PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 



ProcessoHABEAS CORPUS CRIMINAL n. 8019934-55.2021.8.05.0000
Órgão JulgadorPrimeira Câmara Criminal 2ª Turma
PACIENTE: JANDILEIA CONCEICAO FALCAO DOS SANTOS e outros
Advogado(s)CAIQUE SANTANA MOTA
IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE CAMACAN, VARA CRIMINAL
Advogado(s): 

 

ACORDÃO

EMENTA

HABEAS CORPUS – FURTO QUALIFICADO DUPLAMENTE QUALIFICADO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA – ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA CUSTÓDIA INSTRUMENTAL, DECORRENTE DA NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – ACOLHIMENTO – DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DA ASSENTADA, CASO A PACIENTE NÃO TENHA COMPARECIDO À AUDIÊNCIA INSTRUTÓRIA DESIGNADA PARA O DIA 25.08.2021 – DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA QUE SE REPUTA ILEGAL – COMANDO JURISDICIONAL ORIGINÁRIO NÃO ACOSTADO AO CADERNO PROCESSUAL – NÃO CONHECIMENTO – CONVERSÃO DA CUSTÓDIA INSTRUMENTAL EM DOMICILIAR – PACIENTE QUE POSSUI FILHOS MENORES DE 12 (DOZE) ANOS – INDEFERIMENTO MOTIVADO PELO JUÍZO PRIMEVO – INTELIGÊNCIA DO ART. 318-A, INCS. I E II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – NÃO DEMONSTRADA A IMPRESCINDIBILIDADE DO CONTATO MATERNO – CRIMES COMETIDOS EM CIDADE DIVERSA – MENORES QUE SE ENCONTRAM SOB OS CUIDADOS DA AVÓ MATERNA – DEBILIDADE DE SAÚDE DA CUIDADORA NÃO DEMONSTRADA ATRAVÉS DA PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A UNIDADE PRISIONAL EM QUE ESTÁ CUSTODIADA NÃO DISPONHA DOS EQUIPAMENTOS MÉDICOS CAPAZES QUE LHE PRESTAR PRONTO E ADEQUADO ATENDIMENTO – ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, CONCEDIDA EM PARTE, APENAS PARA DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, CASO A PACIENTE NÃO TENHA COMPARECIDO À AUDIÊNCIA INSTRUTÓRIA DESIGNADA PARA O DIA 25.08.2021.

1 – Cuida-se de ordem de Habeas Corpus impetrada pelo Bel. Caique Santana Mota, com pedido de provimento liminar, em benefício de Jandiléia Conceição Falcão dos Santos, presa por suposta infração aos arts. 155, § 4º, e 288, ambos do Código Penal, na qual aponta como autoridade coatora o MM. Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Camacan/Ba. Sustenta o Impetrante, inicialmente, vício na segregação flagrancial, porquanto a Paciente não teria sido imediatamente encaminhado à autoridade judicial, com realização da audiência de custódia, consoante determina as Resoluções de nº 213 e 329 do Conselho Nacional de Justiça.

2 – Da análise do caderno processual, entende-se ser imperativo declarar a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia, na situação em apreço. Malgrado deva ser reconhecido que, em virtude da pandemia de COVID-19, há excepcional necessidade de restrição quanto à realização das audiências de custódia, conforme orientação contida no art. 8º da Recomendação de nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, in casu, o Juízo processante deixou de apresentar justificativa plausível acerca da impossibilidade de designação da assentada, ainda que por meio de videoconferência. Assim, entende-se que a ocorrência da assentada, nesta etapa procedimental, é de cunho obrigatório, com vistas a dar cumprimento ao quanto contido no art. 7, item 5, do Pacto de São José da Costa Rica; aos Provimento Conjuntos de nos 01 e 02/2016 do Tribunal de Justiça da Bahia e, na atualidade, também ao quanto disposto no Código de Processo Penal, em seu art. 310, após alterações introduzidas pela Lei 13.964/2019.

3 – Não é despiciendo consignar que o §4º, do art. 310, do CPP, introduzido pelo Lei 13.964/2019, encontra-se com sua eficácia suspensa, em razão de liminar proferida pelo Ministro Luiz Fux na ADI 6299. Assim, por hora, a não realização de audiência de custódia, na linha do que esta 2ª Turma já vinha decidindo, não implica na irregularidade da prisão, mormente quando presentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva. No entanto, em vista da ausência de circunstâncias extraordinárias que inviabilizem de imediato a apresentação do preso à autoridade judicial, ainda que por videoconferência, não se configura como razoável negar o referido benefício à Paciente, razão pela qual a ordem há de ser concedida, neste particular, a fim de que o Magistrado proceda a realização da audiência de custódia, no prazo legal. Registre-se, por fim, que, tendo em vista o agendamento da assentada instrutória, designada para o dia 25.08.2021, caso tenha havido comparecimento da Paciente, bem como a realização do seu interrogatório, resta prejudicada a determinação de agendamento de audiência específica de custódia.

4 – De outra banda, quanto à alegação de que a Paciente sofre constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, porquanto o Juízo primevo teria decretado a sua custódia cautelar em decisão desprovida de idônea fundamentação, já que não demonstrada a periculosidade da inculpada, notadamente em razão de possível violação à ordem pública, risco à instrução processual ou de aplicação da lei penal, entende-se, na esteira do quanto decidido quando da apreciação do pleito liminar, (ID 16735942), que a ordem não pode ser conhecida. Destarte, da análise dos autos trazidos à colação, verifica-se que, malgrado o Impetrante ataque o comando proferido pelo Juízo Impetrado, que impôs, em desfavor da Paciente, a custódia antecipada, por suposto risco de reiteração delitiva, deixou de colacionar aos autos o referido comando jurisdicional, apresentando, tão somente, a deliberação acerca do pleito de revogação da medida cautelar (ID 16724842), omissão não suprida com o recebimento das informações ofertadas pelo Juízo primevo (ID 17810621). Para fins de conhecimento da presente impetração, seria imprescindível que o insurgente abojasse ao caderno processual a deliberação do Juízo processante que decretou a prisão preventiva, de modo a ser possível uma análise globalizada dos fundamentos ali indicados, que justificam, em tese, a restrição à sua liberdade de locomoção, não sendo suficientes os fundamentos apresentados para manter a restrição cautelar ou mesmo as informações prestadas pela Autoridade apontada como Coatora. Assim, verificando que o Impetrante deixou de juntar aos autos cópia da decisão que decretou a segregação instrumental, embora tenha apresentado o comando que indeferiu o pleito de revogação, resta inviabilizada a análise acerca da presença dos requisitos autorizadores da sua manutenção ou mesmo da carência de fundamentação do decisio guerreado.

5 – Nada obstante, passa-se a analisar o pleito de substituição da prisão preventiva em domiciliar, tendo em vista a alegação de que a Paciente possui filhos menores de 12 (doze) anos. Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar, em 20.02.2018, o Habeas Corpus de nº 143.641/SP, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, deu interpretação restritiva ao art. 318, inc. V, do Código de Processo Penal, determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuando-se aquelas que tenham praticado crimes mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Em razão da alteração legislativa promovida pela Lei 13.769/2018, popularmente conhecida como Pacote Anticrime, houve a inclusão, dentre outros, do art. 318-A ao Código de Processo Penal, que, regulando a matéria, estabeleceu que “a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; e II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Segundo doutrina de Renato Brasileiro de Lima, “O novel inciso V do art. 318 do CPP deve ser interpretado com extrema cautela. Isso porque, à primeira vista, fica a impressão de que o simples fato de a mulher ter filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos daria a ela, automaticamente, o direito de ter sua prisão preventiva substituída pela domiciliar, o que não é correto. Na verdade, se considerarmos que o próprio Marco Civil da Primeira Infância introduziu diversas mudanças no CPP, ornando obrigatória a colheita de informações da(o) investigada(o) quanto à existência de filhos, respectivas idades, se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos (CPP, art. 6º, inciso X, art. 185, §10, art. 304, §4º, todos com redação determinada pelo art. 41 da Lei nº 13.257/16), fica evidente que, para fins de concessão do benefício da prisão domiciliar cautelar sob comento, incumbe à interessada comprovar que não há nenhuma outra pessoa que possa cuidar do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Logo, se houver familiares (v.g, avó, tia, pai) em liberdade que possam ficar responsáveis por esse filho, não há por que se determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar” (Manual de processo penal: volume único/Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. Rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, págs. 1127/1128).

6 – Pois bem, no caso dos autos vislumbra-se que a Paciente é genitora de quatro filhos, dentre os quais 03 (três) possuem idade inferior a 18 (dezoito) anos, conforme documentos de identificação civil acostados no ID 16724845. No entanto, da leitura do ato decisório combatido (ID 16724842), constata-se que o Magistrado primevo destacou motivadamente a impossibilidade de modificação da situação prisional da Paciente, apontando, para além da elevada probabilidade de reiteração delitiva, já que ela seria contumaz na prática de furtos qualificados, o fato de que a inculpada “não ponderou as circunstâncias ao de deslocar do seu município deixando os filhos sob os cuidados de outrem para praticar os atos delituosos” (sic). De mais a mais, conforme bem esclarecido na própria petição inicial os filhos menores estão sob cuidados da avó materna e, malgrado o Impetrante assevere que se trata de pessoa idosa, fazendo uso de medicamentos e que “não tem condições físicas para suprir as necessidades das menores por longo período” (sic), deixou de acostar ao caderno processual prova pré-constituída neste sentido, de modo que não há como reconhecer a imprescindibilidade da presença materna, nos moldes pleiteados. Desse modo, impositivo reconhecer que foram apresentados pelo Magistrado fundamentos válidos e objetivos para a negativa da substituição da prisão preventiva da Paciente por domiciliar, porquanto verificada sua contumácia na prática delituosa, não se mostrando, portanto, a presença materna indispensável para os cuidados dos incapazes.

7 – Por fim, não restou demonstrado o atendimento aos requisitos estabelecidos no art. 318, do CPP, para concessão de prisão domiciliar, não há evidências de que a Paciente integre grupo de risco, nem de que se encontre recolhido em estabelecimento penal desprovido de meios de prevenção à propagação do novo coronavírus ou de assistência médica adequada, caso assim necessite. Nesses termos, em que pese o nobre labor defensivo, não há de se cogitar, à vista da prova pré-constituída, da possibilidade de concessão, subsidiária, da prisão domiciliar, na forma do art. 318, II, do CPP, c/c art. 4º da Recomendação CNJ nº 62/2020, c/c art. 1º do Ato Conjunto TJBA/CGD nº 004/2020.

8 – Parecer Ministerial pelo conhecimento e denegação da ordem.

ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, EM PARTE, CONCEDIDA.

 

 ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 8019934-55.2021.8.05.0000, da Vara Criminal da Comarca de Camacan/Ba, sendo Impetrante o Bel. Caique Santana Mota e Paciente Jandileia Conceição Falcão dos Santos.

ACORDAM os Desembargadores componentes da 2ª Turma Julgadora da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, a unanimidade, em conhecer parcialmente a ordem impetrada, concedendo-a, em parte, apenas para determinar a realização de audiência de custódia, caso a Paciente não tenha comparecido à audiência instrutória designada para o dia 25.08.2021, nos termos do voto.

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL 2ª TURMA

 

DECISÃO PROCLAMADA

Concessão em parte Por Unanimidade

Salvador, 31 de Agosto de 2021.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL n. 8019934-55.2021.8.05.0000
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
PACIENTE: JANDILEIA CONCEICAO FALCAO DOS SANTOS e outros
Advogado(s): CAIQUE SANTANA MOTA
IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE CAMACAN, VARA CRIMINAL
Advogado(s):  

 

RELATÓRIO

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus impetrada pelo Bel. Caique Santana Mota, com pedido de provimento liminar, em benefício de Jandiléia Conceição Falcão dos Santos, presa por suposta infração aos arts. 155, § 4º, e 288, ambos do Código Penal, na qual aponta como autoridade coatora o MM. Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Camacan/Ba.

Como fundamento do writ, sustenta o Impetrante vício na segregação inicial, porquanto a Paciente não teria sido imediatamente encaminhado à autoridade judicial, com realização da audiência de custódia, consoante determina as Resoluções de nº 213 e 329 do Conselho Nacional de Justiça.

Ademais, alega o Impetrante que a Paciente sofre constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, porquanto o Juízo primevo teria decretado a sua custódia cautelar em decisão desprovida de idônea fundamentação, já que não demonstrada a periculosidade da inculpada, notadamente em razão de possível violação à ordem pública, risco à instrução processual ou de aplicação da lei penal.

Assevera, por outro lado, a necessidade de conversão da medida extrema pela prisão domiciliar, uma vez que a Paciente possuiria filhos menores de 12 (doze) anos, porquanto sua presença física e afetiva seria imprescindível no seio familiar, notadamente por força das suas qualidades pessoais e excepcionalidade da custódia instrumental em tempos de urgência sanitária.

A inicial foi instruída com os documentos de ID's 16724841/16724850.

O pleito liminar foi indeferido (ID 16735942), com solicitação de informações à apontada autoridade coatora, sendo estas acostadas no ID 17810621.

Por fim, encaminhado o caderno processual para a Procuradoria de Justiça, colheu-se parecer pelo conhecimento e denegação da ordem, a fim de que seja mantida a prisão preventiva da Paciente (ID 18205425).

 

É o Relatório.

Salvador, 19 de agosto de 2021.


Des. Nilson Castelo Branco

Relator


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 



Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL n. 8019934-55.2021.8.05.0000
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
PACIENTE: JANDILEIA CONCEICAO FALCAO DOS SANTOS e outros
Advogado(s): CAIQUE SANTANA MOTA
IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE CAMACAN, VARA CRIMINAL
Advogado(s):  

 

VOTO

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus impetrada pelo Bel. Caique Santana Mota, com pedido de provimento liminar, em benefício de Jandiléia Conceição Falcão dos Santos, presa por suposta infração aos arts. 155, § 4º, e 288, ambos do Código Penal, na qual aponta como autoridade coatora o MM. Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Camacan/Ba.

Sustenta o Impetrante, inicialmente, vício na segregação flagrancial, porquanto a Paciente não teria sido imediatamente encaminhado à autoridade judicial, com realização da audiência de custódia, consoante determina as Resoluções de nº 213 e 329 do Conselho Nacional de Justiça.

Da análise do caderno processual, entendo ser imperativo declarar a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia, na situação em apreço.

Malgrado deva ser reconhecido que, em virtude da pandemia de COVID-19, há excepcional necessidade de restrição quanto à realização das audiências de custódia, conforme orientação contida no art. 8º da Recomendação de nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, in casu, o Juízo processante deixou de apresentar justificativa plausível acerca da impossibilidade de designação da assentada, ainda que por meio de videoconferência.

Veja-se:

 

Vivencia-se quadro de pandemia de COVID em que o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, atendendo a posição externada também pelo CNJ, entendeu pela suspensão das audiências de custódia, dado que devem ser realizadas sempre em escala presencial, vedando-se a via da videoconferência.

 

Importante pontuar que a audiência de custódia foi implementada por força do art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário:

 

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.

 

Muito embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça1 seja no sentido da não obrigatoriedade da realização da audiência de custódia, quando decretada a prisão preventiva, entende-se que o referido raciocínio vai de encontro à própria razão da determinação constante na Convenção Americana de Direitos Humanos, porquanto o que se busca é o encaminhamento do acusado, pessoalmente, a uma Autoridade Judicial.

Não por outra razão houve alteração legislativa, dando-se nova redação ao art. 310 do Código de Processo Penal, alterada pela Lei 13.964/2019, que assim dispõe:

 

“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover a audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, (...)

 

Assim, entende-se que a ocorrência da assentada, nesta etapa procedimental, é de cunho obrigatório, com vistas a dar cumprimento ao quanto contido no art. 7, item 5, do Pacto de São José da Costa Rica; aos Provimento Conjuntos de nos 01 e 02/2016 do Tribunal de Justiça da Bahia e, na atualidade, também ao quanto disposto no Código de Processo Penal, em seu art. 310, após alterações introduzidas pela Lei 13.964/2019.

Não é despiciendo consignar que o §4º, do art. 310, do CPP, introduzido pelo Lei 13.964/2019, encontra-se com sua eficácia suspensa, em razão de liminar proferida pelo Ministro Luiz Fux na ADI 6299. Assim, por hora, a não realização de audiência de custódia, na linha do que esta 2ª Turma já vinha decidindo, não implica na irregularidade da prisão, mormente quando presentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva.

No entanto, em vista da ausência de circunstâncias extraordinárias que inviabilizem de imediato a apresentação do preso à autoridade judicial, ainda que por videoconferência, não se configura como razoável negar o referido benefício à Paciente, razão pela qual a ordem há de ser concedida, neste particular, a fim de que o Magistrado proceda a realização da audiência de custódia, no prazo legal.

Nesse mesmo sentido, o STF:

 

“A pandemia causada pelo novo coronavírus não afasta a imprescindibilidade da audiência de custódia, que deve ser realizada, caso necessário, por meio de videoconferência, diante da ausência de lei em sentido formal que proíba o uso dessa tecnologia. A audiência por videoconferência, sob a presidência do Juiz, com a participação do autuado, de seu defensor constituído ou de Defensor Público, e de membro do Ministério Público, permite equacionar as medidas sanitárias de restrição decorrentes do contexto pandêmico com o direito subjetivo do preso de participar de ato processual vocacionado a controlar a legalidade da prisão“ (HC n. 186.421, Relator o Ministro Celso de Mello, Redator para o acórdão o Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 17.11.2020)

 

Registre-se, por fim, que, tendo em vista o agendamento da assentada instrutória, designada para o dia 25.08.2021, caso tenha havido comparecimento da Paciente, bem como a realização do seu interrogatório, resta prejudicada a determinação de agendamento de audiência específica de custódia.

Neste mesmo sentido são os precedentes desta Turma Julgadora:

 

 

EMENTA

HABEAS CORPUS — TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES – ILEGALIDADE DA CUSTÓDIA DECORRENTE DA NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA — INALBERGAMENTO – PACIENTE QUE JÁ FOI ENCAMINHADO À AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA, EM AUDIÊNCIA INSTRUTÓRIA – PREJUDICIALIDADE DO PEDIDO – EXCESSO PRAZAL NA FORMAÇÃO DA CULPA – INACOLIMENTO – FEITO QUE TRAMITA DE FORMA REGULAR – OCORRÊNCIA DE DUAS AUDIÊNCIAS INSTRUTÓRIAS – CARTA PRECATÓRIA EXPEDIDA – SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO INSTRUMENTAL POR CAUTELAR DIVERSA – INCABIMENTO – DECRETO PRISIONAL QUE DETERMINA A SEGREGAÇÃO EM RAZÃO DE GRAVE VIOLAÇÃO À ORDEM PÚBLICA – ORDEM DENEGADA.

(TJ/BA – HC 0024756-68.2017.8.05.0000, 2ª Turma da Primeira Câmara Criminal, Rel. Des. Nilson Castelo Branco, J. 05.12.2017, P. 15.12.2017)

 

De outra banda, quanto à alegação de que a Paciente sofre constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, porquanto o Juízo primevo teria decretado a sua custódia cautelar em decisão desprovida de idônea fundamentação, já que não demonstrada a periculosidade da inculpada, notadamente em razão de possível violação à ordem pública, risco à instrução processual ou de aplicação da lei penal, entende-se, na esteira do quanto decidido quando da apreciação do pleito liminar, (ID 16735942), que a ordem não pode ser conhecida.

Destarte, da análise dos autos trazidos à colação, verifica-se que, malgrado o Impetrante ataque o comando proferido pelo Juízo Impetrado, que impôs, em desfavor da Paciente, a custódia antecipada, por suposto risco de reiteração delitiva, deixou de colacionar aos autos o referido comando jurisdicional, apresentando, tão somente, a deliberação acerca do pleito de revogação da medida cautelar (ID 16724842), omissão não suprida com o recebimento das informações ofertadas pelo Juízo primevo (ID 17810621).

Para fins de conhecimento da presente impetração, seria imprescindível que o insurgente abojasse ao caderno processual a deliberação do Juízo processante que decretou a prisão preventiva, de modo a ser possível uma análise globalizada dos fundamentos ali indicados, que justificam, em tese, a restrição à sua liberdade de locomoção, não sendo suficientes os fundamentos apresentados para manter a restrição cautelar ou mesmo as informações prestadas pela Autoridade apontada como Coatora.

Assim, verificando que o Impetrante deixou de juntar aos autos cópia da decisão que decretou a segregação instrumental, embora tenha apresentado o comando que indeferiu o pleito de revogação, resta inviabilizada a análise acerca da presença dos requisitos autorizadores da sua manutenção ou mesmo da carência de fundamentação do decisio guerreado.

Nada obstante, passa-se a analisar o pleito de substituição da prisão preventiva em domiciliar, tendo em vista a alegação de que a Paciente possui filhos menores de 12 (doze) anos.

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar, em 20.02.2018, o Habeas Corpus de nº 143.641/SP, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, deu interpretação restritiva ao art. 318, inc. V, do Código de Processo Penal, determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuando-se aquelas que tenham praticado crimes mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Em razão da alteração legislativa promovida pela Lei 13.769/2018, popularmente conhecida como Pacote Anticrime, houve a inclusão, dentre outros, do art. 318-A ao Código de Processo Penal, que, regulando a matéria, estabeleceu que “a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; e II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Segundo doutrina de Renato Brasileiro de Lima, “O novel inciso V do art. 318 do CPP deve ser interpretado com extrema cautela. Isso porque, à primeira vista, fica a impressão de que o simples fato de a mulher ter filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos daria a ela, automaticamente, o direito de ter sua prisão preventiva substituída pela domiciliar, o que não é correto. Na verdade, se considerarmos que o próprio Marco Civil da Primeira Infância introduziu diversas mudanças no CPP, ornando obrigatória a colheita de informações da(o) investigada(o) quanto à existência de filhos, respectivas idades, se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos (CPP, art. 6º, inciso X, art. 185, §10, art. 304, §4º, todos com redação determinada pelo art. 41 da Lei nº 13.257/16), fica evidente que, para fins de concessão do benefício da prisão domiciliar cautelar sob comento, incumbe à interessada comprovar que não há nenhuma outra pessoa que possa cuidar do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Logo, se houver familiares (v.g, avó, tia, pai) em liberdade que possam ficar responsáveis por esse filho, não há por que se determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar” (Manual de processo penal: volume único/Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. Rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, págs. 1127/1128)

Pois bem, no caso dos autos vislumbra-se que a Paciente é genitora de quatro filhos, dentre os quais 03 (três) possuem idade inferior a 18 (dezoito) anos, conforme documentos de identificação civil acostados no ID 16724845.

No entanto, da leitura do ato decisório combatido (ID 16724842), constata-se que o Magistrado primevo destacou motivadamente a impossibilidade de modificação da situação prisional da Paciente, apontando, para além da elevada probabilidade de reiteração delitiva, já que ela seria contumaz na prática de furtos qualificados, o fato de que a inculpada “não ponderou as circunstâncias ao de deslocar do seu município deixando os filhos sob os cuidados de outrem para praticar os atos delituosos” (sic).

De mais a mais, conforme bem esclarecido na própria petição inicial os filhos menores estão sob cuidados da avó materna e, malgrado o Impetrante assevere que se trata de pessoa idosa, fazendo uso de medicamentos e que “não tem condições físicas para suprir as necessidades das menores por longo período” (sic), deixou de acostar ao caderno processual prova pré-constituída neste sentido, de modo que não há como reconhecer a imprescindibilidade da presença materna, nos moldes pleiteados.

Desse modo, impositivo reconhecer que foram apresentados pelo Magistrado fundamentos válidos e objetivos para a negativa da substituição da prisão preventiva da Paciente por domiciliar, porquanto verificada sua contumácia na prática delituosa, não se mostrando, portanto, a presença materna indispensável para os cuidados dos incapazes.

Não discrepa, o parecer da douta Procuradoria de Justiça (ID 14169548):

 

Ademais, não basta a simples constatação objetiva de que a agente possua filhos menores de 12 (doze) anos de idade para que lhe seja concedido o direito à excepcional hipótese de prisão domiciliar prevista no artigo 318, inciso VI, do Código de Processo Penal, mas sim, a demonstração de que é a única responsável pelos cuidados dos menores Analisados os fólios, não se verifica nenhuma prova que demonstre a imprescindibilidade da Paciente para cuidar dos menores impúberes, ao contrário, dos documentos colacionados aos autos pelo Impetrante, é possível constatar que os filhos menores de 12 anos encontram-se custodiados pela avó materna, inexistindo nos fólios, como já dito, a imprescindibilidade da Paciente para cuidar dos filhos. Notadamente quando fora presa em flagrante pela suposta prática de furto em diversas lojas da localidade onde deu-se os fatos, existindo nos autos originais evidência que haveria, a Paciente, praticado diversos outros furtos na região vizinha, salienta-se, fora do município onde residem seus filhos, o que pressupõe sua ausência para com os menores, o que inviabiliza a concessão da prisão domiciliar. Desta maneira, conforme entendimento assentado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “a interpretação do art. 318-A do Código de Processo Penal não pode conferir às mulheres nas condições nele previstas um bill de indenidade, ao ponto de deixá-las imunes à atuação estatal, livres para, por exemplo, expor seus filhos a perigo, praticar novos crimes, descumprir condições impostas pelo Juízo ou se envolverem em qualquer outra situação danosa à ordem pública, à ordem econômica, à conveniência da instrução criminal ou prejudicial à aplicação da lei penal”.

 

No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO, BEM COMO DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE CONTUMAZ NA PRÁTICA DELITIVA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. SUBSTITUIÇÃO PELA PRISÃO DOMICILIAR. POSSUI FILHO MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA PREVISTA NO JULGAMENTO DO HC N. 143.641/SP PELO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

I - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

II - In casu, observa-se que a segregação cautelar da paciente está devidamente fundamentada em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam de maneira inconteste a necessidade da prisão para garantia da ordem pública, em razão de ser a paciente contumaz na prática delitiva, praticando novamente os delitos discutidos neste writ quando da fruição do benefício de prisão domiciliar concedido pelo Juízo. Ressalte-se, ainda, que consta do acórdão objurgado que: "a paciente ostenta 04(quatro) condenações criminais transitadas em julgado, sendo três delas pelo crime de estelionato, demonstrando a contumácia delitiva", dados que revelam a periculosidade concreta da agente e a probabilidade de repetição de condutas tidas por delituosas e a indispensabilidade da imposição da segregação cautelar, em virtude do fundado receio de reiteração delitiva.

III - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo nº 143.641, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas.

IV - Na presente hipótese, verifica-se situação excepcionalíssima que impede a concessão do benefício, porquanto "mesmo em prisão domiciliar a acusada, ora paciente, continuava insistindo nas mesmas práticas delitivas."

V - Condições pessoais favoráveis, tais como ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, garantirem a revogação da prisão preventiva se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar, o que ocorre na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

Habeas corpus não conhecido.

(HC 543.472/PE, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)

 

Por fim, não restou demonstrado o atendimento aos requisitos estabelecidos no art. 318, do CPP, para concessão de prisão domiciliar, não há evidências de que a Paciente integre grupo de risco, nem de que se encontre recolhido em estabelecimento penal desprovido de meios de prevenção à propagação do novo coronavírus ou de assistência médica adequada, caso assim necessite.

Nesses termos, em que pese o nobre labor defensivo, não há de se cogitar, à vista da prova pré-constituída, da possibilidade de concessão, subsidiária, da prisão domiciliar, na forma do art. 318, II, do CPP, c/c art. 4º da Recomendação CNJ nº 62/2020, c/c art. 1º do Ato Conjunto TJBA/CGD nº 004/2020.

  

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, acolhendo cota do parecer ministerial, voto pelo conhecimento parcial da ordem, concedendo-a, em parte, apenas para determinar a realização de audiência de custódia, caso a Paciente não tenha comparecido à audiência instrutória designada para o dia 25.08.2021.

 

É como voto.

 

Salvador, Sala das Sessões, _______/_______/_________.

 

______________________Presidente

 

______________________Relator

Des. Nilson Castelo Branco

 

______________________Proc. de Justiça