Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460




Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0008391-46.2021.8.05.0113
Processo nº 0008391-46.2021.8.05.0113
Recorrente(s):
WICKBOLD NOSSO PAO INDUSTRIAS ALIMENTICIAS LTDA

Recorrido(s):
BRUNA REIS DA SILVA



EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE PRODUTO (PÃO DE FORMA) IMPRÓPRIO PARA CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA NÃO AMPARADA POR CAUSA EXCLUDENTE. PRODUTO IMPRÓPRIO PARA CONSUMO, EM CONFRONTO COM A PROTEÇÃO DA VIDA, DA SAÚDE E A SEGURANÇA CONTRA OS RISCOS PROVOCADOS POR PRÁTICAS NO FORNECIMENTO DE PRODUTOS E SERVIÇOS CONSIDERADOS PERIGOSOS OU NOCIVOS. ART. 6º. DO CDC. NÃO INGESTÃO. INDIFERENÇA. O SIMPLES FATO DE HAVER A CONTAMINAÇÃO NO PRODUTO ADQUIRIDO PELO CONSUMIDOR JÁ REPRESENTA A POTENCIALIDADE DE PRODUÇÃO DE RISCO CONCRETO À SAÚDE E À SEGURANÇA INDEPENDENTEMENTE DA INGESTÃO DO ALIMENTO. PRECEDENTES DO STJ. RESP 1801593/RS. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS, PARA CONDENAR A ACIONADA A INDENIZAR A PARTE AUTORA NO VALOR DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS), A TÍTULO DE DANOS MORAIS, A SER CORRIGIDO MONETARIAMENTE PELOS ÍNDICES OFICIAIS A PARTIR DO ARBITRAMENTO E ACRESCIDO DE JUROS MORATÓRIOS DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS, NÃO CAPITALIZADOS, A CONTAR DA CITAÇÃO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. JULGAMENTO REALIZADO SOB O RITO ESTABELECIDO NO ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 DO TJBA. PRECEDENTES: 0176725-59.2019.8.05.0001, 0001721-84.2017.8.05.0063, 0169242-12.2018.8.05.0001 E 0162243-72.2020.8.05.0001

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que a Recorrente WICKBOLD NOSSO PAO INDUSTRIAS ALIMENTICIAS LTDA pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS, para CONDENAR a acionada a indenizar a parte autora no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, a ser corrigido monetariamente pelos índices oficiais a partir do arbitramento e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, não capitalizados, a contar da citação.

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, consoante o rito estabelecido no artigo 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI.

 

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

 

NO MÉRITO, trata-se de ação indenizatória por danos morais e materiais, na qual a parte autora Alega a autora que adquiriu produto junto a ré e que após consumi-lo constatou que o mesmo estava improprio para consumo. Requer reparação por danos materiais e indenização por danos morais.

 

A ré sustenta inexistência de provas capazes de ratificar as alegações apontadas na inicial. Sustenta inexistência do dever de reparar seja por danos materiais e morais. Requer a improcedência da ação.

Pois bem.

 

 

Primeiramente, insta consignar que o presente caso é disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, de modo que a responsabilidade da recorrente é objetiva, somente afastável se demonstrar a ocorrência dos casos previstos no artigo 12, § 3º, do CDC[2].

 

No caso dos autos, não há provas nesse sentido, apenas restando demonstrado que o produto oferecido pela ré não oferecia a segurança que dele se esperava, por se tratar de um alimento para consumo imediato, o qual estava contaminado por um corpo estranho em seu interior (artigo 12, § 1º, do CDC).

 

O Código de Defesa do Consumidor, em seu § 6º, especifica, ainda, que:

 

§ 6º São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade esteja vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

 

Por conseguinte, à caracterização da obrigação indenizatória, basta a existência de dano e de nexo de causalidade entre este e a conduta da agente, a considerar que a responsabilidade, na hipótese, é objetiva (art. 12, do CDC).

 

Pontua-se, ademais, consoante se extrai do art. 6º do diploma protetivo, que são direitos básicos do consumidor "a proteção da vida, da saúde e a segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos".

 

Recentemente, diga-se de passagem, a jurisprudência do STJ (AgInt no AREsp 1.018.168/SE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 18/04/2017) mantinha posição no sentido de que o fato de um consumidor encontrar um corpo estranho em alimento não configuraria, por si só, dano moral, pois imprescindível era demonstrar que tal alimento contaminado tivesse sido ingerido. Ou seja, o dano moral não era presumido em situação assim (in re ipsa, decorrente dos próprios fatos).

 

Em um dos últimos precedentes que se tem sobre o tema (REsp 1.644.405/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2017, DJe 17/11/2017), o STJ, porém, relativizou isso, dizendo que, o fato de se ter levado um alimento contaminado à boca já seria suficiente para a configuração do dano moral, pelo iminente risco concreto à saúde e à integridade física e psíquica do consumidor. Copio, para melhor esclarecimento, parte do voto da relatora desse julgado, que mostra a ratio decidendi do julgamento:

 

(...)É evidente a exposição a risco nessas circunstâncias, o que necessariamente deve afastar a necessidade de ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. Exigir que, para a necessidade de reparação, houvesse a necessidade que a criança deglutisse a aliança escondida no biscoito recheado, parece não haver respaldo na legislação consumerista.

 

Ademais, cumpre salientar que o Código de Defesa do Consumidor preza pela saúde e segurança dos consumidores, conforme art. 8º:

 

8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

 

Assim, ainda que não tenha havido o consumo do alimento contaminado pelo recorrente, constata-se o risco à sua saúde e à sua segurança ante a presença de um corpo estranho e abjeto no alimento.

 

Por outro lado, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros. A insegurança, portanto, é um vício de qualidade que se agrega ao produto ou serviço como um novo elemento de desvalia e que transcende a simples frustração de expectativas

 

Ressalta-se, mais uma vez, que a jurisprudência acerca do assunto não se encontra uníssona, uma vez que há dualidade de entendimentos quanto à ocorrência de dano moral diante da ingestão ou não do alimento contaminado pelo consumidor. Por um lado destaca-se que para alguns a ausência de ingestão não produz prejuízo apto a ensejar dano moral, visto não produzir dano concreto, por outro viés, sobressai a proteção à saúde e segurança do consumidor, sendo suficiente a exposição deste a corpo estranho.

 

Considero, ao contrário, que o simples fato de haver a contaminação no produto adquirido pelo consumidor, já representa a potencialidade de produção de risco concreto à saúde e à segurança independentemente da ingestão do alimento, corrente a qual me filio, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto.

 

 

A recorrida visa, também, afastar sua condenação, alegando inexistir danos morais na situação presente, buscando levar o caso ao patamar do mero desconforto e aborrecimento, inerentes ao cotidiano.

 

Sem razão mais uma vez.

 

Ora, é evidente que aquele que adquire um alimento, espera que esse atenda às expectativas mais elementares, como não estar esse contaminado ou fora de seu prazo de validade.

 

Não se está a tratar de alimento fora dos padrões exibidos comercialmente ou que não esteja ao agrado do paladar do consumidor. Trata-se, meramente, da garantia de que a saúde desse não seja vulnerabilizada, o que deveria ser preocupação primordial do fabricante/fornecedor.

 

É inadmissível aceitar que um evento como o noticiado nos autos esteja no patamar nos meros dissabores cotidianos, algo que se espera acontecer, vez ou outra. Crer nisso, além de relativizar o respeito ao consumidor, finalmente conquistado através de um código recente, ainda é escarnecer com o bom senso.

 

Desta forma, vislumbro que o risco inesperado vivenciado pelo consumidor ocasiona dano moral sujeito à reparação, tendo em vista a potencialidade lesiva advinda do risco de consumação a culminar no desrespeito à dignidade da pessoa humana. Assim, afastável pela impropriedade, todos os argumentos nesse sentido, trazidos pela recorrente adesiva, pelo que a indenização moral deve ser deferida[3].  

 

Sabe-se que ¿o dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.(...).¿(Carlos Roberto Gonçalves, Comentários ao Código Civil - Parte Especial do Direito das Obrigações", vol. 11, 2003, Saraiva, pág. 926/927).

 

Verifico na presente insurgência situação que enseja indenização por danos morais ante a comprovação de aborrecimentos para além da normalidade pela presença de objeto estranho no biscoito a ser consumido pelo recorrente. Assim, o fato ocorrido possui intensidade lesiva suficiente para atingir moralmente o apelante e promover desequilíbrio emocional e psíquico, sendo plausível a pretensão de reparação por danos morais.

 

Desta forma, configurada a hipótese de dano moral indenizável, é necessário verificar que o quantum obedeça ao Princípio da Proporcionalidade. Nesse entender, o STJ tem consagrado a doutrina da dupla função na indenização do dano moral: compensatória e penalizante.

 

Visto que a fixação do montante indenizatório depende também da disponibilidade financeira da parte que causou o dano, impõe-se destacar que a recorrida é empresa do gênero alimentício com grande capacidade econômica, no que entendo que o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais encontra-se dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.

 

No que tange ao dano material, por óbvio deve ser ressarcido à autora o custo do alimento contaminado.

 

Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo acionado, para manter a sentença impugnada em todos os seus termos.  Custas ou honorários advocatícios pelo recorrente; estes arbitrados em 20% sobre o valor da condenação.

 

Processo julgado com base no artigo nº 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de Abril de 2019 do TJBA, que dispõe sobre o julgamento de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI e/ou a decisão do acórdão faz parte de entendimento já consolidado por esta Colenda Turma Recursal e/ou o acórdão é favorável a quem requereu pedido de sustentação oral dentro do prazo legal, tendo este já findado.

 

Salvador/BA, 25 de maio de 2022.

 

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 



[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2]  § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:        I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

[3] RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. AQUISIÇÃO DE CERVEJA COM CORPO ESTRANHO. NÃO INGESTÃO. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E SEGURANÇA. FATO DO PRODUTO. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO ACARRETAR RISCOS AO CONSUMIDOR. 1. Ação ajuizada em 19/07/2013. Recurso especial interposto em 28/05/2018 e concluso ao Gabinete em 08/04/2019. 2. O propósito recursal consiste em determinar se, para ocorrer danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrialização, é necessária sua ingestão ou se o simples fato de sua comercialização com corpo estranho ao produto vendido é suficiente para a configuração do dano moral. 3. A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. 4. Hipótese em que se caracteriza defeito do produto (art. 12, CDC), o qual expõe o consumidor à risco concreto de dano à sua saúde e segurança, em clara infringência ao dever legal dirigido ao fornecedor, previsto no art. 8º do CDC. 5. Na hipótese dos autos, a simples comercialização de produto contendo corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita. 6. Recurso especial provido. (REsp 1801593/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)