PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

 

 

Processo nº: 0019714-79.2023.8.05.0080

Classe: RECURSO INOMINADO

Recorrente: DECOLAR COM LTDA

Recorrido: ERIVALDO COSTA NOGUEIRA

Origem: 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS – FEIRA DE SANTANA

Relatora: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE

 

 

 

 

 

E M E N T A

 

RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA. (ART. 15, XI, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC). DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS. CANCELAMENTO DO VOO EM VIRTUDE DA PANDEMIA DA COVID 19. APLICAÇÃO DAS LEIS 14.034/2020 (LEI DA PANDEMIA) E 14.046/2020 (LEI DE PANDEMIA DIRECIONADA AOS SETORES DE TURISMO E DE CULTURA) COM A REDAÇÃO DA LEI 14.390/2022. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CASO FORTUITO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. EXCLUSÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

                        Vistos.

Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado, cujo dispositivo transcrevo in verbis:

“Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS e extingo o feito com resolução do mérito (art. 487, inciso I, do CPC), apenas para: a) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora, no importe de R$4.000,00 (quatro mil reais), acrescidos de juros legais (1% ao mês) desde o arbitramento e correção monetária (INPC) também desde o arbitramento; b) determinar o cumprimento da oferta nos termos contratados, no que se refere às passagens aéreas conforme bilhetes de ev. 1.5, no total de 06 (seis) passageiros e observados os trechos contratados, disponibilizando vouchers para utilização pelo autor em um intervalo de até 12 (doze) meses após o trânsito em julgado, com opção das datas pelo consumidor.”

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço.

O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil.

Trata-se de demanda indenizatória em que a parte autora alega, em síntese, ter adquirido um pacote de viagem junto à ré para Foz do Iguaçu, não concretizado em virtude da pandemia, não tendo conseguido lograr êxito em realizar a remarcação da viagem por imposição de condições que lhe colocava em desvantagem.

Analisados os autos, observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, segundo os precedentes 0057683-45.2021.8.05.0001, 0055213-75.2020.8.05.0001 e 0001070-93.2021.8.05.0004, dentre outros, no sentido de que o cancelamento ou adiamento de viagem no período pandêmico decorreu de caso fortuito ou fortuito externo, não se podendo debitar a responsabilidade ao fornecedor, a teor do que dispõe a Lei 14.046/20.

Nas hipóteses de cancelamento de voo por conta da pandemia, ante a ocorrência de força maior, ou o que se denominou chamar de fortuito externo, inexiste dano moral a ser reconhecido, somente fazendo jus a parte autora à remarcação das passagens ou ao reembolso integral do valor pago.

A Lei nº 14.046/20, atualizada pela Lei 14.390/2022, dispõe que o prestador de serviços somente não será obrigado a reembolsar os valores pagos pelo consumidor caso ofereça a opção de remarcação ou disponibilize o crédito. Vejamos:

Art. 2º.         Na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, de 1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2022, em decorrência da pandemia da covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:

I - a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou

II - a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.

[...]

§ 6º O prestador de serviço ou a sociedade empresária deverão restituir o valor recebido ao consumidor somente na hipótese de ficarem impossibilitados de oferecer a remarcação dos serviços ou a disponibilização de crédito a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo nos seguintes prazos:   (Redação dada pela Lei nº 14.390, de 2022)

 I - até 31 de dezembro de 2022, para os cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021; e       (Incluído pela Lei nº 14.390, de 2022)

 II - até 31 de dezembro de 2023, para os cancelamentos realizados de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022.    (Incluído pela Lei nº 14.390, de 2022)”

No caso em tela, dos e-mails juntados pelo próprio autor, verifica-se que a ré disponibilizou ao consumidor créditos para utilização futura ou possibilitou a remarcação dos serviços, todavia, considerando que houve a prorrogação dos prazos para até o final de 2023, entendo que assiste razão ao autor em relação ao seu pleito de remarcação da viagem nos termos contratados, sob pena de conversão em perdas e danos.

No que tange o dano moral, todavia, a Lei nº 14.034/2020 promoveu alteração no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA - Lei nº 7.565/86), com a inclusão do art. 251-A, para estabelecer que a indenização por danos extrapatrimoniais está condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário da carga, bem como a ausência de responsabilidade do transportador aéreo por danos decorrentes dos cancelamentos e atrasos por motivo de caso fortuito ou força maior, seja em razão de condições meteorológicas desfavoráveis, indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária, determinação da autoridade aeronáutica e/ou decretação de pandemia e atos do Governo.

O dano moral, por óbvio, não resulta do cancelamento, pois existente causa excludente de responsabilidade.

Como é sabido, durante a pandemia diversas cidades estabeleceram medidas restritivas e isso, inclusive, independente da vontade das companhias aéreas e empresas ligadas ao ramo turístico, o que impossibilita a realização de viagens e/ou até mesmo a utilização de reservas em hotéis. Outrossim, observa-se que o cancelamento dos serviços decorreu do cumprimento à portaria governamental, não havendo como imputar responsabilidade às empresas.

A doutrina trata da matéria da força maior e do fortuito, entendimento que pode ser utilizado nesse momento de pandemia: “... Na aviação comercial não se pode desprezar o caso fortuito e a força maior como causas excludentes da responsabilidade, não obstante nosso entendimento de que a responsabilidade do transportador é objetiva. É que, na responsabilidade objetiva, exige-se apenas a mera relação causal entre o comportamento e o dano. Ora, O FORTUITO E A FORÇA MAIOR ROMPEM ESSE NEXO CAUSAL E DESFAZEM O LIAME QUE JUSTIFICA A RESPONSABILIZAÇÃO ( ...) O caso fortuito representa uma causa absolutamente independentemente, ou uma “não causa” e, por isso, exclui o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado” Rui Stocco, in “Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial", 4ª Edição, Editora Revista dos Tribunais , pág. 155.

Assim, não vislumbro a ocorrência dos danos morais in casu, pois, apesar dos transtornos causados à parte autora, entendo que a indenização por danos extrapatrimoniais está condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo consumidor, bem como a ausência de responsabilidade do prestador por danos decorrentes dos cancelamentos por motivo de caso fortuito ou força maior, quando for impossível a adoção de medidas adequadas e necessárias para evitar eventuais danos.

Desse modo, e constatado que a sentença não observou o entendimento  desta Turma Recursal, a mesma deve ser parcialmente reformada.

Diante do exposto, na forma do art. 15, inciso XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais e do art. 932 do Código de Processo Civil, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO interposto para reformar a sentença e excluir a condenação por dano moral, mantendo hígidos os demais termos da decisão.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios.

 

BELA. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE

Juíza Relatora