Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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DECISÃO MONOCRÁTICA
 

RECURSO INOMINADO. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO Nº 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. COMPROVAÇÃO DE FATOS CONSTITUTIVOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATOS IMPEDITIVOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA ACIONADA CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 

 

A Resolução nº 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado.

FAGNER FERREIRA SIQUEIRA ajuizou ação indenizatória por danos morais em face de TELEFONICA BRASIL SA VIVO, alegando, em síntese que: “formalizou a portabilidade da sua linha telefônica da empresa Oi para a reclamada, em novembro/2022, entretanto, o serviço não foi concluído, ocasionando assim, o cancelamento ocorrido em 24/11/2022. Discorre que, mesmo solicitando o cancelamento do serviço, não conseguia utilizar a linha pela antiga operadora, o que resultou na reclamação na Anatel em 07/12/2022. Sustenta que passou a ser cobrado insistentemente pela reclamada, tanto por telefone quanto por e-mail. Além disso seu nome foi inserido nos órgãos de proteção ao crédito, em relação a fatura com vencimento em janeiro/2023, no valor de R$ 45,99”.

Em contestação, a ré alegou ausência de ato ilícito, pugnando pela total improcedência da demanda.

Sentença proferida nos seguintes termos: “Ante o exposto, considerando as razões supracitadas, e por tudo que dos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos constantes da petição inicial para DECLARAR inexistente o débito no valor de R$ 45,99, devendo o nome do autor ser excluído de qualquer cadastro de dívidas atrasadas, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 50,00, limitada a R$ 3.000,00; CONDENAR a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC, a partir desta data e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.”

Irresignada, a acionada apresentou recurso inominado, pugnando pela reforma pra total improcedência (evento 40).

Entende o STJ que, em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6º, VIII, do referido diploma legal.

Pois bem, a teor do art. 373, I, do NCPC, é da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. E, mesmo que se considere como sendo de consumo a relação em discussão, a ser amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor somente deve ser determinada, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele - o consumidor - hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC).

Em sentido contrário, cabe ao fornecedor do serviço a comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC, ou mesmo a ausência de falha na prestação do serviço e culpa exclusiva de terceiro, nos termos do art. 14 §3 do CDC.

Compulsando os autos, verifica-se que assiste razão à parte autora, tendo em vista as provas colacionadas no ev.01 evidenciam que o vício no produto, denotando assim falha na prestação do serviço da empresa ré.

Assim considerou a sentença de origem: “Passo a análise do Mérito.

A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo. Dessa forma, sujeitam-se as partes à aplicação das normas do código de defesa do consumidor.

Importante esclarecer que o documento anexado ao evento 1.10, que, em tese, seria a prova da negativação do nome do autor, trata-se somente de cadastro de dívida atrasada, o chamado “Serasa limpa nome” que não gera efeitos para fins de indenização, pois se trata de cadastro privado.

Ainda assim, evidente nos autos a falha na prestação do serviço pela reclamada.

Pelo que se vê das provas juntadas, a portabilidade não foi concluída por descaso da empresa de telefonia, o que resultou em tentativas de resolução administrativa, inclusive com reclamação na Anatel. Não obstante o serviço não ter sido satisfatoriamente prestado, a reclamada passou a cobrá-lo, conforme se vê da fatura apresentada por ambas as partes.

A reclamada alega que não se trata do mesmo fato, pois a fatura se refere a um plano controle independente da portabilidade. Ocorre que é de praxe das empresas de telefonia, ao concretizar a portabilidade, entregar ao consumidor número provisório da própria empresa até a transferência seja concluída, o que evidentemente ocorreu nestes autos.

Ademais, não há provas da utilização do serviço, logo a cobrança é indevida e foi gerada, em 01/01/2023, após a reclamação na Anatel que ocorreu em 07/12/2022.

Portanto, ainda que a cobrança não tenha gerado a negativação, os fatos narrados transbordam o mero aborrecimento, pois o autor está tentando resolver administrativamente o problema, desde novembro/2022, sem sucesso.

O art. 14 do Código de defesa do Consumidor dispõe que:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Assim, o Código de Defesa do Consumidor abraçou o sistema da responsabilidade objetiva do fornecedor, inclusive do prestador de serviços, fundada na teoria do risco da atividade, não se exigindo dolo ou culpa para emergir o dever de indenizar.

Deste modo, entendo que os fatos descritos neste feito configuram falha na prestação do serviço e geram a obrigação de indenizar por dano moral, em razão dos transtornos e aborrecimentos sofridos pelo consumidor, que não conseguiu solucionar o problema administrativamente.

Configurada a responsabilidade da ré, relativamente aos danos morais, necessário se faz estimar e fixar o valor da indenização, levando-se em consideração o entendimento doutrinário a respeito do tema:

No que tange a estimativa da indenização, o mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA assim entende: "A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva".

Ainda sobre o tema, o Prof. ARAKEN DE ASSIS conclui: "Quando a lei, expressamente, não traçar diretrizes para a fixação do valor da indenização, a exemplo do que deriva do art. 1.547, parágrafo único, do Código Civil, caberá o arbitramento (art. 1.553), no qual se atenderá, de regra, à dupla finalidade: compensar a vítima, ou o lesado, e punir o ofensor. Neste arbitramento, imposto por determinação legal, deverá o órgão judiciário mostrar prudência e severidade, tolhendo a reiteração de ilícitos análogos".

Já o festejado HUMBERTO THEODORO JUNIOR, ao tratar sobre a liquidação do dano, preleciona: "Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa dano moral a outrem, e é por isso que se tem de levar em conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em conta a situação e o estado do ofendido, para medir a reparação em face de suas condições pessoais e sociais"

Assim, podem-se resumir os fatores a serem considerados no arbitramento da indenização do dano moral como sendo o nível econômico e a condição particular e social do ofendido, o porte econômico do ofensor, as condições em que se deu a ofensa e o grau de culpa ou dolo do ofensor.

 O valor da indenização não deve ser irrisório, todavia, não deve também ocasionar o enriquecimento ilícito. Devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade”.

Assim, entendo que não houve prova satisfatória de fato impeditivo do direito do autor, nos termos do art. 373 II do CPC e art. 14 §3 do CDC.

Em relação ao dano moral, via de regra, entende-se que questões meramente patrimonias não dão causa a indenização extrapatrimonial.

Todavia, no presente caso, aplica-se a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, elaborada pelo jurista Marcos Dessaune, e já encampada pelo STJ (precedentes: REsp nº 1.634.851/RJ; Agravo em REsp nº 1.241.259/SP; Agravo em REsp nº 1.132.385/SP; e Agravo em REsp nº 1.260.458/SP), segundo a qual ficaram caracterizados o ato ilícito e o consequente dever de indenizar, em razão de todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados pelos próprios (maus) fornecedores.

Desse modo, considerando as peculiaridades do caso e todo o tempo útil que o consumidor teve que despender para resolução de um simples caso como esse, a indenização arbitrada na origem, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), está condizente com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como respeitando o caráter pedagógico e punitivo da indenização.

Por essas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença de origem em todos os seus termos, pelos próprios fundamentos. Decisão integrativa nos termos do art. 46 da lei 9.099/95. Custas e honorários em 20% sobre o valor da condenação.

 
Salvador-BA, em 12 de Janeiro de 2023.

ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA

Relatoria
Presidência