Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

DECISÃO MONOCRÁTICA
 
DECISÃO MONOCRÁTICA
 

RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPROVAÇÃO DE FATOS CONSTITUTIVOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATOS IMPEDITIVOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA ACIONADA CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 
 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.

ELTON GARCIA DE ABREU ajuizou em face deMULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA, alegando, em síntese que: “em 28.03.2016 firmou contrato de consórcio com o fim de adquirir um veículo automotor. Informa que desistiu do negócio, mas que a ré não lhe devolveu a totalidade dos valores pagos, que consistiram na taxa de administração do consórcio e no pagamento da 1ª parcela. Requer a devolução do valor de R$ 1.822,05 e danos morais”.

Em contestação, a ré alegou ausência de ato ilícito, pugnando pela total improcedência da demanda.

Sentença proferida nos seguintes termos: “Posto isto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos da parte autora, extinguindo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para:

a) CONDENAR a demandada a RESTITUIR o valor deR$182,32, corrigido monetariamente pelo INPC, a partir do evento danoso e juros de 1% ao mês a partir da citação;

   b) CONDENAR a demandada a PAGAR, a título de INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) corrigida monetariamente pelo INPC, a partir da data do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e juros de 1% ao mês a partir da citação.

Por conseguinte, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do Art. 487, inc. I, CPC.”

Irresignada, a acionada apresentou recurso inominado, pugnando pela reforma pra total improcedência (evento 30).

Entende o STJ que, em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6º, VIII, do referido diploma legal.

Pois bem, a teor do art. 373, I, do NCPC, é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC).

Em sentido contrário, cabe ao fornecedor do serviço a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC, ou mesmo a ausência de falha na prestação do serviço e culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14 §3 do CDC.

Compulsando os autos, verifica-se que assiste razão à parte autora, tendo em vista as provas colacionadas no ev.01 evidenciam que o vício no produto, denotando assim falha na prestação do serviço da empresa ré.

Assim considerou a sentença de origem: “A título de prelúdio, constata-se que a questão ora ventilada se adequa ao espectro das relações de consumo, à luz dos preceptivos dos artigos 2º e 3º do CDC. A parte demandante apresenta-se como consumidora dos serviços da ré, que se enquadra, por sua vez, como fornecedora de tais serviços, à luz da documentação acostada.

Diante da clara conjugação dos pressupostos insertos no art. 6, VIII, do CDC, inverto o ônus da prova, detendo o réu a absoluta suficiência técnica para a produção probatória e evidência da prestação do serviço de forma adequada aos preceptivos do CDC.

Cinge-se a controvérsia em saber se a restituição do valor de apenas R$ 370,63 foi legal ou não.

A taxa de administração, remuneração pelos serviços prestados pela administradora, é devida pelo consorciado, não sendo, assim, passível de restituição em caso de desistência. Todavia, o encargo deve se limitar ao percentual máximo estabelecido no art. 42 do Decreto N.º 70.951 /72. Verifica-se, no caso dos autos, que a cobrança de taxa de administração é legal, pois fixada em 10,860066% (evento 1.7). Ademais, o STJ já pacificou a matéria, conforme Súmula 538: “As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento.”

A acionada também informa ser devida a reparação por prejuízos causados ao grupo. Quanto a esta cobrança, não há que se falar em aplicação do referido percentual (indenização por eventuais danos causados ao grupo), pois eventual prejuízo ao grupo deve ser provado. Desta forma, a Autora não pode ser cobrada por dano hipotético. Verifica-se dos autos que não há qualquer comprovação neste sentido. Acerca do tema, segue jurisprudência abaixo colacionada:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO CONTRA DECISÃO DE INADMISÃO DO RECURSO ESPECIAL. CONSÓRCIO. DESITÊNCIA. COBRANÇA DE CLÁUSLA PENAL. NECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO AO GRUPO. PROVA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, "a possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53, § 2º, do CD) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que incumbe à administradora do consórcio." ( REsp 871.421/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 1/3208, DJe d1º/4208). 2. O Tribunal de origem, apreciando as peculiaridades fáticas da causa, conclui que a desistência do agravado não trouxe prejuízo a grupo consorcial. A modificação de tal entendimento lançado no v. acórdão recorrido, com ora perseguido, demandaria análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ, que dispõe: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".

A multa por quebra contratual apresenta-se abusiva no caso dos autos, uma vez que configura verdadeiro bis in idem, já que as despesas incidentes no período de permanência do participante desistente já foram remuneradas pela taxa de administração.

Compulsando-se os autos, verifico que a parte pagou, no momento da adesão, o valor de R$ 1.824,00, sendo R$ 1.269,10 referente à taxa de adesão e R$ 552,95 referente ao pagamento da primeira mensalidade do consórcio. Nota-se que, mediante o encerramento do grupo 980, foi devolvida a quantia de R$ 370,63, pois houve a incidência de 20% do valor da multa, que considero abusiva.

Desta forma, entendo que dos valores pagos pela parte autora deve ser deduzido apenas o valor da taxa de administração, devendo ser devolvido o valor referente ao pagamento da mensalidade sem a incidência de multa no percentual de 20%.

Sabendo-se que o valor da mensalidade paga foi de R$ 552,95 e que já foi restituída a quantia de R$ 370,63, tem-se que a ré deve ressarcir a parte autora o montante de R$182,32, devidamente atualizado.

Relativamente à pretensão por danos morais, verifica-se que a parte autora, em razão do flagrante defeito nos serviços prestados, teve a sua tranquilidade afetada, além de ter que ingressar no Judiciário para ver solucionado um problema sem que lhe tenha dado causa.

O valor da indenização deve representar para o ofendido uma satisfação psicológica que possa pelo menos diminuir os dissabores que lhe foram acarretados, sem causar, evidentemente, o chamado enriquecimento sem causa. Entretanto, deve impingir ao causador do dano, um impacto capaz de desestimulá-lo a praticar novos atos que venham a causar danos a outrem”.

Assim, entendo que não houve prova satisfatória de fato impeditivo do direito do autor, nos termos do art. 373 II do CPC e art. 14 §3 do CDC.

Em relação ao dano moral, via de regra, entende-se que questões meramente patrimonias não dão causa a indenização extrapatrimonial.

Todavia, no presente caso, aplica-se a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, elaborada pelo jurista Marcos Dessaune, e já encampada pelo STJ (precedentes: REsp nº 1.634.851/RJ; Agravo em REsp nº 1.241.259/SP; Agravo em REsp nº 1.132.385/SP; e Agravo em REsp nº 1.260.458/SP), segundo a qual ficaram caracterizados o ato ilícito e o consequente dever de indenizar, em razão de todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados pelos próprios (maus) fornecedores.

Desse modo, considerando as peculiaridades do caso e todo o tempo útil que o consumidor teve que despender para resolução de um simples caso como esse, a indenização arbitrada na origem, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), está condizente com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como respeitando o caráter pedagógico e punitivo da indenização.

Por essas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença de origem em todos os seus termos, pelos próprios fundamentos. Decisão integrativa nos termos do art. 46 da lei 9.099/95. Custas e honorários em 20% sobre o valor da condenação.

 
Salvador-BA, em 28 de Março de 2024
 

ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA

Relatoria
Presidência