PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Quarta Câmara Cível 



ProcessoAGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8001707-51.2020.8.05.0000
Órgão JulgadorQuarta Câmara Cível
AGRAVANTE: EDNEIA DO CARMO DE JESUS DOS SANTOS ME - ME e outros (2)
Advogado(s)ERICA RUBINA COSTA DOS SANTOS
AGRAVADO: MUNICIPIO DE SANTALUZ
Advogado(s):TIAGO LEAL AYRES, JAMILLE LEONI CERQUEIRA

 

ACORDÃO

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. ATO DO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTALUZ QUE AUTUOU E MULTOU AS AGRAVANTES. VEDAÇÃO AO FUNCIONAMENTO DE DETERMINADOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS AOS DOMINGOS E FERIADOS. LEI MUNICIPAL Nº 1.516/2019. AGRAVANTES EMPRESAS DE COMÉRCIO DE ALIMENTOS. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. LEI FEDERAL Nº 13.874/2019. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE LIVRE INICIATIVA E LIVRE CONCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA REGULAMENTAR FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS QUE DEVE OBSERVAR LEGISLAÇÃO FEDERAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. EXCEPCIONALIDADE. ATO MUNICIPAL NÃO JUSTIFICADO. PARECER MINISTERIAL ACOLHIDO. RECURSO PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.

I. O ato da autoridade coatora, ao autuar e multar as Agravantes, fundado na lei municipal nº 1.516/2019 que proibiu o funcionamento de estabelecimentos comerciais de alimentos com área maior que 30m², violou legislação federal e princípios constitucionais de livre concorrência e livre iniciativa.

II. Diante da previsão constante no art. 3º, inc. II, da Lei Federal nº 13.874/2019, infere-se que a liberdade no exercício da atividade econômica é regra no ordenamento jurídico, que poderá ser excepcionada pelo Município apenas nas hipóteses previstas, não verificadas no caso concreto.

Recurso provido. Decisão reformada.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 8001707-51.2020.8.05.0000, de Santaluz, em que são partes, como Agravante EDNEIA DO CARMO DE JESUS DOS SANTOS ME E OUTROS e como Agravado MUNICÍPIO DE SANTALUZ.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, pelas razões seguintes.

 

Sala das Sessões, em 2020.

 

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 QUARTA CÂMARA CÍVEL

 

DECISÃO PROCLAMADA

DADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO E PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO - UNÂNIME. Desa. Cassinelza Lopes passou a compor a turma em razão da ausência justificada do Des. Emílio Salomão Resedá. Sem advogado no julgamento.

Salvador, 21 de Janeiro de 2021.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Quarta Câmara Cível 

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8001707-51.2020.8.05.0000
Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível
AGRAVANTE: EDNEIA DO CARMO DE JESUS DOS SANTOS ME - ME e outros (2)
Advogado(s): ERICA RUBINA COSTA DOS SANTOS
AGRAVADO: MUNICIPIO DE SANTALUZ
Advogado(s): TIAGO LEAL AYRES, JAMILLE LEONI CERQUEIRA

 

RELATÓRIO


Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida pelo MM Juízo de Direito da Vara dos Feitos Rel. Cons. Cíveis e Comerciais de Santaluz que, nos autos do Mandado de Segurança impetrado pelos agravantes, indeferiu o pedido liminar.

 

Narram os agravantes terem impetrado o writ, na origem, com a finalidade de ter assegurado o direito líquido e certo em poder “abrir os seus estabelecimentos aos domingos e feriados até às 12h, como já de costume”.

 

Afirmam que, em 22 de outubro, o agravado sancionou a Lei Municipal 1.516/2019, na qual se proibiu a abertura de estabelecimentos comerciais de segmentos específicos aos domingos e feriados.

 

Aduzem que, diferentemente do quanto compreendido pelo juízo de origem, o agravado lhes impuseram multas e notificações, com ameaça da cassação dos alvarás de funcionamento, caso seus estabelecimentos funcionem aos domingos e feriados.

 

Sustentam a presença da probabilidade de seus direitos, face ao direito à liberdade econômica e a garantia de livre mercado, e o perigo da demora pelos prejuízos financeiros que a cessação das atividades aos domingos e feriados lhes causariam.

 

Pugnam a concessão da tutela antecipada e, ao final, o provimento recursal.

 

Preparo devidamente realizado (e. 5884929).

 

Tutela de urgência deferida na decisão de e. 5960954.

 

Interposto agravo interno pelo Agravado em e. 6873574.

 

Contrarrazões ao agravo interno e. 8004853.

 

Parecer do Ministério Público e. 9294102, pelo conhecimento e provimento do Agravo de Instrumento.

 

É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento.

 

Salvador/BA, 26 de agosto de 2020.


 Desa. Gardênia Pereira Duarte 

Relatora


PODER JUDICIÁRIO

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  Quarta Câmara Cível 



Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8001707-51.2020.8.05.0000
Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível
AGRAVANTE: EDNEIA DO CARMO DE JESUS DOS SANTOS ME - ME e outros (2)
Advogado(s): ERICA RUBINA COSTA DOS SANTOS
AGRAVADO: MUNICIPIO DE SANTALUZ
Advogado(s): TIAGO LEAL AYRES, JAMILLE LEONI CERQUEIRA

 

VOTO


Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança, impetrado contra ato do Prefeito do Município de Santaluz que autuou os agravantes por abrirem seus estabelecimentos aos domingos e feriados, em violação à Lei Municipal nº 1.516/2019.

 

Verifica-se que o ato da autoridade coatora possui fundamento na recente lei municipal que vedou o funcionamento de estabelecimentos de alguns segmentos aos domingos e feriados, in verbis:

 

Art. 1º – Fica proibido a abertura dos estabelecimentos comerciais em dias de domingo e feriado, conforme descriminação a seguir:

I – Frigoríficos, açougues, casas de materiais de construção, supermercados com mais de 30m² e mercearias com mais de 30m² de área de atendimento;

II – lojas e roupas, calçados e produtos de cama, mesa e banho;

III – magazines e assemelhados, papelarias e armarinhos;

IV – lojas de utilidades domésticas, móveis e eletrônicos;

V – autopeças e lojas de peças ou acessórios para motocicletas.

 

Sabe-se que, há muito, o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que se trata de competência do Município regular o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais locais, limitados às disposições de leis estaduais e federais.

 

Súmula Vinculante 38: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

 

Sucede que, em julgamento recente, na Rcl nº 35.075/ES, o Min. Luis Roberto Barroso, entendeu não decorrer do texto da Súmula Vinculante 38 “a afirmação de constitucionalidade material de todas as normas editadas sob o exercício de tal competência”.

 

Sob tal fundamento, o Ministro da Corte Suprema negou provimento à Reclamação mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade material de dispositivo de lei do Município de Colatina, no qual foi vedado o funcionamento ininterrupto das farmácias locais.

 

Por oportuno, colaciona-se trechos da decisão do Ministro:

 

A referida súmula vinculante, no entanto, não parece suficiente para superar as conclusões da sentença reclamada. Isto porque não houve afirmação da incompetência do Município para legislar sobre a matéria, mas a inconstitucionalidade material do texto normativo.

(…)

Acaba, portanto, por restringir o funcionamento das farmácias que desejam atuar de forma ininterrupta, como é o caso de impetrante e de tantas outras antigas ou recém-instaladas no município. Há clara afronta ao princípio fundamental da livre iniciativa e também ao direito fundamental do exercício do trabalho/profissão, sem que haja em contrapartida, interesse público superior a ser garantido através da medida. Não vejo, na restrição de dias e horários para o funcionamento das farmácias, qualquer forma de benefício à comunidade ou ao consumidor.

(…)

A prática da reserva de mercado é incompatível com um Estado Democrático de Direito, que traz como um de seus fundamentos 'os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa' (art. 1º, IV, da CF/88) e como princípios gerais da atividade econômica 'a livre concorrência' e a 'defesa do consumidor' (art. 170, IV e V, da CF/88).

O livre mercado impõe a todos que nele estejam a adoção de práticas modernas, criativas e inteligentes, visando o bom desenvolvimento de suas atividades e até a própria sobrevivência. E em situações assemelhadas às das farmácias, não são raros os exemplos (como a Central de Compras, que reúne supermercadistas do Espírito Santo, e a rede Construir, que reúne diversos logistas em todo o país) em que pequenos, médios e até grandes empresários do comércio, da indústria e de serviços se juntam em cooperativas de compras para aquisição de mercadorias em maior volume e com maior poder de negociação e redução de preços, podendo, assim, competir de forma eficiente com empreendimentos de maior porte, sem a necessidade desse tipo de superproteção estatal.

(…)

Como se vê, a declaração de inconstitucionalidade de norma que veda o funcionamento ininterrupto de farmácias no Município de Colatina-ES está fundada não na inconstitucionalidade formal, por vício de competência, mas na inconstitucionalidade material, por afronta aos princípios da proporcionalidade, defesa do consumidor, livre iniciativa e livre concorrência. Tais pontos extrapolam o conteúdo da Súmula Vinculante 38, que somente afirma a competência municipal para estabelecer o horário de funcionamento de comércio local, não decorrendo do seu texto afirmação de que sempre as normas editadas sob o exercício de tal competência serão materialmente constitucionais. 10. Não há, assim, relação de estrita aderência entre o ato reclamado e a Súmula Vinculante 38, requisito indispensável à viabilidade da reclamação

(...).”

 

Nota-se, portanto, em sua decisão, que o Ministro diferenciou a questão posta na súmula vinculante nº 38 – limitada à competência do ente para dispor sobre a matéria – e a alegação de inconstitucionalidade material da própria norma editada pelo Município.

 

É o caso em tela. Verifica-se que a pretensão dos agravantes de ter assegurado seus direitos ao funcionamento nos dias de domingo e feriado possui base em seu argumento de inconstitucionalidade material da lei municipal retro mencionada, a qual viola princípios constitucionais de livre iniciativa e liberdade econômica.

 

Nessa linha de intelecção, o advento da Lei Federal nº 13.874/2019, corrobora o entendimento perfilhado pelo Ministro Luis Roberto Barroso, prevendo, em seu art. 3º, inc. II, que:

 

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

I - desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

II - desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas:

a) as normas de proteção ao meio ambiente, incluídas as de repressão à poluição sonora e à perturbação do sossego público;

b) as restrições advindas de contrato, de regulamento condominial ou de outro negócio jurídico, bem como as decorrentes das normas de direito real, incluídas as de direito de vizinhança; e

c) a legislação trabalhista;

Portanto, vê-se que demonstrada a probabilidade do direito dos agravantes em lhes ter assegurada a possibilidade de abertura dos estabelecimentos nos dias e horários da semana como lhes convier.

O parecer da D. Procuradoria de Justiça, nesse mesmo sentido, afirma:

"Seguindo esta mesma linha intelectiva, o art. 170, caput, do Texto Magno, dispõe que a ordem econômica brasileira é pautada na livre iniciativa, ao mesmo tempo em que o seu parágrafo único prevê que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Ratificando tais mandamentos constitucionais, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) trouxe em seu art. 2º, I e II, respectivamente, a liberdade como mecanismo garantidor do exercício de atividades econômicas, bem como o caráter subsidiário e excepcional da intervenção estatal nesta dinâmica.

Fixados tais pressupostos, verifica-se que, in casu, o Município Agravado incorreu em flagrante violação aos dispositivos legais acima mencionados ao sancionar a Lei nº 1.516/2019, vez que impediu, sem motivo aparente, que determinados agentes econômicos exercessem livremente suas atividades comerciais, medida esta que, ressalte-se, fora aplicada apenas sobre alguns estabelecimentos. Note-se que, neste ponto, também há, de certa forma, afronta ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que as normas legais não abrangeram a integralidade do comércio local.

(...)

Diante disso, é possível concluir que a liberdade de exercício da atividade econômica se configura como regra no ordenamento jurídico brasileiro, a qual somente pode ser excepcionada nas hipóteses elencadas acima. Ocorre que não parece ser este o caso da lide em apreço, já que o Agravado sequer apresentou justificativa para a adoção da medida impugnada."

É clarividente que a demora no processamento do Mandado de Segurança pode prejudicar a saúde financeira dos agravantes, que terão que aguardar o deslinde do feito para exercer suas atividades comerciais.

Assim, presentes o fundamento relevante e a urgência, possível a concessão da liminar consoante art. 7º, inc. III, da Lei de Mandado de Segurança.

Ressalta-se que a medida ora deferida não sobrepuja as medidas restritivas impostas recentemente pelos Poderes Executivos em controle das condições sanitárias e de saúde em razão do combate da pandemia oriunda do novo coronavírus, as quais devem ser observadas pelos Agravantes.

Pelas razões ora expostas, meu voto é no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento para confirmar a tutela concedida na decisão monocrática e. 5960954.

Diante do julgamento do recurso principal, declaro prejudicado o agravo interno.

Sala das Sessões, em 2020.



Desª Gardênia Pereira Duarte

Presidente e Relatora





Procurador de Justiça