PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 



Apelação n.º 8001517-35.2023.8.05.0113 – Comarca de Itabuna/BA

Apelante: K. A. O. (Adolescente)

Advogado: Dr. Leandro Nascimento da Silva (OAB/BA: 34.519)

Apelado: Ministério Público do Estado da Bahia

Promotor de Justiça: Dr. Rafael Lima Pithon

Origem: 1ª Vara da Infância e da Juventude e Execuções de Medidas Socioeducativas da Comarca de Itabuna

Procurador de Justiça: Dr. Daniel de Souza Oliveira Neto

Relatora: Desa. Rita de Cássia Machado Magalhães

 

 

 

ACÓRDÃO


 

APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS CRIMES DE ROUBO MAJORADO E RECEPTAÇÃO (ARTS. 157, § 2°-A, INCISO I, E § 2º, INCISO II, E 180, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL). REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA APLICAR AO ADOLESCENTE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.  PLEITO DE CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. INACOLHIMENTO. EXECUÇÃO IMEDIATA DA MEDIDA. ESCOPO PROTETIVO E PEDAGÓGICO. PRECEDENTES DO STJ. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR OUTRAS MAIS BRANDAS. INVIABILIDADE. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA APLICADA AO CASO CONCRETO. INTELIGÊNCIA DO ART. 122, I, DO ECA. PEDIDO DE REDIMENSIONAMENTO DO PRAZO DE INTERNAÇÃO PARA 06 (SEIS) MESES. INALBERGAMENTO. MEDIDA FIXADA QUE NÃO COMPORTA PRAZO DETERMINADO, DEVENDO SUA MANUTENÇÃO SER REAVALIADA NO MÁXIMO A CADA SEIS MESES, NA FORMA DO ART. 121, § 2º, DO ECA. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I - Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pela defesa do representado K.A.O., insurgindo-se contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado na representação, aplicando ao adolescente a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado (até três anos ou até completar 21 anos), pela prática de atos infracionais análogos aos crimes tipificados nos arts. 157, § 2°-A, inciso I, e § 2º, inciso II, e 180, caput, todos do Código Penal.

II - Extrai-se da representação (Id. 46238819), in verbis, que: “no dia 27/02/2023, por volta das 21h, na Rua São José, no bairro São Caetano, e na Av. Itajuípe, no bairro Santo Antônio, em Itabuna/BA, o representado subtraiu, por duas vezes, coisa móvel alheia, mediante concurso de agentes e grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo. Consta dos autos que, no supramencionado dia, por volta das 19h30min, a vítima GLEIZE DOS SANTOS BATISTA estava conversando com uma amiga na porta da residência desta, situada na Av. Itajuípe, bairro Santo Antônio, quando foi surpreendida com a aproximação do Representado e seu comparsa a bordo de uma motocicleta. Na ocasião, o adolescente apontou para a vítima uma arma de fogo e anunciou o assalto, dizendo: “passa o telefone, sua desgraça”, ao que a ofendida lhe entregou o seu celular de marca/modelo Iphone 7 Plus, 128gb. Em seguida, os dois indivíduos evadiram-se em sentido à BR-101. Naquele mesmo dia, por volta das 20h, na Rua São José, no bairro São Caetano, as vítimas JEHMILY DE JESUS SILVA e DOUGLAS ALVES DOS SANTOS CRUZ, estavam conversando na porta de casa quando também perceberam a aproximação do Representado e seu comparsa em uma motocicleta, tendo o adolescente anunciado o assalto com a arma de fogo em punho, e ordenado que os ofendidos entregassem os celulares. Em ato contínuo, a vítima JEHMILY entregou ao representado o seu aparelho de marca/modelo Samsung AS 51, de cor grafite, com capa azul, e o ofendido DOUGLAS cedeu o seu celular de marca/modelo Samsung A1 CORE, de cor vermelha. Em seguida, as vítimas entraram na residência e os indivíduos saíram do local, ocasião em que foi deflagrado um tiro por pessoa não identificada que atingiu o adolescente em seu pé, ao que esse foi detido por populares, que acionaram a Polícia. Na ocasião da apreensão os agentes encontraram em poder do adolescente: 06 (seis) aparelhos celulares de marcas diversas, 01 (um) revólver calibre 32, sem marca aparente, com numeração suprimida, com uma cápsula deflagrada e 02 (dois) cartuchos aparentemente "picotadas", além da motocicleta HONDA CG 160 FAN, placa RDC 3A18, cor preta, ostentava outra placa de uma motocicleta HONDA/NXR 160 BROS, ESD, placa RDI 9A30, estando ambas com restrição de furto/roubo. Com a conduta descrita, o representado praticou o ato infracional análogo ao crime previsto no art. 157, § 2º, inciso II, e §2º-A, I, do Código Penal, por duas vezes.”. Consta, ainda, do aditamento à representação (ID. 46238820) que: “Na representação ofertada nesta manhã, este órgão ministerial narrou as condutas infracionais até o momento identificadas pela Polícia Judiciária, praticadas pelo representado, consistentes no roubo a três vítimas (em dois contextos temporais próximos), bem assim na condução de motocicleta com restrição de furto/roubo. Esta última conduta já narrada amolda-se ao ilícito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, restando evidente, pelo contexto dos autos, que o representado sabia da origem criminosa do aludido veículo automotor de duas rodas, utilizado por si e pelo seu comparsa em proveito próprio. Assim, o Parquet emenda a inicial para acrescentar, de maneira formal e explícita, no tópico "3. TIPIFICAÇÃO LEGAL", além dos roubos, a imputação pelo ato infracional análogo ao crime do art. 180, caput, do Código Penal.”

III - Irresignada, a defesa interpôs Recurso de Apelação (ID. 46238893), requerendo, nas razões recursais, em apertada síntese, a atribuição de efeito suspensivo ao Apelo e a substituição da medida de internação imposta ao Representado pela medida socioeducativa de liberdade assistida. Subsidiariamente, requer a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade pelo período de 06 (seis) meses ou, ainda, que seja redimensionada a medida de internação para o período de 06 (seis) meses.

IV - No que concerne à atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, não merece acolhimento a pretensão defensiva.  Sobre o tema, o E. Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a não concessão de efeito suspensivo à Apelação interposta contra a sentença que impõe medida socioeducativa não viola o direito fundamental da presunção de não culpabilidade. Acerca da matéria, consolidou-se a jurisprudência no sentido de que, em se tratando de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como fim precípuo não a punição pura e simples do adolescente, mas sua ressocialização e proteção. Nesse compasso, as medidas previstas nos arts. 112 a 125, da Lei n.º 8.069/90, possuem o escopo primordial de proteção dos direitos do adolescente, visando afastá-lo da situação de risco que o levou à prática infracional. Desse modo, no presente caso, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, foi determinada a internação, com prolação da sentença julgando procedente a representação (ID. 46238860), o que autoriza o cumprimento imediato da medida socioeducativa imposta.

V - No mérito, inicialmente cumpre salientar que o Apelante não pleiteou a improcedência da representação, não sendo despiciendo registrar que a materialidade e a autoria dos atos infracionais estão cabalmente comprovadas nos autos, merecendo destaque o auto de exibição e apreensão (ID. 46235908, pág. 20), a prova testemunhal colhida em ambas as fases do processo (ID. 46235908, págs. 15/17, 21,/23,25; ID. 46238859/Pje mídias), além do relato do próprio menor perante a autoridade policial (ID.   46235908, pág. 29; Pje mídias) e em juízo (ID. 46238859/Pje mídias).

VI - Limita-se o Recorrente a pleitear a substituição da medida de internação por outras mais brandas, ou, ainda, o redimensionamento do período de internação para o prazo de 06 (seis) meses, o que não merece acolhimento. De logo, importante salientar que as medidas socioeducativas buscam o desenvolvimento psicossocial dos adolescentes, com caráter eminentemente ressocializador e inclusivo, visando que o menor não mais reitere na prática da conduta perpetrada e retorne ao convívio social, diferente do quanto almejado pelo Direito Penal, que detém como fim precípuo o caráter retributivo. Ademais, consoante dispõe o art. 112, § 1º, do ECA, a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.”.

VII - In casu, não resta dúvida de que os atos infracionais praticados pelo Adolescente (análogos aos crimes de receptação e roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de agentes - perpetrado contra três vítimas), se amolda à hipótese do inciso I, do art. 122, do ECA, pois foi cometido com grave ameaça à pessoa. A despeito do quanto alegado pela defesa técnica do Recorrente, a internação foi imposta em consonância com a legislação de regência (art. 122, inciso I, da Lei n.º 8.069/90) e em atenção às peculiaridades do caso vertente, que revelam, para além da vulnerabilidade social de K.A.O, a gravidade concreta do ato.

VIII - Nesse ponto, cumpre transcrever trecho da sentença: “[...] O adolescente K.A.O, afirma em sua oitiva que participou do fato ilícito. O depoimento do Policial Militar somente reforça a narrativa das vítimas, ao afirmar que os aparelhos celulares subtraídos estavam em poder do Adolescente K. e um adulto, ressaltando que K. estava imobilizado e machucado em decorrência de disparo de arma de fogo. As vítimas confirmam a responsabilidade de K., sem qualquer dúvida. Portanto, é importante reconhecer a responsabilidade do adolescente, diante das provas produzidas, confirmando a versão por ele oferecida. Por fim, é imperioso assentar que a ação do Adolescente não foi de menor monta, já que conduziu a motocicleta e execução da medida em comunhão de desígnios e ações com o adulto, cabendo a responsabilização. [...] Os autos informam que Adolescente não tem lastro de atos infracionais. Contudo, não se trata de um simples ato de rebeldia jovem, ou mesmo de insubordinação civil, comuns aos adolescentes, mas de violência generalizada, e que certamente vitimiza o adolescente também. Demonstra que precisa interiorizar conceitos de limites sociais e familiares, exigindo medida enérgica do juízo para compatibilizar seu desenvolvimento adequado aos desígnios da vida em comunidade, uma vez que a primeira medida não surtiu o efeito esperado. A ação promovida foi extremamente violenta, contando inclusive com disparo de arma de fogo, observando a narrativa de que um cartucho estava deflagrado e outros dois “picotados”, ou seja, imputa a efetivação de no mínimo três ações humanas sobre a arma de fogo, que certamente poderia causar a morte de um ser humano. Importante também realçar a quantidade de ações promovidas, evidenciando o desapego ao contexto social dos companheiros de comunidade. Assim, observando que não há solução menos traumática eficiente ao caso concreto, aplico a medida socioeducativa de internação, a ser cumprida em local adequado, por prazo máximo de três anos, ou até completar 21 anos.”

IX - Assim, em que pese não existirem passagens anteriores do representado, tem-se que os elementos probatórios colhidos demonstram, no caso concreto, a idoneidade da medida socioeducativa aplicada pelo Magistrado a quo. De fato, a medida de internação é recomendável na hipótese, tanto pelo caráter protetivo/pedagógico das medidas socioeducativas, quanto pela censurabilidade do modus operandi, sendo inviável a substituição por medidas socioeducativas mais brandas, conforme pretende a defesa, não merecendo qualquer reparo o decisio de primeiro grau.

X - Ademais, quanto ao pleito de redimensionamento do período de internação para o prazo de 06 meses, razão não assiste à Defesa. Isso porque, como bem pontuado pelo órgão ministerial, nas contrarrazões, “No que concerne à pretensão de “redução” do prazo de internação, em virtude das circunstâncias pessoais do adolescente, cabe registrar que a sentença guerreada não determinou o prazo de internação, limitando-se a mencionar ressalva legal de que a internação não poderá exceder a três anos. Assim, não há que se falar em redução do prazo máximo da internação, vez que não há no comando condenatório delimitação do prazo de cumprimento da medida, ressalvando-se apenas impedimento legal de cumprimento por prazo superior a três anos. Nesse ínterim, cumpre ressaltar que o Juízo a quo nada mais fez que subsumir o caso concreto ao ordenamento jurídico pertinente, sem delimitar prazo da internação, que, por determinação legal, deverá ser reavaliada no máximo a cada seis meses, conforme se extrai da inteligência do art. 121, §2º do ECA. Lado outro, não é demais ressaltar, que a reavaliação da manutenção da medida poderá ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa, do defensor, do Ministério Público, do adolescente ou de seus pais ou responsável, a teor do disposto no art. 4, caput, da Lei 12.594/2012.”

XI - Ressalte-se que o prazo de 03 (três) anos é o tempo máximo de internação (art. 121, § 3º, do ECA). Ademais, conforme o disposto no § 2º do art. 121 do ECA, a medida socioeducativa de internação não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, no máximo a cada 06 (seis) meses. Assim, verificando o Juízo a possibilidade do fim da medida após 06 (seis) meses de internação, nada obsta que essa dure menos que 03 (três) anos.

XII - Indiscutível, portanto, o caráter pedagógico e protetivo que justifica a adoção da medida socioeducativa imposta, ante a premente necessidade de reeducar e proteger o adolescente, de modo a possibilitar seu desenvolvimento e reintegração na sociedade.

XIII – Parecer da douta Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e improvimento do Apelo.

XIV – Apelo CONHECIDO E IMPROVIDO.

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.º 8001517-35.2023.8.05.0113, provenientes da Comarca de Itabuna/BA, em que figuram, como Apelante, o Adolescente K. A. O. e, como Apelado, o Ministério Público do Estado da Bahia.

 

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Colenda Segunda Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO APELO, e assim o fazem pelas razões a seguir expostas no voto da Desembargadora Relatora.

 

 

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL 2ª TURMA

 

DECISÃO PROCLAMADA

Conhecido e não provido Por Unanimidade

Salvador, 30 de Janeiro de 2024.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 

 

Apelação n.º 8001517-35.2023.8.05.0113 – Comarca de Itabuna/BA

Apelante: K. A. O. (Adolescente)

Advogado: Dr. Leandro Nascimento da Silva (OAB/BA: 34.519)

Apelado: Ministério Público do Estado da Bahia

Promotor de Justiça: Dr. Rafael Lima Pithon

Origem: 1ª Vara da Infância e da Juventude e Execuções de Medidas Socioeducativas da Comarca de Itabuna

Procurador de Justiça: Dr. Daniel de Souza Oliveira Neto

Relatora: Desa. Rita de Cássia Machado Magalhães

 

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pela defesa do representado K.A.O., insurgindo-se contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado na representação, aplicando ao adolescente a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado (até três anos ou até completar 21 anos), pela prática de atos infracionais análogos aos crimes tipificados nos arts. 157, § 2°-A, inciso I, e § 2º, inciso II, e 180, caput, todos do Código Penal.

 

Em observância aos princípios da celeridade, da efetividade e da economia processual, e considerando ali se consignar, no que relevante, a realidade processual até então desenvolvida, adota-se, como próprio, o relatório da sentença (ID. 46238860), a ele acrescendo o registro dos eventos subsequentes, conforme a seguir disposto.

 

Irresignada, a defesa interpôs Recurso de Apelação (ID. 46238893), requerendo, nas razões recursais, em apertada síntese, a atribuição de efeito suspensivo ao Apelo e a substituição da medida de internação imposta ao Representado pela medida socioeducativa de liberdade assistida. Subsidiariamente, requer a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade pelo período de 06 (seis) meses ou, ainda, que seja redimensionada a medida de internação para o período de 06 (seis) meses.


Em contrarrazões, o Parquet pugna pelo improvimento do recurso (ID. 46238899).

 

A matéria foi devolvida ao Juiz a quo, em virtude do efeito iterativo do remédio processual em questão, nos termos do art. 198, inciso VII, do ECA, que manteve seu decisio, determinando a remessa dos autos a esta Superior Instância para apreciação do Recurso de Apelação (ID. 46238900).

 

Parecer da douta Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e improvimento do Apelo (ID. 48783714).

 

É o relatório.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Criminal 2ª Turma 



Apelação n.º 8001517-35.2023.8.05.0113 – Comarca de Itabuna/BA

Apelante: K. A. O. (Adolescente)

Advogado: Dr. Leandro Nascimento da Silva (OAB/BA: 34.519)

Apelado: Ministério Público do Estado da Bahia

Promotor de Justiça: Dr. Rafael Lima Pithon

Origem: 1ª Vara da Infância e da Juventude e Execuções de Medidas Socioeducativas da Comarca de Itabuna

Procurador de Justiça: Dr. Daniel de Souza Oliveira Neto

Relatora: Desa. Rita de Cássia Machado Magalhães

 

 

VOTO

 

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pela defesa do representado K.A.O., insurgindo-se contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado na representação, aplicando ao adolescente a medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado (até três anos ou até completar 21 anos), pela prática de atos infracionais análogos aos crimes tipificados nos arts. 157, § 2°-A, inciso I, e § 2º, inciso II, e 180, caput, todos do Código Penal.

 

Extrai-se da representação (Id. 46238819), in verbis, que: “no dia 27/02/2023, por volta das 21h, na Rua São José, no bairro São Caetano, e na Av. Itajuípe, no bairro Santo Antônio, em Itabuna/BA, o representado subtraiu, por duas vezes, coisa móvel alheia, mediante concurso de agentes e grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo. Consta dos autos que, no supramencionado dia, por volta das 19h30min, a vítima GLEIZE DOS SANTOS BATISTA estava conversando com uma amiga na porta da residência desta, situada na Av. Itajuípe, bairro Santo Antônio, quando foi surpreendida com a aproximação do Representado e seu comparsa a bordo de uma motocicleta. Na ocasião, o adolescente apontou para a vítima uma arma de fogo e anunciou o assalto, dizendo: “passa o telefone, sua desgraça”, ao que a ofendida lhe entregou o seu celular de marca/modelo Iphone 7 Plus, 128gb. Em seguida, os dois indivíduos evadiram-se em sentido à BR-101. Naquele mesmo dia, por volta das 20h, na Rua São José, no bairro São Caetano, as vítimas JEHMILY DE JESUS SILVA e DOUGLAS ALVES DOS SANTOS CRUZ, estavam conversando na porta de casa quando também perceberam a aproximação do Representado e seu comparsa em uma motocicleta, tendo o adolescente anunciado o assalto com a arma de fogo em punho, e ordenado que os ofendidos entregassem os celulares. Em ato contínuo, a vítima JEHMILY entregou ao representado o seu aparelho de marca/modelo Samsung AS 51, de cor grafite, com capa azul, e o ofendido DOUGLAS cedeu o seu celular de marca/modelo Samsung A1 CORE, de cor vermelha. Em seguida, as vítimas entraram na residência e os indivíduos saíram do local, ocasião em que foi deflagrado um tiro por pessoa não identificada que atingiu o adolescente em seu pé, ao que esse foi detido por populares, que acionaram a Polícia. Na ocasião da apreensão os agentes encontraram em poder do adolescente: 06 (seis) aparelhos celulares de marcas diversas, 01 (um) revólver calibre 32, sem marca aparente, com numeração suprimida, com uma cápsula deflagrada e 02 (dois) cartuchos aparentemente "picotadas", além da motocicleta HONDA CG 160 FAN, placa RDC 3A18, cor preta, ostentava outra placa de uma motocicleta HONDA/NXR 160 BROS, ESD, placa RDI 9A30, estando ambas com restrição de furto/roubo. Com a conduta descrita, o representado praticou o ato infracional análogo ao crime previsto no art. 157, § 2º, inciso II, e §2º-A, I, do Código Penal, por duas vezes.”. Consta, ainda, do aditamento à representação (ID. 46238820) que: “Na representação ofertada nesta manhã, este órgão ministerial narrou as condutas infracionais até o momento identificadas pela Polícia Judiciária, praticadas pelo representado, consistentes no roubo a três vítimas (em dois contextos temporais próximos), bem assim na condução de motocicleta com restrição de furto/roubo. Esta última conduta já narrada amolda-se ao ilícito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, restando evidente, pelo contexto dos autos, que o representado sabia da origem criminosa do aludido veículo automotor de duas rodas, utilizado por si e pelo seu comparsa em proveito próprio. Assim, o Parquet emenda a inicial para acrescentar, de maneira formal e explícita, no tópico "3. TIPIFICAÇÃO LEGAL", além dos roubos, a imputação pelo ato infracional análogo ao crime do art. 180, caput, do Código Penal.”

 

Irresignada, a defesa interpôs Recurso de Apelação (ID. 46238893), requerendo, nas razões recursais, em apertada síntese, a atribuição de efeito suspensivo ao Apelo e a substituição da medida de internação imposta ao Representado pela medida socioeducativa de liberdade assistida. Subsidiariamente, requer a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade pelo período de 06 (seis) meses ou, ainda, que seja redimensionada a medida de internação para o período de 06 (seis) meses.

 


Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conhece-se do Apelo.

 

 

No que concerne à atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, não merece acolhimento a pretensão defensiva. 

 

Sobre o tema, o E. Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a não concessão de efeito suspensivo à Apelação interposta contra a sentença que impõe medida socioeducativa não viola o direito fundamental da presunção de não culpabilidade. Acerca da matéria, consolidou-se a jurisprudência no sentido de que, em se tratando de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como fim precípuo não a punição pura e simples do adolescente, mas sua ressocialização e proteção (vide STJ - AgRg no RHC: 170179 BA 2022/0275218-9, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 12/12/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2022).

 

Nesse compasso, as medidas previstas nos arts. 112 a 125, da Lei n.º 8.069/90, possuem o escopo primordial de proteção dos direitos do adolescente, visando afastá-lo da situação de risco que o levou à prática infracional.

 

Desse modo, no presente caso, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, foi determinada a internação, com prolação da sentença julgando procedente a representação (ID. 46238860), o que autoriza o cumprimento imediato da medida socioeducativa imposta.

 

No mérito, inicialmente cumpre salientar que o Apelante não pleiteou a improcedência da representação, não sendo despiciendo registrar que a materialidade e a autoria dos atos infracionais estão cabalmente comprovadas nos autos, merecendo destaque o auto de exibição e apreensão (ID. 46235908, pág. 20), a prova testemunhal colhida em ambas as fases do processo (ID. 46235908, págs. 15/17, 21,/23,25; ID. 46238859/Pje mídias), além do relato do próprio menor perante a autoridade policial (ID.   46235908, pág. 29; Pje mídias) e em juízo (ID. 46238859/Pje mídias).

 

 

Limita-se o Recorrente a pleitear a substituição da medida de internação por outras mais brandas, ou, ainda, o redimensionamento do período de internação para o prazo de 06 (seis) meses, o que não merece acolhimento.

 

 

De logo, importante salientar que as medidas socioeducativas buscam o desenvolvimento psicossocial dos adolescentes, com caráter eminentemente ressocializador e inclusivo, visando que o menor não mais reitere na prática da conduta perpetrada e retorne ao convívio social, diferente do quanto almejado pelo Direito Penal, que detém como fim precípuo o caráter retributivo.

 

 

Ademais, consoante dispõe o art. 112, § 1º, do ECA, a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.”.

 

 

In casu, não resta dúvida de que os atos infracionais praticados pelo Adolescente (análogos aos crimes de receptação e roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de agentes - perpetrado contra três vítimas), se amolda à hipótese do inciso I, do art. 122, do ECA, pois foi cometido com grave ameaça à pessoa. A despeito do quanto alegado pela defesa técnica do Recorrente, a internação foi imposta em consonância com a legislação de regência (art. 122, inciso I, da Lei n.º 8.069/90) e em atenção às peculiaridades do caso vertente, que revelam, para além da vulnerabilidade social de K.A.O, a gravidade concreta do ato.

 


Nesse ponto, cumpre transcrever trecho da sentença: “[...] O adolescente K.A.O, afirma em sua oitiva que participou do fato ilícito. O depoimento do Policial Militar somente reforça a narrativa das vítimas, ao afirmar que os aparelhos celulares subtraídos estavam em poder do Adolescente K. e um adulto, ressaltando que K. estava imobilizado e machucado em decorrência de disparo de arma de fogo. As vítimas confirmam a responsabilidade de K., sem qualquer dúvida. Portanto, é importante reconhecer a responsabilidade do adolescente, diante das provas produzidas, confirmando a versão por ele oferecida. Por fim, é imperioso assentar que a ação do Adolescente não foi de menor monta, já que conduziu a motocicleta e execução da medida em comunhão de desígnios e ações com o adulto, cabendo a responsabilização. [...] Os autos informam que Adolescente não tem lastro de atos infracionais. Contudo, não se trata de um simples ato de rebeldia jovem, ou mesmo de insubordinação civil, comuns aos adolescentes, mas de violência generalizada, e que certamente vitimiza o adolescente também. Demonstra que precisa interiorizar conceitos de limites sociais e familiares, exigindo medida enérgica do juízo para compatibilizar seu desenvolvimento adequado aos desígnios da vida em comunidade, uma vez que a primeira medida não surtiu o efeito esperado. A ação promovida foi extremamente violenta, contando inclusive com disparo de arma de fogo, observando a narrativa de que um cartucho estava deflagrado e outros dois “picotados”, ou seja, imputa a efetivação de no mínimo três ações humanas sobre a arma de fogo, que certamente poderia causar a morte de um ser humano. Importante também realçar a quantidade de ações promovidas, evidenciando o desapego ao contexto social dos companheiros de comunidade. Assim, observando que não há solução menos traumática eficiente ao caso concreto, aplico a medida socioeducativa de internação, a ser cumprida em local adequado, por prazo máximo de três anos, ou até completar 21 anos.”

 

 

Assim, em que pese não existirem passagens anteriores do representado, tem-se que os elementos probatórios colhidos demonstram, no caso concreto, a idoneidade da medida socioeducativa aplicada pelo Magistrado a quo.

 

 

De fato, a medida de internação é recomendável na hipótese, tanto pelo caráter protetivo/pedagógico das medidas socioeducativas, quanto pela censurabilidade do modus operandi, sendo inviável a substituição por medidas socioeducativas mais brandas, conforme pretende a defesa, não merecendo qualquer reparo o decisio de primeiro grau.

 

 

Confira-se a jurisprudência acerca do tema:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO DELITO DE ROUBO. CONDUTA PRATICADA MEDIANTE VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA À PESSOA. INTERNAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A prática de ato infracional análogo ao crime de roubo circunstanciado, no qual o agente emprega violência ou grave ameaça à vítima, autoriza a imposição da medida socioeducativa de internação, por enquadrar-se na previsão do art. 122, inciso I, da Lei n. 8.069/1990, mormente quando destacada pelas instâncias de origem a gravidade concreta da conduta. 2. A Corte local, após análise exauriente da situação concreta, concluiu que a aplicação da medida socioeducativa de internação seria imprescindível na hipótese em apreço, pois o fato praticado foi considerado concretamente grave, em companhia de terceiro não identificado, mediante grave ameaça à pessoa com uso de arma de fogo e restrição de liberdade da vítima. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ - AgRg no HC: 809918 SP 2023/0088858-2, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 26/06/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2023) (grifos acrescidos)

 

 

Ademais, quanto ao pleito de redimensionamento do período de internação para o prazo de 06 meses, razão não assiste à Defesa. Isso porque, como bem pontuado pelo órgão ministerial, nas contrarrazões, “No que concerne à pretensão de “redução” do prazo de internação, em virtude das circunstâncias pessoais do adolescente, cabe registrar que a sentença guerreada não determinou o prazo de internação, limitando-se a mencionar ressalva legal de que a internação não poderá exceder a três anos. Assim, não há que se falar em redução do prazo máximo da internação, vez que não há no comando condenatório delimitação do prazo de cumprimento da medida, ressalvando-se apenas impedimento legal de cumprimento por prazo superior a três anos. Nesse ínterim, cumpre ressaltar que o Juízo a quo nada mais fez que subsumir o caso concreto ao ordenamento jurídico pertinente, sem delimitar prazo da internação, que, por determinação legal, deverá ser reavaliada no máximo a cada seis meses, conforme se extrai da inteligência do art. 121, §2º do ECA. Lado outro, não é demais ressaltar, que a reavaliação da manutenção da medida poderá ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa, do defensor, do Ministério Público, do adolescente ou de seus pais ou responsável, a teor do disposto no art. 4, caput, da Lei 12.594/2012.”

 

 

Ressalte-se que o prazo de 03 (três) anos é o tempo máximo de internação (art. 121, § 3º, do ECA). Ademais, conforme o disposto no § 2º do art. 121 do ECA, a medida socioeducativa de internação não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, no máximo a cada 06 (seis) meses. Assim, verificando o Juízo a possibilidade do fim da medida após 06 (seis) meses de internação, nada obsta que essa dure menos que 03 (três) anos.

 

  

Nessa esteira, transcreve-se trecho do parecer da douta Procuradoria de Justiça:


“Ora, tratando-se de ato infracional levado a efeito mediante violência, porquanto praticado em concurso de agentes e mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, em continuidade delitiva [análogo ao crime de roubo qualificado] – hipótese expressamente contemplada pelo art. 122, I, da Lei n.º 8.069/1990 –, e verificando-se, por outro lado, que a imposição da medida extrema se operou de maneira bem fundamentada, com supedâneo na valoração de elementos concretos, resulta inviável a sua substituição por medidas socioeducativas menos severas, porquanto de todo insuficientes ao caso. [...]

Por derradeiro, no que se refere ao pleito de redução do prazo de internação, cabe frisar que o Juízo sentenciante não fixou o prazo de 03 (três) anos para seu cumprimento e nem que a medida deveria perdurar até que o recorrente completasse 21 (vinte e um) anos de idade, mas sim, aplicou a medida observando os parágrafos do art. 121, da Lei. 8069/90. [...]

Outrossim, a reavaliação da medida se dá no máximo a cada seis meses e poderá ser solicitada a qualquer tempo, pela direção do programa de atendimento, pelo defensor, pelo Ministério Público, pelo adolescente e pelos seus pais ou responsáveis, consoante art. 43 da Lei 12.594/2012.”

 

Indiscutível, portanto, o caráter pedagógico e protetivo que justifica a adoção da medida socioeducativa imposta, ante a premente necessidade de reeducar e proteger o adolescente, de modo a possibilitar seu desenvolvimento e reintegração na sociedade.

 

Isto posto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO APELO, mantendo-se o decisio objurgado em todos os seus termos.

 

Sala de Sessões, _____ de _________________de 2023.

 

 

 

Presidente

 

 

Desa. Rita de Cássia Machado Magalhães

Relatora

 

 

 

Procurador(a) de Justiça