PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Seção Cível de Direito Público 



ProcessoMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL n. 8010705-66.2024.8.05.0000
Órgão JulgadorSeção Cível de Direito Público
IMPETRANTE: LESLIE BARBOSA NARDE
Advogado(s)BARBARA DA CONCEIÇÃO SOUZA ROCHA
IMPETRADO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outros
Advogado(s): 

 

ACORDÃO

 

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PRÉ-CONSTITUÍDA AFASTADA. REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO DE 40 (QUARENTA) PARA 20 (VINTE) HORAS PARA CUIDAR DO SEU FILHO DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA MODERADO. OMISSÃO DA LEI ESTADUAL. APLICAÇÃO DA ANALOGIA INTEGRATIVA. APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, LEI Nº 12.764/2012 E LEI FEDERAL Nº 8.112/90. CONCESSÃO DA ORDEM VINDICADA.

 

No que tange a alegação de ausência de prova pré-constituída, haja vista que, consoante se depreende do estudo dos autos, denota-se que matéria a ser deslindada diz respeito à questão exclusivamente de direito, não havendo tema de fato a ser dirimido à guisa de preliminar.

 

De logo, assinalo o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, Lei Estadual nº 6.677/94, não disciplina a hipótese de redução da carga horária do servidor com filho portador de necessidades especiais, mas apenas a licença por motivo de doença em pessoa da família, ex vi dos art. 100 e 101, com escalonamento de redução da remuneração de acordo com o período de afastamento, o qual não pode ultrapassar 12 meses, ocorrendo, portanto, uma lacuna legal.

 

Ademais, em que pese o Princípio da Legalidade Administrativa, diante da lacuna legal, a Doutrina Administrativista vem albergando a aplicação da analogia integrativa como fonte do Direito Administrativo, com base na ponderação dos Princípios Constitucionais da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

 

Portanto, considerada a analogia integrativa, a omissão do normativo local/lacuna legal quanto à concessão de redução da jornada do servidor público com filho portador de necessidades especiais, não poderá, por si, só ser óbice à fruição do direito.

 

Noutro giro, as crianças e os adolescentes são titulares do direito à saúde, dever oponível, inclusive, ao Estado, segundo norma que se extrai do art. 227 da CF/1988. Ainda, de forma primordial, deve-se sempre resguardar o melhor interesse da criança e/ou adolescente, possibilitando-lhe o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, em consonância com os ditames do microssistema do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Igualmente, há de se destacar o normativo da Lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Na mesma toada, pertinente lembrar a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, em seus arts. 1º, 2º e 3º.

 

Em um segundo momento, a Lei n.º 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, normatiza em seu art. 98, §§ 2º e 3º, dispõe a possibilidade de concessão de jornada especial a servidor que tenha filho com deficiência, conceito no qual se engloba os portadores do transtorno do espectro autista – TEA conforme acima aclarado.

 

Desta maneira, lastreada na analogia integrativa e por conta da lacuna legal, considerada a condição da criança L. D. N. O. de pessoa com deficiência, dado o diagnóstico de TEA, e ainda, dando concretude ao princípio da proteção integral à criança, pertinente a aplicação da norma que se debulha do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, a possibilitar a redução da jornada da impetrante.

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 8010705-66.2024.8.05.0000, sendo Impetrante  LESLIE BARBOSA NARDE e Impetrados SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outro.

 

ACORDAM os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Seção Cível de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia em rejeitar a preliminar e conceder a segurança, nos termos do voto da Relatora.

 

 

Salvador, .


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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 SEÇÃO CÍVEL DE DIREITO PÚBLICO

 

DECISÃO PROCLAMADA

Concedido Por Unanimidade

Salvador, 3 de Outubro de 2024.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Seção Cível de Direito Público 

Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL n. 8010705-66.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Cível de Direito Público
IMPETRANTE: LESLIE BARBOSA NARDE
Advogado(s): BARBARA DA CONCEIÇÃO SOUZA ROCHA
IMPETRADO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outros
Advogado(s):  

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, impetrado por LESLIE BARBOSA NARDE contra ato reputado coator atribuído à SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, considerado ilegal e arbitrário, consubstanciado no indeferimento do pedido de redução de carga horária de 40 (quarenta) para 20 (vinte) horas, em razão do filho menor de idade com quadro de transtorno do espectro autista moderado.

 

Aduz a Impetrante (ID nº 57316786), em suma, que “é servidora pública estadual, ocupante do cargo de Professora do Ensino Médio, lotada na Unidade Escolar Duque de Caxias em Correntina - BA, desde a sua admissão em 12 de abril de 2012, possuindo carga horária regular de 40 (quarenta) horas semanais”, e que é mãe de uma criança diagnosticada com “Transtorno do Espectro Autista (TEA), se tratando especificamente das condições descritas no CID 11 – 6A02, conforme o diagnóstico assinado pela Dra. Lívia Mirella Martins Gomes Aragão (CRM BA 24083 - RQE 24302)”.

 

Assevera que, “na busca por um horário especial (uma redução de 50% do tempo de trabalho) sem prejudicar seus rendimentos ou compensação de horário, a impetrante protocolou um pedido administrativo com base no art. 98, § 2° e 3° da Lei 8112/1990 e na Lei 13.370/2016. No entanto, a impetrada recusou prontamente o pedido, alegando que o pedido da impetrante não se enquadra nos termos legais da legislação estadual vigente.”.

 

Pontua que “é inquestionável que a redução da jornada de trabalho solicitada pela autora resultará no pleno exercício dos direitos garantidos pela Política Nacional de Proteção da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, proporcionando uma vida mais digna e com maior qualidade” e que, “com base nos princípios, valores e ações estabelecidos no Plano Estadual das Pessoas Portadoras de Deficiência da Bahia, é evidente o respaldo legítimo do direito pleiteado pela Impetrante”.

 

Verbera que a Lei 8112/1990 deve ser aplicada “subsidiariamente ao caso em questão para garantir o direito solicitado pela servidora, concedendo-lhe jornada especial sem a necessidade de compensação de horário, medida essa de caráter humanitário que visa compensar a desvantagem natural da servidora que é mãe de um portador de deficiência e que comprovadamente necessita de uma jornada reduzida.”.

 

Ao final, requer a concessão de medida liminar e, no mérito, a sua ratificação, para que seja promovida a redução da sua jornada de trabalho em 50% da atual (de 40 para 20 horas semanais), sem redução salarial e com compensação de horas.

 

Através da decisão de ID 57580420, foi deferida, em parte, a medida liminar, para determinar que as Autoridades Coatoras adotassem as providências necessárias para, no prazo de 10 (dez) dias, promover a redução da carga horária laboral da Impetrante para 20 (vinte) horas semanais, sem compensação e sem redução de seus vencimentos, até ulterior deliberação desta Corte, tudo sob pena de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia, por ora limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

 

Devidamente intimado para se manifestar, o Estado da Bahia, por intermédio a sua Procuradoria Geral, promoveu a sua intervenção no feito (ID nº 60109958), arguindo, preliminarmente, a ausência de prova pré-constituída.

 

No mérito, refuta que “não há previsão legal para o afastamento parcial do servidor, sem prejuízo da remuneração, por tempo indeterminado, tal como postulado, estabelecendo o artigo 101 da Lei Estadual nº 6.677/1994 a concessão de uma licença por motivo de doença em pessoa da família, cuja gradação vai da remuneração integral até 3 meses, até 1/3 da remuneração, quando exceder a 6 meses e não ultrapassar 12 meses.”.

 

Ressalta que “o acolhimento do pedido consistente em reduzir a carga horária sem exigência de compensação de horas e sem qualquer compensação de horas ou redução salarial implicaria no fato de estar o Poder Judiciário, além de realizando indevida insurgência no Poder Executivo, concedendo à parte autora aumento salarial indevido, sem observância das indispensáveis regras orçamentárias que regem a atividade administrativa.”.

 

Por fim, requesta a extinção do processo, sem resolução do mérito, ou a denegação do writ.

 

Instado a se manifestar acerca das questões preliminares suscitadas pelo Estado da Bahia, a Impetrante apresentou impugnação (ID nº 62417394), ratificando a procedência dos seus pedidos exordiais.

 

A Procuradoria de Justiça opinou pela concessão da segurança – ID 64347449.

 

Devidamente intimado, a Impetrante se manifestou sobre as preliminares arguidas através da petição de ID 43970082.

 

Em cumprimento ao art. 931, do CPC/2015, restituo os autos à Secretaria, com relatório, ao tempo em que, solicito dia para julgamento, salientando a possibilidade de sustentação oral, nos termos do art. 937, VI, do CPC/2015.



Salvador/BA, 19 de setembro de 2024.


 Desa. Lisbete Maria Teixeira Almeida Cézar Santos 

Relatora


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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Seção Cível de Direito Público 



Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL n. 8010705-66.2024.8.05.0000
Órgão Julgador: Seção Cível de Direito Público
IMPETRANTE: LESLIE BARBOSA NARDE
Advogado(s): BARBARA DA CONCEIÇÃO SOUZA ROCHA
IMPETRADO: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA e outros
Advogado(s):  

 

VOTO

 

Como exposto no relatório, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, impetrado por LESLIE BARBOSA NARDE contra ato reputado coator atribuído à ilma. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, considerado ilegal e arbitrário, consubstanciado no indeferimento do pedido de redução de carga horária de 40 (quarenta) para 20 (vinte) horas, em razão do filho menor de idade com quadro de transtorno do espectro autista moderado.

 

Prima facie, no que tange a alegação de ausência de prova préconstituída, haja vista que, consoante se depreende do estudo dos autos, denotase que matéria a ser deslindada diz respeito à questão exclusivamente de direito, não havendo tema de fato a ser dirimido à guisa de preliminar.

 

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, através do verbete de súmula nº 625, consolidou o entendimento de que a “controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança”.

 

Deste modo, não merece ser acolhida a aludida preliminar suscitada pelo Estado da Bahia.

 

Pois bem. Sabe-se que o Mandado de Segurança é um remédio constitucional à disposição do indivíduo que dele pode se valer em hipóteses nas quais julgar violado direito líquido e certo de sua titularidade, por ato de autoridade pública ou de quem a ela possa equiparar-se. Assim é que, nos exatos termos do artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

 

A Doutrina conceitua o "direito líquido e certo" a ser protegido pela Ação Mandamental, sendo oportunas a este respeito as lições de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual:

 

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: ...". (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 25 ed. São Paulo : Malheiros, 2003)

 

No mérito, cinge-se a querela em comento à análise da existência de ilegalidade do ato administrativo que promoveu o indeferimento do pedido de redução de carga horária de 40 (quarenta) para 20 (vinte) horas semanais horas, em razão do filho menor de idade com quadro de transtorno do espectro autista.

 

De logo, assinalo o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, Lei Estadual nº 6.677/94, não disciplina a hipótese de redução da carga horária do servidor com filho portador de necessidades especiais, mas apenas a licença por motivo de doença em pessoa da família, ex vi dos art. 100 e 101, com escalonamento de redução da remuneração de acordo com o período de afastamento, o qual não pode ultrapassar 12 meses, ocorrendo, portanto, uma lacuna legal. Vejamos:

 

“Art. 100 - Poderá ser concedida licença ao servidor, por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, do padrasto ou madrasta, dos filhos, dos enteados, de menor sob guarda ou tutela, dos avós e dos irmãos menores ou incapazes, mediante prévia comprovação por médico ou junta médica oficial.

§ 1º - A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo, o que deverá ser apurado através de acompanhamento social.

§ 2º - É vedado o exercício de atividade remunerada durante o período da licença.”

 

“Art. 101 - A licença de que trata o artigo anterior será concedida: I - com remuneração integral, até 3 (três) meses; II - com 2/3 (dois terços) da remuneração, quando exceder a 3 (três) e não ultrapassar 06 (seis) meses; III - com 1/3 (um terço) da remuneração, quando exceder a 6 (seis) e não ultrapassar 12 (doze) meses.”

 

Ademais, em que pese o Princípio da Legalidade Administrativa, diante da lacuna legal, a Doutrina Administrativista vem albergando a aplicação da analogia integrativa como fonte do Direito Administrativo, com base na ponderação dos Princípios Constitucionais da Razoabilidade e da Proporcionalidade, entendimento este que se reflete, inclusive, em julgados do Tribunal da Cidadania. A propósito:

 

“ADMINISTRATIVO.   SERVIDOR   PÚBLICO.   AGRAVO  INTERNO  NO  RECURSO ESPECIAL.  VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 54 DA  LEI  9.784/1999.  INAPLICABILIDADE  À  ENTE  ESTADUAL  DOTADO DE LEGISLAÇÃO LOCAL PRÓPRIA. SÚMULA 284/STF. PRECEDENTE.

(...)

2.    "Com   vistas   nos   princípios   da   razoabilidade   e   da proporcionalidade,  este Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação,  por  analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, que   disciplina  a  decadência  quinquenal  para  revisão  de  atos administrativos  no  âmbito  da  administração  pública federal, aos Estados  e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a  autonomia  legislativa  destes  para  regular  a  matéria em seus territórios"   (MS  18.338/DF,  Rel.  Ministro  BENEDITO  GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, , DJe 21/06/2017).

(...)

4. Agravo interno não provido.”. (STJ – AgInt no REsp 1642879/GO - Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA – Órgão Julgador: T1/PRIMEIRA TURMA – Data do Julgamento: 17/06/2019 – Data da Publicação: DJe 25/06/2019). Grifos acrescidos.

 

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA EM FACE DO DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS APÓS A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 POR ANALOGIA INTEGRATIVA. 1. Nos termos da Súmula 473/STF, a Administração, com fundamento no seu poder de autotutela, pode anular seus próprios atos, de modo a adequá-lo aos preceitos legais. 2. Com vistas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, que disciplina a decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios. Colheu-se tal entendimento tendo em consideração que não se mostra razoável e nem proporcional que a Administração deixe transcorrer mais de cinco anos para providenciar a revisão e correção de atos administrativos viciados, com evidente surpresa e prejuízo ao servidor beneficiário. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ - REsp 1251769/SC - Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES – Órgão Julgador: T2/SEGUNDA TURMA – Data do Julgamento: 06/09/2011 – Data da Publicação: DJe 14/09/2011). Grifos acrescidos.

 

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MUNICIPAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE LICENÇA. ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. SEM ÔNUS. SILÊNCIO NA LEI MUNICIPAL. ANALOGIA COM O REGIME JURÍDICO ÚNICO OU DIPLOMA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. QUESTÕES SIMILARES. ANÁLISE DE CADA CASO. PARCIMÔNIA. CASO CONCRETO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto por servidora pública municipal que postulava o direito à concessão de licença para acompanhamento de seu cônjuge, sem ônus, com base na proteção à família (art. 266, da Constituição Federal) e na analogia com o diploma estadual (Lei Complementar Estadual n. 39/93) e o regime jurídico único federal (Lei n. 8.112/90), ante o silêncio do Estatuto dos Servidores do Município (Lei Municipal n. 1.794 de 30 de setembro de 2009).  2. A jurisprudência do STJ firmou a possibilidade de interpretação analógica em relação à matéria de servidores públicos, quando inexistir previsão específica no diploma normativo do Estado ou do município. Precedentes: RMS 30.511/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 22.11.2010; e RMS 15.328/RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 2.3.2009. 3. O raciocínio analógico para suprir a existência de lacunas já foi aplicado nesta Corte Superior de Justiça, inclusive para o caso de licenças aos servidores estaduais: RMS 22.880/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 19.5.2008. 4. Relevante anotar a ressalva de que, "consoante o princípio insculpido no art. 226 da Constituição Federal, o Estado tem interesse na preservação da família, base sobre a qual se assenta a sociedade; no entanto, aludido princípio não pode ser aplicado de forma indiscriminada, merecendo cada caso concreto uma análise acurada de suas particularidades" (AgRg no REsp 1.201.626/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 14.2.2011). 5. No caso concreto, o reconhecimento do direito líquido e certo à concessão da licença pretendida justifica-se em razão da analogia derivada do silêncio da lei municipal, e da ausência de custos ao erário municipal, porquanto a sua outorga não terá ônus pecuniários ao ente público. Recurso ordinário provido.” (STJ - RMS 34.630/AC - Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Órgão Julgador: T2/SEGUNDA TURMA – Data do Julgamento: 18/10/2011 – Data da Publicação: DJe 26/10/2011). Grifos acrescidos.

 

Portanto, considerada a analogia integrativa, a omissão do normativo local/lacuna legal quanto à concessão de redução da jornada do servidor público com filho portador de necessidades especiais, não poderá, por si, só ser óbice à fruição do direito.

 

Noutro giro, as crianças e os adolescentes são titulares do direito à saúde, dever oponível, inclusive, ao Estado, segundo norma que se extrai do art. 227 da CF/1988. In verbis:

 

CF/1988 - “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

 

Ainda, de forma primordial, deve-se sempre resguardar o melhor interesse da criança e/ou adolescente, possibilitando-lhe o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, em consonância com os ditames do microssistema do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

 

Lei n. 8.069/90 - “Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

 

Igualmente, há de se destacar o normativo da Lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que preconiza:

 

“Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.”

 

“Art. 14. O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência.

Parágrafo único. O processo de habilitação e de reabilitação tem por objetivo o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.”

 

“Art. 15. O processo mencionado no art. 14 desta Lei baseia-se em avaliação multidisciplinar das necessidades, habilidades e potencialidades de cada pessoa, observadas as seguintes diretrizes:

I - diagnóstico e intervenção precoces;

II - adoção de medidas para compensar perda ou limitação funcional, buscando o desenvolvimento de aptidões;

III - atuação permanente, integrada e articulada de políticas públicas que possibilitem a plena participação social da pessoa com deficiência;

IV - oferta de rede de serviços articulados, com atuação intersetorial, nos diferentes níveis de complexidade, para atender às necessidades específicas da pessoa com deficiência;

V - prestação de serviços próximo ao domicílio da pessoa com deficiência, inclusive na zona rural, respeitadas a organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS) nos territórios locais e as normas do Sistema Único de Saúde (SUS).”

 

Na mesma toada, pertinente lembrar a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, em seus arts. 1º, 2º e 3º:

 

“Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

(…)

§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”

 

“Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

 

(…)

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;”

 

Em um segundo momento, a Lei n.º 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, normatiza em seu art. 98, §§ 2º e 3º, dispõe a possibilidade de concessão de jornada especial a servidor que tenha filho com deficiência, conceito no qual se engloba os portadores do transtorno do espectro autista – TEA conforme acima aclarado.

 

“Art. 98.  Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

(…)

§ 2o  Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o  As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)”

 

Assentadas as premissas acima, extrai-se dos autos que a impetrante é servidora público estadual, ocupante do cargo público de professor efetivo, com carga horária de 40 horas semanais, de acordo com o doc. do ID n. 57318303.

 

Também, deflui-se do caderno processual que a impetrante é genitora da criança L. D. N. O., nascida em 05/02/21, a qual é portadora de transtorno do espectro autista – TEA, consoante documento de ID 57318299.

 

De modo igual, afere-se do relatório médico do ID 57318299, que é imprescindível o acompanhamento dos genitores da criança L. D. N. O. em seu tratamento terapêutico multidisciplinar.

 

Desta maneira, lastreada na analogia integrativa e por conta da lacuna legal, considerada a condição da criança L. D. N. O. de pessoa com deficiência, dado o diagnóstico de TEA, e ainda, dando concretude ao princípio da proteção integral à criança, pertinente a aplicação da norma que se debulha do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, a possibilitar a redução da jornada da impetrante.

 

Em arremate, possibilitando a redução da jornada de servidor público estadual com filho portador de deficiência, é o entendimento deste Sodalício, por meio da Colenda Seção Cível de Direito Público, em situações similares:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. MÃE DE MENOR PORTADORA DE GRAVE PATOLOGIA (PARALISIA CEREBRAL). REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DA BAHIA. DIREITO PREVISTO NO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS (LEI Nº 8.112/90). APLICAÇÃO ANALÓGICA. PREPONDERÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. DIREITO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO COM MANUTENÇÃO DE REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. SEGURANÇA CONCEDIDA. O cerne da controvérsia reside na existência, ou não, de direito subjetivo por parte da impetrante à redução de sua carga horária semanal de trabalho. De fato, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia (Lei Estadual nº 6.677/94) não dispõe expressamente acerca da possibilidade de redução de jornada de trabalho para acompanhar dependente portador de necessidades especiais, uma vez que tão somente estabelece, em seu artigo 101, a previsão de licença por motivo de doença em pessoa da família, com gradação da remuneração conforme o período de afastamento, ressaltando-se que este não pode ultrapassar 12 meses. Todavia, a omissão do referido diploma normativo não pode constituir óbice ao exercício de tal direito, na medida em que a Constituição Federal assegura o direito à saúde (art. 6º), a proteção da família (art. 226) e o melhor interesse da criança (art. 227), além de pôr a salvo a dignidade da pessoa humana. A Lei Federal nº 8.112/90 que dispõe sobre do Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União garante a seus servidores o referido direito, na forma disposta no art. 98. A impetrante comprovou que a menor é portadora de paralisia cerebral e passou procedimentos cirúrgicos para introdução da válvula no cérebro, bem como a necessidade de atendimento e acompanhamento de fisioterapia, fonoterapia, terapeuta ocupacional e com psicóloga (IDs 19749344, 19749345,19749346 e 19749347), demostrando, assim, a necessidade da genitora em acompanhar os tratamentos para a reabilitação da menor. Assim, embora o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia não disponha expressamente acerca da possibilidade de redução de jornada de trabalho para acompanhar dependente portador de necessidades especiais, devem preponderar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da família e do melhor interesse da criança. Desta forma, deve ser feita uma aplicação analógica do Estatuto dos Servidores Públicos da União ao caso em tela, uma vez que a omissão da legislação estadual não pode servir de impedimento para a obediência à Constituição e os Princípios nela insculpidos. Quanto à exigibilidade de compensação prevista no § 3º do art. 98 da Lei 8.112/90, incabível no presente caso, vez que impetrante faz jus à concessão de horário especial sem compensação de horário, tendo em vista que as normas constitucionais que dispensam especial proteção à família devem se sobrepor na presente hipótese, frente à situação da menor. (TJ-BA - MS: 80336063320218050000 Des. Josevando Souza Andrade, Relator: EDMILSON JATAHY FONSECA JUNIOR, SECAO CÍVEL DE DIREITO PUBLICO, Data de Publicação: 26/08/2022)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADAS. MÉRITO. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL, MÃE DE MENOR PORTADOR DE GRAVE PATOLOGIA. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE 40 (QUARENTA) HORAS PARA 20 (VINTE) HORAS SEMANAIS. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DA BAHIA. DIREITO PREVISTO NO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS (LEI Nº 8.112/90). APLICAÇÃO ANALÓGICA AO CASO CONCRETO. PREPONDERÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. DIREITO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO COM MANUTENÇÃO DE REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. PRECEDENTES. SEGURANÇA CONCEDIDA. (TJ-BA - MS: 00088438020168050000, Relator: Baltazar Miranda Saraiva, Seção Cível de Direito Público, Data de Publicação: 08/03/2018)

 

Diante do exposto, rejeita-se a preliminar e concede-se a segurança para determinar à autoridade coatora a redução da carga horária da impetrante para 20 (vinte) horas semanais, sem compensação e sem redução de seus vencimentos, sob pena de multa diária sob pena de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia, por ora limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).



Salvador/BA, 


 Desa. Lisbete Maria Teixeira Almeida Cézar Santos 

Relatora


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