EMENTA
RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. NÃO HÁ NOS AUTOS QUALQUER ELEMENTO COMPROBATÓRIO, CAPAZ DE DEMONSTRAR O VÍCIO NO SERVIÇO PRESTADO, COMO ALEGADO PELA PARTE AUTORA, BEM COMO, NÃO EXISTE QUAISQUER PROVAS SUFICIENTES QUANTO À SUPOSTA CONDUTA ILÍCITA E ABUSIVA DA RÉ. SENTENÇA QUE QUE COM BASE NO INCISO I DO ART. 487 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTES OS PEDIDOS REALIZADOS PELA AUTORA NA EXORDIAL. AUTOR NÃO SE DESINCUMBE EM COMPROVAR O SEU DIREITO, A TEOR DO ART. 373, I, DO CPC. DESCONTOS NOS PROVENTOS DA AUTORA ACIMA DE 30% DO SALÁRIO, EM CONTA CORRENTE. AUSENCIA DE ATO ILÍCITO. JURISPRUDENCIA DO STJ. PRECEDENTES.: 0002933-80.2020.8.05.0146, 0000249-53.2017.8.05.0126, 0000647-97.2017.8.05.0126 E 0136725-22.2016.8.05.0001. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. JULGAMENTO REALIZADO SOB O RITO ESTABELECIDO NO ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 DO TJBA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].
Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o recorrente MARLA MAYRA BARACHO COELHO pretende a reforma da sentença lançada nos autos que com base no inciso I do Art. 487 do Código de Processo Civil, JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos realizados pela Autora na exordial.
DECISÃO MONOCRÁTICA
NO MÉRITO, versam os autos sobre ação de indenização por danos morais proposta pela parte autora, uma vez que teria sido debitado em sua conta corrente um valor referente ao FIES, bem como algumas tarifas não solicitadas, comprometendo quase todo o seu salário.
Sustenta a ré que a cobrança é mero exercício regular do direito, uma vez que a autora contratou o programa FIES, dando ensejo à cobrança.
A ação foi julgada improcedente, com RECURSO da parte autora pelo acolhimento dos pleitos inaugurais; ao aduzir que a autora foi prejudicada com o referido débito. Mesmo que ela tenha optado por débito em conta, ali se tratava de verba salarial, e que foi quase totalmente comprometida, conforme provado nos autos, o valor descontado, ultrapassa 71% dos rendimentos prejudicando a sua subsistência, portanto, incabível. E que ainda que se fosse permitido tal desconto, este estaria limitado a até 30% dos seus rendimentos.
Decido.
Com efeito, tem-se que a relação travada entre as partes é de natureza consumerista, aplicando-se as regras do CDC. Na espécie, porém, como acima delineado, aplica-se o regramento especial do Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 14, estabelece:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Dessa forma, no caso em análise, ainda que a prestadora do serviço responda objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa, bastando a comprovação nos autos do efetivo prejuízo e do nexo de causalidade entre este e a conduta, a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, não exime o consumidor de produzir prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito.
A inversão do múnus probatório, instituída pelo aludido microssistema legislativo, não se opera de forma imediata defronte à aferição da natureza consumerista da relação jurídica em exame, devendo a sua ocorrência ser apreciada e determinada por decisão judicial, consoante se infere da redação do inciso VIII, do artigo 6º, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Insta salientar, ainda, que, mesmo diante da decretação da inversão do ônus probatório pelo magistrado, tal premissa não possui o condão de emergir a imperativa procedência do pedido, tampouco a dedução pela isenção da parte autora quanto à obrigação de produzir as provas que estão ao seu alcance, com o escopo de demonstrar o fato constitutivo de seu direito.
A sentença bem analisou as provas constantes dos autos e alegações das partes, concluindo pela improcedência dos pedidos.
De uma acurada análise dos autos, na busca da razoabilidade e da justa aplicação do direito, concluo não existir provas suficientes a corroborar a tese autoral. Isto porque, não há nos autos qualquer elemento comprobatório, capaz de demonstrar o vício no serviço prestado, como alegado pela parte autora, bem como, não existe quaisquer provas suficientes quanto à suposta conduta ilícita e abusiva da ré, seja por ação ou omissão.
Tecidas as ponderações necessárias para a compreensão da controvérsia, é caso, pois, de negar provimento ao recurso.
Destaca-se na hipótese, há que se considerar que o desconto objeto da ação, está caracterizado como de livre negociação entre a instituição bancária (gestora do FIES) e a correntista, sem qualquer vínculo com o salário, diverso das modalidades de empréstimo descontado em folha de pagamento ou consignado em conta corrente. Assim, a extensão para o caso sub examine do limite de 30% aplicável aos débitos consignados em folha de pagamento não merece acolhida, uma vez que a limitação atinge somente o montante descontado direto do salário do servidor público. Ademais, é de inteira responsabilidade do correntista a contratação de empréstimo ou financiamento com débito em conta corrente, situação em que não há limitação de desconto, senão aquele pactuado entre as partes[2].
Situação essa já enfrentada em sede de tese repetitiva firmada pelo STJ:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DE EMPRÉSTIMO COMUM EM CONTA-CORRENTE, EM APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 10.820/2003, QUE DISCIPLINA OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM FIXAÇÃO DE TESE REPETITIVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO [...] 8. Tese Repetitiva: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento. 9. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1872441 SP 2019/0371161-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 09/03/2022, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/03/2022)
Na esteira da análise do magistrado de piso, verifica-se que o Autor não junta qualquer prova de suas alegações, quedou-se em demonstrar a existência do vício no SERVIÇO adquirido. A parte autora, não apresenta nos autos qualquer indício apto a demonstrar eventual conduta negligente da acionada. Outrossim, cabia a recorrente demonstrar, efetivamente, o ato que supostamente, tenha causado o dano moral que alega. Contudo, os documentos acostados pelo autor não serviram para provar sua tese e configurar o dano moral pleiteado.
Inexistente a verossimilhança das alegações autorais não há como inverter o ônus da prova, cabendo ao recorrente a prova dos fatos constitutivos do seu direito, a teor do art. 373, I, do CPC. Outrossim, verificada a impossibilidade da inversão do ônus probatório, é mister destacar que a PARTE autora/RECORRENTE não comprovou os fatos alegados na petição inicial, pois, conforme dispõe o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, "o ônus da prova incumbe à autora, quanto ao fato constitutivo do seu direito.", ônus do qual não se desincumbiu.
Sobre o tema, colhe-se da doutrina:
¿Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo a máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente¿. (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Forense, 1999, 26ª ed., v. 1, p. 423).¿
Relativamente ao ônus probatório, ensina, ainda, o Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:
"Como, nas demandas que tenham por base o CDC, o objetivo básico é a proteção ao consumidor, procura-se facilitar a sua atuação em juízo. Apesar disso, o consumidor não fica dispensado de produzir provas em juízo. Pelo contrário, a regra continua sendo a mesma, ou seja, o consumidor, como autor da ação de indenização, deverá comprovar os fatos constitutivos do seu direito. O fornecedor, como réu da ação de reparação de danos, deverá demonstrar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do consumidor, bem como aqueles cujo ônus probatório lhe for atribuído pela lei ou pelo juiz. (...) No Brasil, o ônus probatório do consumidor não é tão extenso, inclusive com possibilidade de inversão do ônus da prova em seu favor (...). Deve ficar claro, porém, que o ônus de comprovar a ocorrência dos danos e da sua relação de causalidade com determinado produto ou serviço é do consumidor." (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 328)
Quanto à questão dos danos, ressalto que o requerente não comprovou, e nem mesmo alegou, a ocorrência de nenhum dano específico, fazendo apenas alegações genéricas sobre o descaso da parte requerida. Pela análise da petição inicial e do recurso de inominado, vejo que a ora recorrente não aponta quais os prejuízos de ordem moral teriam sofrido com o suposto descumprimento contratual por parte Ré.
O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar de dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a ela se dirige, e exatamente isso ocorreu no caso vertente:
Ou como ensina Rui Stoco:
"Mas não basta a afirmação da vítima de ter sido atingida moralmente, seja no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros. Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados." Os autores Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti, citados por Antonio Jeová Santos (Dano moral indenizável, 1ª ed., São Paulo, Lejus,1997), expõem que: "Diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurará. Isto quer dizer que existe um" piso "de incômodos, inconvenientes ou desgostos a partir dos quais este prejuízo se configura juridicamente e procede sua reclamação" (Responsabilidade civil, p. 243).
Neste sentido convém anotar o ensinamento do Professor Antonio Jeová dos Santos, in Dano Moral Indenizável, 4ª ed. RT, 2003, p. 113 que assevera:
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico com subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou casar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. Para evitar abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a justa medida do ultraje às afeições sentimentais. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral¿.
Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação, ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante.¿ (Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª Edição, pág. 1381/82).
Assim, entendo não ter restado devidamente provado o direito alegado pelo autor. Logo, não havendo prova do ato ilícito, não há que se falar em dano, muito menos, em dever de indenizar, pois incube ao autor a prova de seu direito e, inexistindo esta, a causa não pode ser decidida em favor daquele que não se desincumbiu de prová-la.
Ante o exposto, decido no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença impugnada em todos os seus termos. Custas judiciais e honorários de 20% sobre o valor da causa, pelo recorrente. Suspenso o pagamento, em razão dos beneplácitos da justiça gratuita que lhe foram concedidos, com espeque no art. 98, §3º, do CPC.
Julgamento realizado sob o rito estabelecido no artigo 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI.
Salvador, 14 de MAIO de 2022.
ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA
Juíza Relatora
[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.
[2] APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO COM DESCONTO EM CONTA CORRENTE. LIMITAÇÃO DE 30% (TRINTA POR CENTO). IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. PREJUDICIALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O desconto em folha de salário não se confunde com o desconto em conta corrente, sendo somente aquele restringido a 30% (trinta por cento), diante do que consta no art. 45, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.112/1990 combinado com o art. 10 do Decreto do Distrito Federal nº 28.195/2007 e a Lei Complementar Distrital nº 840/2011. 2. Ao contrair novos empréstimos, quando já havia contratado outros na modalidade de consignação, autorizando o servidor o desconto em conta corrente, não há que se falar, posteriormente, em limitação dos descontos, porque livremente pactuados. 3. Prejudicado o pedido quanto à indenização por danos morais em razão da demonstração de legalidade dos descontos realizados. 4. Recurso conhecido e improvido.(TJ-DF - APC: 20150110687892, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 02/03/2016, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/03/2016 . Pág.: 174)