Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
SEGUNDA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460

 

PROCESSO Nº:  0218323-90.2019.8.05.0001

RECORRENTE: MARIA ISABEL DE ALCANTARA TAVARES

RECORRIDO: PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA

ORIGEM: 10ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO)

RELATORA: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE

 

 

EMENTA

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE FABRICAÇÃO. VÍCIO OCULTO APRESENTADO APÓS O PRAZO DE GARANTIA. BEM DURÁVEL. PRODUTO COM VIDA ÚTIL RAZOAVELMENTE DURADOURA. O VEÍCULO REALIZOU TODAS AS REVISÕES. BOA FÉ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBSERVÂNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 18 DO CDC. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

 

Trata-se de Recurso Inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado, abaixo transcrita:

¿Do expendido, julgo improcedentes os pedidos constantes no termo de queixa.¿

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço.

 

V O T O

 

Na origem alega a parte autora que em fevereiro de 2014 adquiriu um veículo de  fabricação da acionada, marca/modelo Citroen/C3, 90M, Tendance, ano/modelo 2014/2014, cor branca, de placa policial OVA-5409, com prazo de garantia de 03 (três) anos e sempre realizou todas as revisões do veículo junto às concessionárias autorizadas pela empresa acionada. Seguiu narrando que em outubro de 2019 o veículo passou a apresentar vício de qualidade, a saber, problema no bloco do motor. Ao encaminhar o veículo a uma das concessionárias autorizadas pela acionada, a parte autora foi surpreendida com a informação de que o vício apresentado decorreu de  mau  uso  do  produto/automóvel,  já  que  teria  utilizado produto inadequado. Com efeito, para sanar o vício apontado, foi  apresentado pela respectiva concessionária um orçamento no valor astronômico de R$ 12.563,50 (doze mil quinhentos e sessenta e três reais e cinquenta centavos), realizando o serviço em outro local no valor de R$ 4.842,63 (quatro mil oitocentos e quarenta e dois reais e sessenta e três centavos). Aduziu por fim que em pesquisa na internet verificou a existência de vários outros consumidores com o mesmo defeito, tratando-se assim de vício de fabricação. Ao final requereu a condenação do réu ao pagamento de danos morais e materiais.

A parte ré apresentou defesa sustentando que o veículo já encontrava-se fora do prazo de garantia bem como que o problema mecânico noticiado nos autos,  provavelmente,  ocorreu  pelo  desgaste  natural  da  peça  em questão. Sustentou por fim acerca da inexistência de ato ilícito e a inocorrência de danos morais. Ao final requereu a improcedência da ação.

Perlustrando os autos com vagar, a sentença merece reforma.

 Da análise dos autos constata-se a ocorrência de vício após o prazo da garantia, no entanto, constata-se a existência de vício oculto de produto durável. Extrai-se dos autos que o veículo obedeceu todas as revisões não sendo identificado qualquer mau uso do mesmo, assim, não se pode imputar ao consumidor a responsabilidade pelo vício que surgiu após o prazo de garantia, devendo ainda ser observado o tempo de vida útil do veículo, não podendo se admitir que um bem durável não  possa ser garantido quando apresentar vício de fabricação.

Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse período. Da mesma forma, com relação a garantia contratual, pois se na garantia legal não pode considerar um prazo fatal, a partir do qual o fornecedor se exime de toda e qualquer responsabilidade sobre o produto, daí porque deve-se considerar para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício apresentado no produto, mesmo que somente tenha se manifestado após o prazo da garantia.

Em suma, tanto para os casos de garantia legal ou garantia contratual, ambos visam acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo de espera para que haja eventual deterioração do bem. Todavia, diversa é a situação do vício intrínseco ou oculto, que sempre existiu, apesar de somente se manifestar depois de encerrado o prazo da garantia.

Assim, entendo que, ainda que a garantia contratual tenha findado, o surgimento de vício de fabricação, frustra a legítima expectativa do consumidor e caracteriza quebra da boa-fé objetiva, na medida em que se esperava que a vida útil do equipamento fosse razoavelmente duradoura, razão pela qual, faz jus o autor a indenização devida.

Com efeito, tratando-se de vício oculto, a situação aventada nos autos inclui-se entre aquelas da responsabilidade do fornecedor do serviço. Aqui se fala em responsabilidade objetiva do prestador de serviços, vale dizer, não há o que se perquirir sobre culpa, competindo àquele que deu causa responder pelos danos que tenha causado ao consumidor, é o que se extrai do art. 14 do CDC, in verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Adicione-se a isso a inteligência do art. 26, § 6º que trata do vício oculto, bem como tratando da vida útil que se pode esperar de um bem tão caro e que traz utilidade ao seu possuidor, devendo permanecer a responsabilidade do fornecedor, também seguindo a jurisprudência nesse sentido: 

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. PRODUTO DURÁVEL. RECLAMAÇÃO. TERMO INICIAL. 1. Na origem, a ora recorrente ajuizou ação anulatória em face do PROCON/DF - Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal, com o fim de anular a penalidade administrativa imposta em razão de reclamação formulada por consumidor por vício de produto durável. 2. O tribunal de origem reformou a sentença, reconheceu a decadência do direito de o consumidor reclamar pelo vício e concluiu que a aplicação de multa por parte do PROCON/DF se mostrava indevida. 3. De fato, conforme premissa de fato fixada pela corte de origem, o vício do produto era oculto. Nesse sentido, o dies a quo do prazo decadencial de que trata o art. 26, §6º, do Código de Defesa do Consumidor é a data em ficar evidenciado o aludido vício, ainda que haja uma garantia contratual, sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente. A propósito, esta Corte já apontou nesse sentido. 4. Recurso especial conhecido e provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.123.004 - DF (2009/0026188-1) MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES)

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. (RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/0207915-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO).

Verifica-se ainda que, existem várias notícias nos autos quanto a constantes reclamações de proprietários do mesmo modelo e ano do veículo do autor, que apresentaram problemas de difícil constatação, em que não se tratava de mau uso, hipótese na qual caberia ao fabricante comprovar o mau uso, sob pena de se responsabilizar pelo reparo.

Quanto ao pleito de indenização por danos materiais, apesar do orçamento apresentado pela autorizada ter sido em valor bastante superior, o autor realizou o serviço em outra oficina, consoante nota fiscal acostada, onde foi realizada a substituição do bloco do motor, também restou comprovado despesas de transporte, justamente decorrente dos deslocamentos do autor para as oficinas e o próprio Detran para conseguir resolver o problema do vício do veículo, valores que devem ser reembolsados, uma vez que os recibos foram coligidos ao processo.

No caso em comento, os incômodos suportados pelo recorrente, além do descaso com que a recorrida tratou da questão, são circunstâncias mais do que suficientes para caracterizar o abalo moral sofrido

Nesse diapasão, transcrevo a decisão do STJ, que por sua 4ª turma assim decidiu: ¿a indenização pelos danos morais guarda proporcionalidade com a gravidade da ofensa, o grau de culpa e o porte econômico do causador do dano.¿ (RESP. Nº 999.989-PR-REL. MARCIA ROBERTA DE SOUZA DUTRA MORAES- J.26/08/2008).

Logo, a condenação da recorrida ao pagamento de indenização pelo dano moral serve não só para compensar o cidadão, parte hipossuficiente da relação, mas também para coibir a repetição de atitudes abusivas como a praticada pela fornecedora do serviço e do produto.

ISTO POSTO, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos da inicial para condenar a acionada: a) a pagar a parte autora o valor de R$ 4.842,63 (quatro mil oitocentos e quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) à título de danos materiais, conforme orçamento apresentado pela parte autora, na inicial, e; b) a pagar a parte autora o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais, valor que deve ser corrigido a partir do arbitramento, sobre o qual deverá incidir correção monetária no termos da súmula 362 do STJ e juros legais de 1% ao mês a contar da data citação, mantendo-se hígidos os demais termos da sentença objurgada. 

Sem custas e honorários advocatícios.

 

 

MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE

Juíza Relatora