativo de competência suscitado, para melhor apreciação do contexto fático e normativo subjacente à discrepância manifestada pelas partes e conseguinte identificação do critério decisório mais apropriado para a sua resolução. A esse respeito convém explicitar que comungo do entendimento no sentido de que deve ser preconizada a aplicação da Lei 11.343/2006 a partir de fatores objetivos, reveladores das hipóteses de violência descritas no artigo 5°[5]. Como pontuado por Marcela Lobo: A violência contra as mulheres tem sido um dos mecanismos sociais principais para impedi-las a ter acesso a posições de igualdade em todas as esferas da vida social, incluindo a vida privada. Essa violência é uma manifestação de poder e expressa uma dominação masculina de amplo espectro, histórica e culturalmente construída, para além de sua manifestação nos corpos das mulheres. É uma violência difusa e, muitas vezes, tolerada e não visibilizada, especialmente quando ocorre na família, no ambiente de trabalho ou mesmo nas instituições públicas, o que dificulta para a vítima o acesso aos mecanismos de proteção do Estado e da sociedade. Em contextos sociais nos quais a violência é usada como um padrão de resolução de conflitos, sua incidência se exacerba em relação às mulheres como mais um componente de dominação[6]. Assim, diante da notícia/comunicação de uma ação violenta contra a mulher, e tendo sido identificado o contexto afetivo e/ou doméstico e/ou familiar entre a vítima do sexo feminino e seu agressor, deve-se partir da presunção juris tantum de que a referida violência se deu em razão do gênero. Por esta senda, a incidência da novel legislação é determinada sem a necessária demonstração, pela mulher ofendida, da motivação específica do agressor. Em outras palavras, seja o preconceito, a subjugação, o menosprezo, a vingança ou a discriminação quanto ao gênero feminino, este não seria um fator a ser provado pela mulher vitimada, ab initio, como requisito para a aplicação dos institutos jurídicos que visam protegê-la, inclusive como forma de viabilizar o acesso à justiça e a investigação dos casos de violência para contenção de resultados mais gravosos à saúde, à integridade física e à vida da mulher. Essa parece ser, inclusive, a motivação e a mais ajustada compreensão do artigo 40-A da Lei Maria da Penha, incluído pela Lei 14.550/2023 (DOU 20.04.2023), o qual estipula, em prol da efetividade da proteção dirigida à mulher vítima de violência, que “Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida”. Nesse sentido, na linha da doutrina de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, entendo que, tendo sido narrada pela ofendida a situação de violência a que está submetida, essa deve ser, em princípio, reputada verossímil, para efeito de aplicação dos institutos previstos na Lei Maria da Penha, configurando-se como ônus do agressor a demonstração de que o ato sob apuração não tem correlação com violência de gênero. Confira-se: Embora a quase totalidade dos casos de violência no contexto doméstico tenha um viés de gênero, já que a misoginia e a discriminação são problemas profundamente arraigados na sociedade, é possível vislumbrar situação excepcional, em que um caso de violência comum se deu no ambiente doméstico, mas não está necessariamente relacionado ao gênero. (...) Diante disso, por cautela, sugere-se reconhecer que se trata de presunção relativa (juris tantum). Ao reconhecer a presunção relativa, o legislador estabelece que determinada situação é considerada verdadeira e só pode ser afastada diante de provas em contrário. Em outras palavras, trata-se de uma presunção de que a violência, nesses contextos, é uma violência de gênero, salvo quando ocorrer a demonstração inequívoca de que aquele ato não atingiu ou visou a mulher vítima. O ônus da prova cabe ao agressor (fato modificativo), que não poderá trazer aos autos elementos impertinentes e estranhos ao processo ou que importem em violação da intimidade ou vida privada da vítima para afastar competência (Lei Mariana Ferrer, art. 400-A, CPP). A autoridade judiciária, em razão do princípio da proteção e da vulnerabilidade da mulher nesse contexto, não poderá afastar a incidência da lei com base em entendimentos pessoais, mas somente - e, excepcionalmente, repita-se - quando houver provas aptas a afastar uma presunção legal. Inclusive, nos crimes envolvendo violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, a investigação, ab initio, deve considerar que o fato foi cometido em situação de violência de gênero. (p. Violência Domética, Lei Maria da Penha – 11.343/2006. Comentada artigo por artigo. 14 ed. São Paulo: Jus Podium, 2024, p. 78/79). Na mesma direção apresentam-se os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO PRATICADO POR IRMÃO CONTRA IRMÃ. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na presente hipótese, o Tribunal goiano, em julgamento de conflito de competência, rechaçou a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como a incidência da Lei Maria da Penha, sob o fundamento de que não teria sido constatada relação de dominação ou poder do acusado sobre a vítima, o que afastaria, por conseguinte, a motivação de gênero na ação delituosa. 2. Na decisão monocrática ora agravada, consignei estar-se diante de uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, praticada por irmão contra irmã. Com efeito, consoante destaquei dos termos do acórdão recorrido, "o acusado, segundo as declarações da ofendida, atacou-a pelas costas com socos, enquanto ela lavava louça e, depois, apossou-se de uma faca com a intenção de feri-la com o instrumento". 3. Em que pese o entendimento do Tribunal a quo, a orientação mais condizente com o espírito protetivo da Lei n. 11.340/2006, que restou evidenciada pela inovação legislativa promovida pela Lei n. 14.550/2023 e abraçada pelos precedentes mais recentes desta Corte, é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º (no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto). 4. Nesse sentido, o novel art. 40-A da Lei Maria da Penha passou a prever que o diploma protetivo será aplicado "a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida". 5. Na mesma toada, "[o] Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir" (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022). 6. Assim, denota-se existir situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a ser apurada no presente caso, apta a justificar a incidência do diploma protetivo pertinente e da competência da vara especializada, nos termos do art. 5º, I e II, da Lei n. 11.340/2006. Mantida, pois, a decisão agravada que, dando provimento ao recurso especial ministerial, determinou a observância da competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Aparecida de Goiânia/GO para processar e julgar o feito. 7. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp n. 2.080.317/GO, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024.). AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 5º DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. IMPROCEDÊNCIA. VÍTIMA CUNHADA DO AGRESSOR. RELAÇÃO FAMILIAR QUE JUSTIFICA A INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 129 E 165 DO CP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos (AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 5/8/2019). 1.1. No caso, incide a Lei n. 11.340/2006 por estar evidenciado o vínculo familiar entre o acusado e a vítima, já que são cunhados um do outro. Precedente. 2. O Tribunal de origem entendeu pela condenação do recorrente, baseando-se na dinâmica dos fatos e nas provas colhidas na instrução processual, notadamente nos depoimentos coesos da vítima e de diversas testemunhas (irmão do acusado, J e policial), as quais demonstraram as agressões perpetradas pelo recorrente contra sua cunhada, bem como a depredação do veículo em que se encontrava. Desse modo, para se concluir de modo diverso, seria necessário o revolvimento dos elementos probatórios, providência vedada conforme Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.906.303/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023.). RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL EM AMBIENTE DOMÉSTICO COMETIDO POR FILHO CONTRA MÃE. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/2006. RECURSO PROVIDO. 1. "O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir" (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022). 2. A violência contra a mulher provém de um aspecto cultural do agente no sentido de subjugar e inferiorizar a mulher, de modo que, ainda que a motivação do delito fosse financeira, conforme asseverado pelas instâncias de origem, não é possível afastar a ocorrência de violência doméstica praticada contra mulher. 3. Dessa forma, tendo em vista que no presente caso foram cometidos crimes, em tese, por filho contra a mãe, de rigor o reconhecimento da competência do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.913.762/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023.). Pois bem, tendo como ponto de partida o critério jurídico apresentado, cabe analisar o contexto fático que ensejou o presente conflito. Emerge dos autos que, em 13/03/2023, foi lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO nº 00017871/2023, no qual a ofendida, à época com 69 anos de idade, relata ameaça sofrida, supostamente perpetrada por seu ex-genro, Flávio da Silva Santos (ID 67344339, fls. 9/10). Em suas declarações perante a autoridade policial, a vítima aduziu que: “Que a declarante alega que a pessoa de FLÁVIO DA SILVA SANTOS, teve um envolvimento amoroso com a filha da declarante de nome GUATEMI CARIBÉ SILVA (falecida); que esse FLÁVIO vivia ameaçando a filha da declarante querendo dinheiro e fazia muita pressão a ponto da filha da declarante ter um enfarto e faleceu; Que quando o mesmo ficou sabendo que a filha da declarante havia falecido ele retornou para a casa e pegou todas as documentações da falecida e deteriorar tudo que ela tinha; Que como a declarante sabia de tudo FLAVIO começou a fazer ameaças de morte a declarante dizendo que ‘iria passar com o carro em cima da declarante e matar a declarante e os bisnetos da vítima’; Que a declarante DESEJA REPRESENTAR CONTRA FLÁVIO DA SILVA SANTOS” – ID 67344339, fl. 14. Manifestado o desejo de representação, foi lavrado Termo de Representação/Requerimento Criminal (ID 67344339, fl. 16). Em seguida, Flávio da Silva Santos foi ouvido pela autoridade policial, tendo narrado que: “PERG; QUANTO TEMPO O DECLARANTE CONVIVEU COM A PESSOA DE GUATEMI CARIBÉ SILVA? Resp. Aproximadamente 24 anos; Que nunca se separaram; Que o declarante alega que a casa em que morava é da sua propriedade e GUATENI foi morar com ele nessa casa; Que os filhos de GUATEMI os quais não são seus filhos do declarante hoje cada um tem sua casinha; Que o declarante informa que a mãe de GUATEMI nunca gostou do declarante e sempre procura problema; Que nunca fez nenhum tipo de ameaça a mãe de Guatemi; Que a documentação que o filho pegou foi para fazer o inventários dos bens deixados pela ex companheira; Que o declarante alega que os filhos cansam de mandar mensagens para o declarante dizendo que não vai deixar o declarante em paz” – ID 67344339, fls. 18/20. Após intimada para informar sobre possíveis testemunhas do fato, a ofendida as enumerou por meio do documento de ID 67344339, fl. 25. Por meio do decisum de ID 67344341, fl. 5, o Magistrado da 5ª Vara do Sistema dos Juizados da Comarca de Feira de Santana declinou da sua competência para a Vara da Justiça pela Paz da Comarca de Feira de Santana. O presentante do Parquet com atuação na Vara de Violência Doméstica pugnou por diligências, especialmente a reinquirição da vítima e a oitiva das testemunhas por ela declinadas, haja vista a necessidade de melhor esclarecimentos dos fatos, “porquanto não foram colhidos elementos suficientes à comprovação da prática delitiva” (ID 67344341, fl. 14). Em Decisão de ID 67344341, fls. 16/23, o Juiz da Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana declinou da competência para a 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana, ao argumento de que “No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade”. Remetidos os autos à 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana, o Ministério Público manifestou-se pela remessa dos autos a Delegacia de Polícia de origem, “seja porque o feito encontra-se em face de investigação, seja porque se faz necessário o cumprimento das diligências pontuadas pelo Ministério Público no ID. 434458647, inclusive porque será com o cumprimento destas - diligências - que se poderá ter uma noção precisa acerca de qual será o Juízo competente, bem como sobre a condição procedibilidade, porquanto não se tem informação da data do fato e, considerando a natureza de delito, de ação publica condicionada a representação e a data da abertura do feito na Delegacia de Policia, não sabe, também, se persiste o interesse da pretensa vítima na continuidade do feito” – ID 67344341, fls. 47/48. A magistrada da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, por sua vez, suscitou conflito negativo de competência, nos seguintes termos: “(...) Em que pese o parecer da promotora titular da Vara de Violência Doméstica desta comarca pugnando pela necessidade de deferimento de novas diligências para comprovação da prática delitiva (Id nº 434458647), Entendeu por bem o MM. Juízo suscitado de maneira apressada, como bem pontuado o promotor de Justiça desta comarca em sua manifestação lançada (Id nº451702786) e equivocada a meu ver, pela incompetência da vara de violência doméstica sob o argumento de que, por se tratar de vítima idosa, o crime é regulado pelo Estatuto da Pessoa Idosa, e não pela Lei Maria da Penha, não havendo violência doméstica em função do gênero e determinando a redistribuição do processo para a 3ª Vara Criminal. Não concordo, no entanto, com a devida vênia, com referida decisão. A Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, visa prevenir e coibir a violência familiar e doméstica contra a mulher, em seguimento aos termos do art. 226, §8°, da nossa Magna Lex. Assim, o dito Diploma Legislativo tipifica e define os casos de violência, que, segundo seu artigo 5°, consistem em: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. (...) O texto da Lei acima define, ainda, as formas de violência vividas por mulheres no cotidiano: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Contudo, malgrado a existência e abrangência da Lei, com o intuito de proteger a mulher, tal diploma não pode ser aplicado indistintamente a qualquer mulher, mas àquelas que se encontram numa condição de opressão em função de gênero, e que possuam algum convívio doméstico ou familiar com o agressor. Ocorre que o referido diploma não estabelece nenhum critério pautado na idade da vítima, muito menos excetua, sob qualquer aspecto, que mulheres idosas não possam padecer da violência de gênero, tal como acima descrita. Lado outro, o MM. Juízo faz referência ao Estatuto do Idoso, inferindo que, tomando-se exclusivamente a idade da ofendida, a situação de violência narrada na proemial estaria abarcada por esta Lei, e não pela Lei Maria da Penha. Entretanto, data máxima venia, verificamos que ocorre um equívoco interpretativo, por parte do digno prolator da decisão, acerca da natureza e da finalidade de ambas as legislações. Isso porque, como já afirmado, a Lei nº 11.340/2006 tem por escopo proteger a mulher sob o aspecto da vulnerabilidade do gênero feminino referente às relações do lar, ao passo que a Lei nº 10.741/03 tem objetivo completamente distinto, que é o de proteger e resguardar a pessoa idosa precisamente quanto à sua condição de idade avançada. Tais circunstâncias podem ser verificadas pelos ditames expostos no próprio Estatuto do Idoso, in verbis: (...) No mesmo sentido, é de clareza solar que a ameaça cometida contra pessoa idosa, cuja violência não tenha se originado precisamente da sua condição de idosa, não consta do rol de crimes elencados entre os artigos 96 e 109, ambos do Estatuto do Idoso, razão pela qual este não pode ser utilizado para fins de tipificação criminal. Nesse diapasão, uma vez demonstrado que não se trata de crime coibido pelo Estatuto do Idoso, constatamos que a vigência da Lei Maria da Penha se afigura indubitável. Destarte, infere-se dos autos que o crime foi cometido pelo acusado no contexto de violência familiar e doméstica contra a mulher, tal como prescrito pela Lei nº11.340/2006, pelo que a competência para processar e julgar o feito deve forçosamente permanecer na Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana/BA. Ressalto que este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia já se pronunciou em situações idênticas a tratada nestes autos pela competência da Vara de Violência Doméstica contra a mulher, em razão da vulnerabilidade presumida da mulher independentemente da idade, a exemplo dos Conflitos de Jurisdição de nº , TJ/BA; Conflitos de Jurisdição n. 8046850-58.2023.8.05.0000, Rel. Des. Carlos Roberto Santos Araújo; DJE 27.06.2024, Conflitos de Jurisdição nº 8026279- 88.2021.8.05.0080, (TJ/BA; Conflito de Jurisdição nº 8000420-36.2022; Seção Criminal; Rel. Desa. Ivete Caldas Silva Freitas, DJe 20/12/2023), Conflitos de Jurisdição n. 8026351-41.2022.8.05.0000, Rel. Des. Antonio Cunha Cavalcanti; 06.07.2023, TJ/BA; Conflitos de Jurisdição n. 804630755.2023.8.05.0000, Rel. Des. Alvaro Marques de Freitas Filho; 09.02.2024, Conflitos de Jurisdição n. 8058601-42.2023.8.05.0000, Rel. Desa. Soraya Moradillo Pinto; 27.05.2024, Conflitos de Jurisdição n. 8045313-27.2023.8.05.0000, Rel. Des. João Bosco de Oliveira Seixas; 06.11.2023, Conflitos de Jurisdição n. 80449502-48.2023.8.05.0000, Rel. Des. Mario Alberto Simões Hirs; 11.11.2023, cuja a decisão são similares ao julgado recente da digníssima corte a seguir transcrito: (...) No mais, ainda que na remota hipótese de restar configurado o crime de ameaça excluindo-se o contexto de Violência Doméstica, o que não é o caso, este Juízo não é o Juízo competente, pois, o delito em apreço é considerando de menor potencial ofensivo, estando em conformidade com o disposto no art. 60 e 61 da Lei 11.313/2006, os quais estabelecem que: “Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.” “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” (...)” - ID 67344341, fls. 51/59. No contexto fático e procedimental delineado, o conflito deve ser julgado procedente, para que o feito seja apreciado pela MM. Juíza de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana. Com efeito, noticiada a ameaça sofrida pela vítima, a qual teria sido supostamente perpetrada pelo seu ex-genro, não é possível afastar, nessa etapa inicial, a incidência da Lei 11.343/2006. Note-se que, a despeito da referência a idade da vítima, esta circunstância, por si só, não é capaz de elidir a presunção juris tantum de que a ameaça atribuída ao agressor tenha estrita relação com a subjugação e menosprezo à mulher por questões de gênero, tal como acertadamente delineado pelo Juízo suscitante do presente conflito. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já definiu que “a Lei n. 11.340/2006 não estabeleceu nenhum critério etário para incidência das disposições contidas na referida norma, de modo que a idade da vítima, por si só, não é elemento apto a afastar a competência da vara especializada para processar os crimes perpetrados contra vítima mulher, seja criança ou adolescente, em contexto de violência doméstica e familiar” (EARESp 2099532/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 30/11/2022). Não é demais trazer o pontuado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, ao julgar monocraticamente o Agravo em Recurso Especial n. 2171235 – SE, no sentido de que “a Lei Maria da Penha é de vigência posterior ao Estatuto do Idoso e prevê medidas protetivas mais relevantes às vítimas contra quem os abusos aconteceram em ambiente doméstico” (AREsp 2171235, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Data de Publicação DJe 24/03/2023). No mesmo sentido, é o parecer da douta Procuradoria de Justiça (ID 69910237): “Analisando o caso dos autos, somos pelo reconhecimento da competência do Juízo de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Feira de Santana/BA, pelas razões a seguir delineadas. Nada obstante o entendimento de alguns julgados no sentido de que a competência das Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher exige não apenas a prática de violência contra mulher no contexto doméstico, familiar ou afetivo, mas também a ofensa estribada na vulnerabilidade decorrente do gênero da vítima, observa-se que recentemente foi publicada a Lei nº. 14.550, de 19 de abril de 2023, que alterou a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/06), acrescentando o art. 40-A, que dispõe: “Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida” (grifamos). Dessarte, tendo em vista a alteração na Lei nº. 11.340/06 (acima referida), não há que se falar mais em análise da motivação relacionada à questão do gênero, porquanto a Lei Maria da Penha determina sua aplicação a todas as situação previstas no seu art. 5º, “independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida”. Bem a propósito, vejamos a lição de Alice Bianchini e Thiago Pierobom de Ávila: “Sobre a questão, antes da edição da nova Lei subsistiam duas interpretações: uma restritiva, que exigia a verificação acerca da motivação de gênero em relação à violência e, outra, que considerava que ato de violência doméstica, familiar e oriunda de relação íntima de afeto contra uma mulher é sempre uma forma de violência baseada no gênero, porque é derivada de representações sociais e culturais de gênero estruturantes das relações sociais e por afetarem as mulheres de forma desproporcional. O segundo posicionamento está alinhado à nova norma e, consequentemente, com os objetivos trazidos na Lei Maria da Penha, que é o de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar. Também se encontra alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o qual ao tratar da ‘Desigualdade de gênero’ e das ‘Desigualdades estruturais, relações de poder e interseccionalidades’, esclarece que (BRASIL, 2021, item 2, ‘a’): A homens e mulheres são atribuídas diferentes características, que têm significados e cargas valorativas distintas. O pouco valor que se atribui àquilo que associamos culturalmente ao ‘feminino’ (esfera privada, passividade, trabalho de cuidado ou desvalorizado, emoção em detrimento da razão) em comparação com o ‘masculino’ (esfera pública, atitude, agressividade, trabalho remunerado, racionalidade e neutralidade) é fruto da relação de poder entre os gêneros e tende a perpetuá-las. Isso significa dizer que, no mundo em que vivemos, desigualdades são fruto não do tratamento diferenciado entre indivíduos e grupos, mas, sim, da existência de hierarquias estruturais. A assimetria de poder se manifesta de diversas formas. Ela se concretiza, por exemplo, em relações interpessoais – a violência doméstica é uma forma de concretização dessa assimetria, bem como a violência sexual. Entretanto, por trás e para além de relações interpessoais desiguais, existe uma estrutura social hierárquica, que é o que molda, dentre outros, as relações interpessoais, os desenhos institucionais e o direito. (…) A equivocada busca por uma ‘motivação de gênero’ também desloca o centro gravitacional da LMP para o ofensor (indevidamente usando, por analogia, parâmetros de tipos penais que exigem dolo específico), ao invés de alinhar-se nas necessidades de proteção às mulheres, derivadas do direito fundamental a uma vida livre de todas as formas de violência (cf. LMP, art. 4º).Vale relembrar que a jurisprudência já entendia que a qualificadora do feminicídio em contexto de violência doméstica e familiar possui natureza objetiva, ou seja, deriva do contexto relacional e não da motivação (STJ, AgRg AREsp 1166764, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., j. 06/06/2019). (…) Portanto, para espancar qualquer espécie de dúvida interpretativa, a Lei n. 14.550/2023 insere à LMP, como já mencionado, o art. 40-A, o qual determina a aplicação da LMP ‘a todas as situações previstas no art. 5º, independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.’ Isso significa que, para a aplicação da LMP, basta que se trate de vítima mulher, que alega ter sofrido violência no âmbito das relações domésticas, familiares, ou íntimas de afeto. Isso é suficiente para definir o estatuto jurídico aplicável ao caso (LMP), trazendo segurança jurídica à definição da competência do Juizado da Mulher. Em outras palavras, a lei expressamente conceitua que todos os casos de VDFCM são formas de violência baseada no gênero, que a discriminação às mulheres nesses casos não é um pré-requisito probatório de aplicação da lei, e sim o seu pressuposto político. Não se trata nem de presunção legal, há, isso sim, a definição de uma categoria jurídica; portanto, não há que se falar em produção de prova de ausência de vulnerabilidade (o que voltaria a trazer a insegurança jurídica sobre o estatuto protetivo da LMP). Esta conceituação jurídica de que toda VDFCM é violência baseada no gênero está perfeitamente alinhada com as diretrizes de órgãos internacionais derivados de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como o MESECVI (Convenção de Belém do Pará) e o Comitê CEDAW (Convenção CEDAW da ONU). Vale registrar que as recomendações destes órgãos integram o denominado direito internacional consuetudinário, compondo o arcabouço de interpretação sistemática do tratado (jus cogens), por se tratar de uma interpretação dos próprios representantes dos Estados signatários, nos termos do art. 31.3 da Convenção de Viena (Decreto n. 7.030/2009), sobre a interpretação de tratados internacionais (MECHLEM, 2009). (…) A lei reforça a diretriz de que todas as mulheres que sofrem violência no âmbito das relações domésticas, familiares e íntimas de afeto têm direito ao estatuto protetivo da LMP, independentemente de discussões sobre se haveria ou não uma ‘especial motivação de gênero’ do ofensor ou ainda se a mulher seria concretamente vulnerável ou hipossuficiente.” 1 (Grifos nossos). Nesse sentido, convém colacionar um julgado do Superior Tribunal de Justiça e a ementa de um julgado desse Tribunal de Justiça da Bahia: “O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022). A violência contra a mulher provém de um aspecto cultural do agente no sentido de subjugar e inferiorizar a mulher, de modo que, ainda que a motivação do delito fosse financeira, conforme asseverado pelas instâncias de origem, não é possível afastar a ocorrência de violência doméstica praticada contra mulher. Dessa forma, tendo em vista que no presente caso foram cometidos crimes, em tese, por filho contra a mãe, de rigor o reconhecimento da competência do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça - REsp n. 1.913.762/GO, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023). “Conflito negativo de competência. suposta prática dos crimes de ameaça, injúria e lesões corporais do filho contra a mãe e a irmã. Contexto de brigas familiares. Irrelevância da motivação do conflito. Hipossuficiência da mulher presumida. Subjugação estrutural do gênero feminino. Inclusão do art. 40-A na Lei 11.340/2006. Expressa prescindibilidade da motivação das agressões. Violência familiar contra a mulher configurada, nos termos do art. 5º da lei 11.340/2006. Incidência da Lei Maria da Penha. Parecer ministerial nesse sentido. Conflito julgado procedente para fixar a competência do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana/BA, o suscitado.” (Tribunal de Justiça da Bahia – Conflito de Competência nº. 8000420-36.2022.8.05.0080, relator Des. Baltazar Miranda Saraiva, Seção Criminal, julgado em 05/07/2023, DJe de 06/07/2023). Ademais, esse Tribunal de Justiça da Bahia também já decidiu que a “Lei nº 11.340/2006 não excepcionou do seu alcance qualquer categoria do gênero feminino, asseverando, em seu art. 5º, a sua aplicabilidade a toda e qualquer mulher, independentemente de idade ou qualquer outra condição particular. (…) o fato de haver superposição de normas protetivas, ante a circunstância da vítima estar abstratamente tutelada pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), não tem o condão de excluir a incidência da proteção da Lei nº 11.340/2006, a denominada Lei Maria da Penha. Pelo contrário, a incidência simultânea de eventuais privilégios contemplados no Estatuto do Idoso apenas complementa a tutela em questão” 2 (Sublinhamos) No que se refere ao tema, Renato Brasileiro de Lima leciona: “Especificamente em relação ao sujeito passivo da violência doméstica e familiar, há uma exigência de uma qualidade especial: ser mulher. Por isso, estão protegidas pela Lei Maria da Penha não apenas esposas, companheiras, amantes, namoradas ou ex-namoradas, como também filhas e netas do agressor, sua mãe, sogra, avó, ou qualquer outra pessoa do sexo feminino, criança, adulta ou idosa, com a qual haja uma relação doméstica, familiar ou íntima de afeto. A aplicação da Lei Maria da Penha não reclama considerações sobre a motivação da conduta do agressor, mas tão somente que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em um dos contextos do art. 5º da Lei n. 11.340/06.” 3 (Grifamos). Por derradeiro, vejamos dois recentes julgados desse Tribunal de Justiça da Bahia, bem pertinentes ao caso dos autos: “Efetivamente, a ofendida é pessoa maior de 60 (sessenta) anos, mas a sua idade não altera o seu gênero. Ela continua sendo mulher, vulnerável por sua própria condição e, justamente por vislumbrar a necessidade de proteção da mulher, criou-se vara especializada na sua defesa. (…) observa-se que o legislador não fez qualquer distinção quanto às mulheres que seriam alcançadas pela Lei nº 11.340/2006, não havendo qualquer referência à idade da mulher para ser tida como vítima. Sendo assim, o requisito analisado é tão somente pertencer ao sexo feminino. À míngua de qualquer exclusão constante do texto da Lei, conclui-se que qualquer mulher está por ela tutelada, independente da idade, seja adulta, idosa ou até mesmo adolescente. Nestes últimos casos, haverá superposição de normas protetivas, pela incidência simultânea dos Estatutos do Idoso e da Criança e Adolescente, que não parecem excluir as normas de proteção da Lei Maria da Penha que, inclusive, complementam a abrangência de tutela, devendo ser salientado que a Lei Maria da Penha não se restringe à violência doméstica, abrangendo, igualmente, a violência familiar, do que não estão livres, infelizmente, crianças, adolescentes e idosos. (…) A Lei nº 11.340/2006 é posterior ao Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003, havendo naquela, como visto, previsão expressa no sentido de que serão aplicadas as normas do Estatuto do Idoso somente quando não conflitarem com as normas previstas na Lei nº 11.340/2006 (artigo 13), a proteção à mulher aparece como uma forma de discriminação positiva, pressupondo a lei a situação de desigualdade existente entre o agressor homem e a vítima mulher, independentemente de sua idade.” (Classe: Conflito de Jurisdição, Número do Processo: 8046850-58.2023.8.05.0000, Relator: Des. Carlos Roberto Santos Araújo, Publicado em: 26/06/2024, grifamos). “Por outro lado, embora exista apenas uma Vara neste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com competência especializada em crimes contra idosos, ainda que cumulada com a competência comum, qual seja a 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, nos termos do parágrafo único, do art. 131, da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia, sabe-se que a sua competência restringe-se aos processos nos quais seja imputada a prática dos crimes previstos nos artigos 95 a 114, da Lei nº 10.741/2003, que tratam dos crimes e contravenções contra os idosos, sendo que a conduta descrita na representação sob apreço não se subsume a nenhuma das hipóteses de crimes e contravenções penais elencadas no referido Estatuto da Pessoa Idosa.” (Classe: Conflito de Jurisdição, Número do Processo: 8046307- 55.2023.8.05.0000, Relator: Juiz Álvaro Marques de Freitas Filho, Publicado em: 09/02/2024, sublinhamos). Ante o exposto, entendemos que a solução do presente conflito de competência deve ser no sentido de reconhecer a competência do Juízo de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Feira de Santana/BA”. Por esta senda, observado o critério decisório erigido, com apoio na doutrina e no entendimento firmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o presente conflito deve ser julgado procedente, fixando a competência do Juízo Suscitado para processamento e julgamento autos de n° 8004301-50.2024.805.0080. CONCLUSÃO Ante o exposto, divergindo do posicionamento adotado pela Eminente Relatora originária, voto pelo julgamento procedente do conflito, para que seja fixada a competência do Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana-Ba. É como voto. Nilson Soares Castelo Braco – Seção Criminal Relator designado p/ Acórdão [1] Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. [2] LOBO, Marcela. Medidas Protetivas de Urgência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/medidas-protetivas-de-urgencia-ed-2023/1982367480. Acesso em: 3 de Setembro de 2024. FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O processo no caminho da efetividade. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 73. [3] CUNHA, Rogério Sanches Cunha; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. Lei Maria da Penha – 11.343/2006. 14 ed. São Paulo: Jus Podium, 2024, p. 78/79. [4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Legislação Criminal Especial - Volume Único. 12. ed., rev., atual. e.ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 1505. [5] Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. [6] LOBO, Marcela. Medidas Protetivas de Urgência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/medidas-protetivas-de-urgencia-ed-2023/1982367480. Acesso em: 3 de Setembro de 2024.
Conflito de Competência nº 8050574-36.2024.8.05.0000 Suscitante: Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana Suscitado: Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana Processo referência: nº 8004301-50.2024.8.05.0080 Procurador de Justiça: Dr. Rômulo de Andrade Moreira Voto vencido: Desa. Ivete Caldas Silva Freitas Muniz CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO PELA 3ª VARA CRIMINAL, EM FACE DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, AMBAS DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA. PARECER DA DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELA PROCEDÊNCIA DO CONFLITO. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA SOGRA, IDOSA DE 69 ANOS DE IDADE À ÉPOCA DOS FATOS. INEXISTÊNCIA DE EVIDÊNCIAS QUE APONTEM TEREM SIDO AS RELATADAS AGRESSÕES MOTIVADAS POR QUESTÕES DECORRENTES DE DEPENDÊNCIA FINANCEIRA OU QUALQUER OUTRA VULNERABILIDADE DA VÍTIMA, EM RELAÇÃO AO AGRESSOR, QUE JUSTIFIQUE A FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTIVA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. VARAS JUDICIÁRIAS ESPECIALIZADAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMLIAR QUE FORAM CRIADAS PELA LEI ESTADUAL Nº 10.845/2007, A PARTIR DO ADVENTO DA LEI FEDERAL 11.340/2006, COM COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR OS CRIMES COMETIDOS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, EM SITUAÇÃO DE SUBMISSÃO, VULNERABILIDADE E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, EM RELAÇÃO AO AGRESSOR. ART. 40-A, DA LEI 11.340/2006, QUE DISPÕE SOBRE O CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DEFINIDAS NO SEU ART. 5º, EM QUALQUER SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA A VÍTIMA DO SEXO FEMININO, MAS NÃO DETERMINA QUE TODOS O CASOS SEJAM PROCESSADOS E JULGADOS PERANTE AS VARAS ESPECIALIZADAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, E NEM PODERIA, PORQUE NA FORMA DO ART. 96, I, ALÍNEA "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMPETE AOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DISPOR SOBRE A COMPETÊNCIA E FUNCIONAMENTO DOS SEUS RESPECTIVOS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS E ADMINISTRATIVOS. NA PRESENTE SITUAÇÃO, NÃO SENDO CASO DE COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, PREVISTAS NO ART. 5º, DA LEI 11.340, PODERÃO SER APLICADAS NAS DEMAIS UNIDADES JUDICIÁRIAS CRIMINAIS, POR IMPOSIÇÃO DO SEU ART. 40-A, ATÉ PORQUE, INTERPRETAR TAL DISPOSIÇÃO LEGAL DE FORMA GENERALIZADA, SERIA INVIABILIZAR, TOTALMENTE, O TRABALHO JÁ DESENVOLVIDO COM MUITA DIFICULDADE PELOS JUÍZES DE DIREITO, NAS INSUFICIENTES UNIDADES ESPECALIZADAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR EXISTENTES, E COM ACERVO PROCESSUAL JÁ EXCESSIVO, REGISTRANDO-SE, AINDA, A POSSIBILIDADE DE ELABORAÇÃO DE PROPOSTA REGIMENTAL, PELA COMISSÃO DE REFORMA ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA, PARA REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA, INCLUSIVE, OBJETIVANDO PROPOSTA LEGISLATIVA DE CRIAÇÃO DE OUTRAS UNIDADES JUDICIÁRIAS QUE POSSAM SER DESTINADAS, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AO SUPRIMENTO DE DEMANDAS RELACIONADAS À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. VOTO NO SENTIDO DE JULGAR IMPROCEDENTE O CONFLITO NEGATIVO, PARA ESTABELECER A COMPETÊNCIA DA 3ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA. Ao exame dos autos nº 8004301-50.2024.8.05.0080, consta Termo Circunstanciado de Ocorrência nº 00017871/2023, instaurado em face de Flávio da Silva Santos pela prática do delito previsto no art.147, caput, do CP, supostamente ocorrido no primeiro semestre de 2023, tendo como vítima a sua sogra, Flordenice Caribé Silva, com 69 anos de idade à época dos fatos, a qual prestou as seguintes declarações perante à autoridade policial: “[...] a pessoa de FLAVIO DA SILVA SANTOS teve um relacionamento amoroso com a filha da declarante de nome GUATEMI CARIBÉ SILVA (falecida); Que esse FLÁVIO vivia ameaçando a filha da declarante querendo dinheiro e fazia muita pressão a ponto da filha da declarante ter um enfarto e faleceu; Que quando o mesmo ficou sabendo que a filha da declarante havia falecido ele retornou para a casa e pegou todas as documentações da falecida e deteriorou tudo que ela tinha; Que como a declarante sabia de tudo FLAVIO começou a fazer ameaças de morte a declarante dizendo que ‘iria passar com o carro em cima da declarante e matar a declarante e os bisnetos da vítima.’. Que a declarante DESEJA REPRESENTAR CONTRA FLÁVIO DA SILVA SANTOS [...].”. (ID 432726606, fl. 09). Sendo assim, conclui-se pela incompetência do Juízo Suscitado da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, devendo ser observado, no caso em questão, que por se tratar de uma suposta violência contra uma pessoa idosa, necessária se faz a incidência da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia (10.845/2007), que dispõe no seu art. 131, parágrafo único: “Art. 131 – Na Comarca de Feira de Santana servirão inicialmente 33 (trinta e três) Juízes de Direito, distribuídos pelas seguintes Varas especializadas que, em sendo mais de uma, se distinguirão pela sua numeração ordinal: [...] Parágrafo único – As Varas Criminais são competentes para processar e julgar os Crimes Comuns, sendo que a 1ª para processar e julgar, cumulativamente, os feitos relativos aos crimes contra a Criança e o Adolescente, a 2ª, os crimes contra a Administração Pública, a 3ª, crimes contra os idosos e a 4ª, crimes ambientais, mediante compensação.”. (grifo ausente no original). Voto no sentido de se conhecer e julgar improcedente o presente conflito, para se determinar a competência do Suscitante, MM. Juiz de Direito da 3º Vara da Comarca de Feira de Santana/BA. O conflito deve ser julgado improcedente, nos seguintes termos: Ao exame dos autos nº 8004301-50.2024.8.05.0080, consta Termo Circunstanciado de Ocorrência nº 00017871/2023, instaurado em face de Flávio da Silva Santos pela prática do delito previsto no art.147, caput, do CP, supostamente ocorrido no primeiro semestre de 2023, tendo como vítima a sua sogra, Flordenice Caribé Silva, com 69 anos de idade à época dos fatos. Segundo consta dos autos, a ofendida se encaminhou à 1ª Delegacia Territorial de Feira de Santana em 13.03.2023, prestando as seguintes declarações, que originaram o Boletim de Ocorrência nº. 00165182/2023: “[...] a pessoa de FLAVIO DA SILVA SANTOS teve um relacionamento amoroso com a filha da declarante de nome GUATEMI CARIBÉ SILVA (falecida); Que esse FLÁVIO vivia ameaçando a filha da declarante querendo dinheiro e fazia muita pressão a ponto da filha da declarante ter um enfarto e faleceu; Que quando o mesmo ficou sabendo que a filha da declarante havia falecido ele retornou para a casa e pegou todas as documentações da falecida e deteriorou tudo que ela tinha; Que como a declarante sabia de tudo FLAVIO começou a fazer ameaças de morte a declarante dizendo que ‘iria passar com o carro em cima da declarante e matar a declarante e os bisnetos da vítima.’. Que a declarante DESEJA REPRESENTAR CONTRA FLÁVIO DA SILVA SANTOS [...].”. (ID 432726606, fl. 09). Distribuído o feito à Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Feira de Santana, o MM. Juiz de Direito, Dr. Wagner Ribeiro Rodrigues, de pronto, declinou da sua competência, valendo destacar trechos da fundamentação utilizada: “[...] Quanto à Competência das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, observa-se que representa uma competência com base na vulnerabilidade relativa ao gênero, a mulher, conforme Lei nº 11.340/2006 [...]. No tocante às situações de violência em família praticadas contra idoso, a vulnerabilidade da vítima não se dá por conta do gênero, mas sim por sua condição de idoso, hipossuficiente em razão de sua idade. Observe-se que no caso ora objeto de apuração, a vulnerabilidade da vítima ou sua hipossuficiência não se deu numa perspectiva de gênero.[...]. Outrossim cumpre salientar que, apesar de o gênero não ser o pressuposto para a prática do delito – fato que retira a competência privativa deste MM. Juízo no julgamento do processo - isto não impede a aplicação da lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nos casos onde o delito foi praticado contra crianças, adolescentes e idosos do sexo feminino, inclusive em decisões prolatadas por outras varas que não a de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Diante do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fulcro no artigo 131, parágrafo único da Lei nº 10.845/2007, Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia, DECLARO A INCOMPETÊNCIA DESTA VARA PARA APRECIAR O PRESENTE FEITO, AO TEMPO EM QUE DETERMINO A REMESSA DESTES À 3ª VARA CRIME DESTA COMARCA DE FEIRA DE SANTANA-BA. [...].” (ID 67344341, fls. 16/23). Redistribuídos os autos à 3ª Vara Crime da Comarca de Feira de Santana - com competência cumulativa para julgar os crimes cometidos contra pessoas idosas -, suscitou-se o presente conflito negativo de competência, por reconhecer, em síntese, “que o crime foi cometido pelo acusado no contexto de violência familiar e doméstica contra a mulher, tal como prescrito pela Lei nº11.340/2006, pelo que a competência para processar e julgar o feito deve forçosamente permanecer na Vara de Violência Doméstica da Comarca de Feira de Santana/BA.” (ID 67344341, fls. 59/60). Constata-se não restar evidenciado que a violência psicológica praticada por Flávio da Silva Santos em face de sua sogra, Flordenice Caribe Silva, tenha sido motivada por questões de gênero ou em face da situação de vulnerabilidade da ofendida por sua condição de mulher, tampouco em decorrência de hipossuficiência, de submissão, e de inferioridade física ou econômica, com relação ao agressor. Sendo assim, de rigor concluir pela incompetência do Juízo Suscitado da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, devendo ser observado, no caso em questão, que por se tratar de uma suposta violência contra uma pessoa idosa, necessária se faz a incidência da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado da Bahia (10.845/2007), que dispõe no seu art. 131, parágrafo único: “Art. 131 – Na Comarca de Feira de Santana servirão inicialmente 33 (trinta e três) Juízes de Direito, distribuídos pelas seguintes Varas especializadas que, em sendo mais de uma, se distinguirão pela sua numeração ordinal: [...] Parágrafo único – As Varas Criminais são competentes para processar e julgar os Crimes Comuns, sendo que a 1ª para processar e julgar, cumulativamente, os feitos relativos aos crimes contra a Criança e o Adolescente, a 2ª, os crimes contra a Administração Pública, a 3ª, crimes contra os idosos e a 4ª, crimes ambientais, mediante compensação.”. (grifo ausente no original). Conclusivamente, destaca-se que as Varas Judiciárias Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foram criadas pela Lei estadual nº 10.845/2007, a partir do advento da lei federal 11.340/2006, com competência para processar e julgar os crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, em situação de submissão, vulnerabilidade e dependência econômica, em relação ao agressor. O art. 40-A, da Lei 11.340/2006, que dispõe sobre o cumprimento das medidas protetivas de urgência definidas no seu art. 5º, em qualquer situação de violência contra a mulher, não determina que todos o casos sejam processados e julgados perante as Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nem poderia, porque na forma do art. 96, I, alínea "a", da Constituição Federal, compete aos Tribunais de Justiça dispor sobre a competência e funcionamento dos seus respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. Assim, na presente situação, não sendo caso de competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as medidas protetivas de urgência, previstas no art. 5º, da Lei 11.340/2006, poderão ser aplicadas pelas demais unidades judiciárias criminais, por imposição do seu art. 40-A, até porque, interpretar tal disposição legal de forma generalizada, seria inviabilizar, totalmente, o trabalho já desenvolvido com muita dificuldade pelos Juízes de Direito, nas insuficientes unidades especializadas de violência doméstica e familiar existentes, e com acervo processual já excessivo, registrando-se ainda, a possibilidade de elaboração de proposta regimental, pela Comissão de Reforma Administrativa e Judiciária, para regulamentação da matéria, inclusive, com proposta legislativa de criação de outras unidades judiciárias que possam ser destinadas, pelo Tribunal de Justiça para a competência de varas especializadas no combate à violência doméstica e familiar. Do exposto, o voto é no sentido de julgar improcedente o presente conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito Suscitante, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, observando-se a preservação do sigilo do nome da vítima, na forma do art. 17-A, da Lei nº 11.340/2006, incluído pela Lei nº 14.857, de 21 de maio de 2024, ressaltando-se, na forma do parágrafo único deste artigo, que “O sigilo referido no caput deste artigo não abrange o nome do autor do fato, tampouco os demais dados do processo.”. Salvador, (data registrada no sistema) Desa. IVETE CALDAS SILVA FREITAS MUNIZ Relatora (documento assinado eletronicamente)
VOTO VENCIDO