PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 98 E 99, DA LEI 10.741/03. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO JUÍZO A QUO. PRESCRIÇÃO VIRTUAL OU ANTECIPADA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 438 DO STJ. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. O ordenamento jurídico pátrio compreende ser inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada. Nos termos da Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça, "é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal". Recurso PROVIDO, a fim de afastar a prescrição virtual da pretensão punitiva. ACÓRDÃO Vistos, relatados e distribuídos estes autos de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 0502294-43.2019.8.05.0080, sendo recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, e recorrido GLÁUCIA MARA OTTAN DE SOUZA M. E FERRAZ. ACORDAM os Desembargadores componentes da Primeira Turma Julgadora da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO interposto, pelas razões adiante alinhadas.
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0502294-43.2019.8.05.0080
Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 1ª Turma
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA
Advogado(s):
RECORRIDO: GLÁUCIA MARA OTTAN DE SOUZA MACHADO E FERRAZ
Advogado(s):
ACORDÃO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL 1ª TURMA
DECISÃO PROCLAMADA |
Conhecido e provido Por Unanimidade
Salvador, 26 de Fevereiro de 2024.
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, impugnando a sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Feira de Santana, que extinguiu a punibilidade do Acusado GLÁUCIA MARA OTTAN DE SOUZA M. E FERRAZ, nos autos da ação penal epigrafada. Durante o trâmite processual, sobreveio sentença de Id 38078287, declarando extinta a punibilidade do denunciado em razão da prescrição virtual. Inconformado, o Ministério Público interpôs o Recurso em Sentido Estrito alegando a impossibilidade da declaração de extinção pela prescrição antecipada (Id 38078295). Em sessão de julgamento datada de 02/02/2023, foi deliberado tendo o recurso sido julgado provido para afastar a tese de prescrição virtual (acórdão de Id 40241857). A defensoria interpôs recurso especial (Id 40434972) não admitido (Id 42239909). Remetidos os autos para a instância primária, o juízo a quo, proferiu a mesma sentença (Id 52604783) reconhecendo a prescrição virtual. Novamente o Ministério Púbico interpôs no Recurso em Sentido Estrito impugnando a sentença (Id 52604783). Nas contrarrazões recursais (Id 38078303), o recorrido refutou os argumentos do recorrente, alegando o oposto, ou seja, a possibilidade da declaração da prescrição virtual por haver amparo doutrinário e jurisprudencial, pugnando assim, pela manutenção da r. Sentença. O douto Juiz a quo proferiu, no Id 52604795, juízo de sustentação. A Procuradoria de Justiça, em parecer exarado no Id 557948522, manifestou-se pelo provimento do presente recurso em sentido estrito. É o breve relatório. Salvador/BA, 7 de fevereiro de 2024. Des. Carlos Roberto Santos Araújo - 2ª Câmara Crime 1ª Turma Relator
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0502294-43.2019.8.05.0080
Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 1ª Turma
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA
Advogado(s):
RECORRIDO: GLÁUCIA MARA OTTAN DE SOUZA MACHADO E FERRAZ
Advogado(s):
RELATÓRIO
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 1ª Turma Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade. Ainda que não se desconheçam os pragmáticos argumentos que sustentam o posicionamento adotado pelo MM. Juiz a quo, não se pode comungar do presente entendimento. Em primeiro lugar, cabe frisar que a prescrição virtual é uma construção meramente doutrinária e jurisprudencial, e diga-se de passagem, com grandes controvérsias, não havendo esteio legal à sua declaração. Contudo, para uma prescrição em concreto, imprescindível a prévia existência de édito condenatório, com trânsito em julgado para o Parquet, o que inexiste no caso vertente, sobretudo porque o procedimento sequer foi concluído, não se podendo, assim, afastar o cenário de eventual absolvição do recorrido, visto que a prova não foi devidamente apreciada em Primeira Instância. Ademais, para que se chegue a tal raciocínio deve-se adotar, como premissa, a consideração prévia da culpabilidade do agente, medida essa que se mostra absolutamente desvinculada do corolário do devido processo legal, notadamente porque, até a irrecorribilidade da sentença condenatória, o acusado deve ser considerado, no mínimo, não culpado (conforme se extrai do artigo 5º, inciso LVII, da CF/88). Em segundo lugar, não bastassem tais considerações (que, por si sós, evidenciam a nulidade absoluta do decisum guerreado), mesmo que se cogitasse de uma possível condenação, não haveria segurança e certeza em relação à quantidade da pena que seria, em tese, imposta ao agente. Isto porque, quando da hipotética dosimetria das sanções, o Magistrado não poderia se restringir, única e exclusivamente, à análise das circunstâncias pessoais do indiciado (como se sustentou na decisão impugnada); deveria ele examinar, igualmente, os demais fatores que envolvem o crime pretensamente perpetrado (tais como a intensidade do dolo do agente, as consequências do ilícito, agravantes, etc). Assim, ao ensejo dessa verificação, o julgador também procederia ao estabelecimento quantitativo da pena-base entre os limites mínimo e máximo preconizados no preceito secundário do tipo penal, não sendo descabido imaginar que as reprimendas possam vir a ser definidas em parâmetros diferentes dos traçados pelo d. Juiz. Assim, afeiçoa-se inviável a realização dessa complexa atividade cognitiva antes da devida análise valorativa do conjunto probatório – que, frise-se novamente, poderá resultar na eventual absolvição do acusado, ou até mesmo numa pena mais exasperada que a antevista pelo Magistrado. Por fim, cabe enfatizar que foi editada a Súmula 438 pelo STJ, declarando a impossibilidade da declaração da prescrição virtual, in verbis : "Súmula n.º 438. É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal." No referido sentido, colaciona-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: "CRIMINAL. RESP. TENTATIVA DE FURTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECLARADA, PELO JUÍZO MONOCRÁTICO, COM BASE EM PENA ANTECIPADA. DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL A QUO. IMPROPRIEDADE [...]. I. De acordo com o Código Penal, tem-se que a prescrição somente se regula pela pena concretamente aplicada ou, ainda, pelo máximo de sanção, abstratamente previsto. II. É imprópria a decisão que extingue a punibilidade pela prescrição com base em pena em perspectiva. Precedentes. III. Deve ser cassado o acórdão recorrido para afastar a denominada prescrição em perspectiva, determinando-se o retorno dos autos ao juízo de origem para o julgamento do recurso de apelação interposto. […]." (STJ: REsp nº 880.774/RS, rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, p. no DJU de 29-6-2007, p. 707). "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME MILITAR. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. FALTA DE AMPARO LEGAL. 1. Esta Corte Superior de Justiça e o Excelso Supremo Tribunal Federal são firmes na compreensão de que falta amparo legal à denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em condenação apenas hipotética. 2. Agravo regimental improvido" (AgRg no Resp 905.306/SP, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Sexta Turma, p. no DJe de 18-08-2008). Nesse vértice, do Supremo Tribunal Federal colhe-se o seguinte precedente: "Habeas corpus: prescrição inocorrente, no caso, repelida, ademais, pela jurisprudência do Tribunal, a denominada prescrição antecipada pela pena em perspectiva. Precedentes. […]." (HC nº 88.087/RJ, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1ª Turma, p. no DJU de 15-12-2006, p. 95). Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao presente recurso, a fim de afastar a prescrição virtual da pretensão punitiva, cassando a r. decisão de Id 52604783, e determinando que o Juízo de Direito de primeiro grau prossiga com o processo com a observância do quanto aqui julgado, pois, uma sentença de primeiro grau não pode reformar um acórdão de 2º grau. Salvador, de de 2024. CARLOS ROBERTO SANTOS ARAÚJO RELATOR
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0502294-43.2019.8.05.0080
Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 1ª Turma
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA
Advogado(s):
RECORRIDO: GLÁUCIA MARA OTTAN DE SOUZA MACHADO E FERRAZ
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VOTO