PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0300224-12.2012.8.05.0103 | ||
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma | ||
RECORRENTE: Ministério Público do Estado da Bahia | ||
Advogado(s): | ||
RECORRIDO: Jackson Oliveira Santos e outros (2) | ||
Advogado(s): |
ACORDÃO |
RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. SIMULTÂNEOS. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO. CONCURSO FORMAL. ART. 121, §2º, I E IV C/C ART. 70 AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO EFETUADO. ALEGAÇÃO PELA DEFESA DE DESATENDIMENTO AOS PARÂMETROS DO ART. 226 DO CPP. NÃO SE TRATA DE CONDENAÇÃO ALICERÇADA PRECIPUAMENTE OU EXCLUSIVAMENTE EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DISCUSSÃO APENAS DE INDÍCIOS DE AUTORIA. ANÁLISE OPORTUNA PELO TRIBUNAL DO JURI. PRELIMINAR AFASTADA. PRECEDENTE STJ. NO MÉRITO, A DENÚNCIA DESCREVE A PRÁTICA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE, ALÉM DE À TRAIÇÃO, DE EMBOSCADA, OU MEDIANTE DISSIMULAÇÃO OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO, PORÉM TIPIFICA OS FATOS COMO HOMICÍDIO QUALIFICADO, NA FORMA DO ART. 121, IV. NECESSIDADE DE EMENDATIO LIBELLI. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CORRELAÇÃO, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. EXISTÊNCIA DE ANIMUS NECANDI COM BASE NAS PROVAS ACOSTADAS AOS AUTOS. IMPRONÚNCIA E AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. JUÍZO DE PRELIBAÇÃO POSITIVO. PRESENTE A JUSTA CAUSA, COMPETE AO TRIBUNAL DO JÚRI A ANÁLISE DE MÉRITO. PARECER MINISTERIAL NESSE SENTIDO. PRELIMINAR REJEITADA (PRECEDENTE STJ). RECURSO DA DEFESA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DO PARQUET CONHECIDO E PROVIDO.
I – A Defesa suscita preliminar de nulidade do reconhecimento fotográfico efetuado, asseverando que houve desatendimento aos parâmetros do art. 226 do CPP.
II - In casu, não restou configurada a nulidade apontada. Isto porque, no caso dos autos, não se trata de condenação alicerçada precipuamente ou exclusivamente em reconhecimento fotográfico. Desta forma, discute-se tão somente os indícios de autoria, os quais serão oportunamente apreciados pelo Tribunal do Juri.
III - Verifica-se que na exordial acusatória o Acusado fora incurso nas penas do art. 121, §2º, IV c/c art. 70 ambos do Código Penal (homicídio qualificado - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido – concurso formal) e por motivo torpe, sendo que, na sentença de pronúncia, o Magistrado singular aquiesceu parcialmente à denúncia
IV - A denúncia narra que o Acusado/Recorrente teria praticado o homicídio efetuando “disparos de arma de fogo contra as vítimas, pois não aceitava o fim do casamento com Daiane que já havia cinco meses. Tendo assim, ameaçado por várias vezes a vítima.”.
V – Configurando-se tal assertiva também em ciúme injustificado (motivo torpe), o magistrado mormente capitulou a ação delitiva incursa no art. 121, §2º, IV do Código Penal.
VI - Necessidade de emendatio libelli, por ausência de violação aos princípios da correlação, contraditório e ampla defesa, além da existência de animus necandi, com base nas provas acostadas aos autos.
VII - Finalmente, considerando que estão presentes a materialidade e autoria delitivas, e que nesta fase processual o magistrado exerce um juízo de prelibação, vigorando o princípio in dubio pro societate, não é possível impronunciar a Defesa Recorrente, nem afastar a qualificadora, sob pena de usurpar a competência constitucional do Tribunal do Júri, para a devida análise de mérito.
VIII - Preliminar rejeitada. Precedente STJ.
IX – Recurso da Defesa conhecido e desprovido. Recurso do Ministério Público conhecido e provido, a fim de reformar a sentença de pronúncia vergastada que rejeitou a qualificadora prevista no art. 121, §2º, inciso I, do Código Penal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 0300224-12.2012.8.05.0103, em que figuram, como Recorrente e Recorrido, respectivamente, JACKSON OLIVEIRA SANTOS e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal Segunda Turma Julgadora do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade de votos, em REJEITAR a PRELIMINAR suscitada e, no mérito, CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Acusado, bem como CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, a fim de reformar a sentença de pronúncia vergastada que rejeitou a qualificadora prevista no art. 121, §2º, inciso I do Código Penal, em face de JACKSON OLIVEIRA SANTOS, devendo ser este submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, pelos dois homicídios, nos termos do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal, e assim o fazem pelas razões que integram o voto do eminente Desembargador Relator.
Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal 2ª Turma do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, 31 de maio de 2022.
PRESIDENTE
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA
BMS05
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL 2ª TURMA
DECISÃO PROCLAMADA |
Recursos simultâneos Por Unanimidade
Salvador, 31 de Maio de 2022.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0300224-12.2012.8.05.0103 | |
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma | |
RECORRENTE: Ministério Público do Estado da Bahia | |
Advogado(s): | |
RECORRIDO: Jackson Oliveira Santos e outros (2) | |
Advogado(s): |
RELATÓRIO |
Trata-se de Recursos em Sentido Estrito interpostos, simultaneamente, por JACKSON OLIVEIRA SANTOS e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA contra a decisão de fls. 564/565 proferida pelo Juízo da 1ª Vara do Júri da Comarca de Ilhéus que pronunciou o Acusado pela suposta prática de dois homicídios tipificados no art. 121, §2º, inciso IV do Código Penal, para submetê-lo a julgamento perante o Tribunal de Júri.
Em suas razões de fls. 570/581, Jackson Oliveira Santos argumenta, preliminarmente, sobre a invalidade do reconhecimento fotográfico efetuado, asseverando que houve desatendimento aos parâmetros do art. 226 do CPP.
À vista disto, afirma que o reconhecimento fotográfico está maculado de vícios, em virtude da maneira através da qual aquele se desenvolveu na Delegacia de Polícia, devendo ser invalidado tal procedimento, culminando na impronúncia, nos termos do art. 414 do CPP.
No mérito, defende a inadmissibilidade da imputação da circunstância qualificadora do emprego de recurso que impossibilitou/dificultou a defesa da vítima, uma vez que não houve prova inconteste que favorecesse a aplicação daquela, devendo, portanto, ser decotada.
Pelo exposto, requer seja o presente recurso conhecido e provido para reformar a decisão de pronúncia, a fim de: I – reconhecer a nulidade do auto de reconhecimento fotográfico realizado na Delegacia de Polícia pelo método show up e sem as cautelas legais exigidas pelo art. 226 do CPP, culminando na impronúncia do Recorrente, por conta de ausência de lastro probatório suficiente para configuração de indícios de autoria delitiva, nos termos do art. 414 do CPP; II - subsidiariamente, o reconhecimento da inadmissibilidade da circunstância qualificadora do emprego de recurso que impossibilitou/dificultou a defesa das vítimas, decotando-a.
Em suas razões de fl. 593/602, o Ministério Público do Estado da Bahia pleiteia a favor da inclusão da qualificadora referente à motivação do crime, tal qual a denúncia de fls. 2/4.
Ademais, afirma que “o Recorrido foi pronunciado como incurso, por duas vezes, no artigo 121, §2º, inciso IV C/c art. 70, todos do Código Penal, sob a acusação de ser o autor dos homicídios que vitimaram DAIANE DE JESUS DOS SANTOS e SÍLVIO DE JESUS LIMA, fatos ocorridos no dia 28 de abril de 2012, em horário noturno, na Rua Lindolfo Collor, no bairro Malhado, nesta Cidade.”.
E prossegue: “Consta dos autos que, no dia fatídico, por volta das 22h:10min, JACKSON, a bordo de uma bicicleta, agindo com animus necandi e utilizando-se de arma de fogo, MATOU sua ex-companheira, DAIANE DE JESUS DOS SANTOS e o companheiro atual desta, SILVIO DE JESUS LIMA, efetuando diversos disparos contra os mesmos.”.
E continua a argumentar: “Restou apurado que as vítimas foram surpreendidas enquanto trafegavam distraidamente pela rua em direção a um ponto de ônibus, não sendo oportunizado o exercício de qualquer reação de defesa por parte das mesmas. Ademais, a motivação do crime derivou da irresignação de JACKSON com o fim do casamento com DAIANE, que já havia ocorrido há cinco meses. Nesse lapso, JACKSON direcionou diversas ameaças contra DAIANE.”.
Assim, requer o Ministério Público seja conhecido e provido o presente Recurso em Sentido Estrito, com consequente reforma da decisão da Pronúncia que rejeitou a qualificadora prevista no art. 121, §2º, inciso I do Código Penal, em face de JACKSON OLIVEIRA SANTOS a fim de ser este submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, por duas vezes, nos termos do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal.
Em sede de contrarrazões de fls. 609/613, Jackson Oliveira Santos requereu o conhecimento e, no mérito, o desprovimento do recurso interposto pelo Ministério Público.
Por sua vez, contra-arrazoou às fls. 614/624 o Ministério Público pleiteando o conhecimento e, no mérito, o desprovimento do recurso do Acusado.
Em decisão de fl. 125, o Juízo a quo reexaminou o feito e manteve a sentença de pronúncia.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento dos Recursos e, no mérito, por negar provimento ao recurso interposto pelo Acusado e dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da Bahia (ID nº 25960382).
Com este relato, encaminhem-se os autos à Secretaria para a inclusão em pauta.
Salvador, 20 de maio de 2022.
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
BMS05
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0300224-12.2012.8.05.0103 | ||
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma | ||
RECORRENTE: Ministério Público do Estado da Bahia | ||
Advogado(s): | ||
RECORRIDO: Jackson Oliveira Santos e outros (2) | ||
Advogado(s): |
VOTO |
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Conforme relatado, cuida-se de Recursos em Sentido Estrito interpostos, simultaneamente, por JACKSON OLIVEIRA SANTOS e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA contra a decisão de fls. 564/565 proferida pelo Juízo da 1ª Vara do Júri da Comarca de Ilhéus que pronunciou o Acusado pela suposta prática de dois homicídios tipificados no art. 121, §2º, inciso IV do Código Penal, para submetê-lo a julgamento perante o Tribunal de Júri.
Passo à análise das razões recursais.
Quanto à preliminar, suscitada pela Defesa, de invalidade do reconhecimento fotográfico efetuado pela testemunha de acusação, asseverando que houve desatendimento aos parâmetros do art. 226 do CPP, além da forma que fora realizado na Delegacia respectiva, não merece prosperar.
Isto porque, no caso dos autos, não se trata de condenação alicerçada precipuamente ou exclusivamente em reconhecimento fotográfico. Desta forma, discute-se tão somente os indícios de autoria, os quais serão oportunamente apreciados pelo Tribunal do Júri.
Além disso, os indícios de autoria não compreendem, por si só e especificamente, como único sustentáculo o reconhecimento fotográfico.
Portanto, dispõe o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.”.
Sobre o caso em comento, colaciono o seguinte julgado do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECONHECIMENTO REALIZADO EM SEDE POLICIAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS PARA CONFIGURAR OS INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO CONCRETO DE REITERAÇÃO DELITIVA E GRAVIDADE DOS FATOS. RECOMENDAÇÃO N. 62/2020 DO CNJ. TEMA NÃO ANALISADO PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. Em julgados recentes, ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3. Da análise dos autos, verifica-se que há distinguishing do presente caso em relação ao recente precedente que determinou a mudança de entendimento desta Corte Superior. Isto porque, na hipótese, não está a se falar em condenação baseada unicamente em reconhecimento fotográfico, eis que, ao que consta desta impetração, a instrução criminal sequer teve início. In casu, trata-se somente de indícios de autoria, os quais ainda serão devidamente analisados em juízo. Nesse contexto, ressalta-se ainda que nem mesmo os mencionados indícios de autoria têm como único fundamento o reconhecimento fotográfico. Dos elementos probatórios que instruem o feito, há também menção a conversas travadas pelo corréu Jonas, as quais, supostamente, indicariam que ele guardava o referido entorpecente para o ora paciente. 4. De acordo com o art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. 5. Hipótese em que a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, haja vista a reiterada conduta delitiva do agente e gravidade concreta dos fatos. Conforme posto, houve apreensão de relevante quantidade de entorpecentes (0,3g de cocaína e 1.575g de maconha). Além disso, o paciente é reincidente específico, já ostentando duas condenações definitivas pelo delito de tráfico de drogas. 6. A tese relativa à necessidade de reavaliação/revogação da prisão preventiva especificamente à luz da Recomendação n. 62/2020 do CNJ não foi objeto de cognição pelo Tribunal de origem. Logo, inviável seu enfrentamento por esta Corte Superior, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. 7. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC nº 676.445/RS, Quinta Turma, relator Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 29/11/2021). (Grifos nossos).
Portanto, não se revela dos autos a nulidade do reconhecimento fotográfico efetuado pela testemunha de acusação, com fulcro no art. 226 do CPP.
Em sendo assim, rejeito a prefacial arguida.
Da análise dos autos, verifica-se que na exordial acusatória o Acusado fora incurso nas penas do art. 121, §2º, IV c/c art. 70 todos do Código Penal (homicídio qualificado - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido – concurso formal) e por motivo torpe, sendo que na sentença de pronúncia, o Magistrado singular aquiesceu parcialmente à denúncia, ipsis verbis:
“JACKSON OLIVEIRA SANTOS, já devidamente qualificada nos autos, foi denunciada sob a acusação de ter matado Daiane de Jesus dos Santos e Silvio de Jesus Lima com disparos de arma de fogo na noite de 28 de abril de 2012, na Rua Lindolfo Collor, no bairro Malhado.
Segundo a acusação, o réu cometeu o crime por não se conformar com o fim do relacionamento que tinha com Daiane. A peça acusatória sustenta ainda o emprego de recurso que teria impossibilitado a defesa das vítimas.
Recebida a denúncia, a ré apresentou resposta à acusação.
Durante a instrução criminal, foi regularmente produzida a prova testemunhal. Em interrogatório, o réu optou pelo direito ao silêncio.
Nas alegações finais o Ministério Público ratificou a tese acusatória e postulou a pronúncia. A defesa, por seu turno, postulou pela exclusão das qualificadoras.
Neste contexto, vieram-me os autos conclusos. Narrada a história relevante do processo, passo a expor os fundamentos da decisão.
A materialidade delitiva está assegurada pelos laudos necroscópicos de fls. 35/37, que descrevem as lesões fatais sofridas pelas vítimas, causadas por projéteis de arma de fogo.
No que concerne à autoria, a testemunha ocular Adriano Demétrio assegurou ter visto o ataque e apontou taxativamente o réu Jackson como autor dos disparos dirigidos às vítimas no ponto de ônibus. Ficou constituído, assim, um panorama indiciário que coloca o réu como suspeito a ser submetido a julgamento pelo júri popular.
A qualificadora referente ao motivo, postulada em alegações finais do Ministério Público, não pode ser conhecida, uma vez que não foi irrogada na denúncia. Com efeito, a peça acusatória limitou-se a descrever a insatisfação passional do réu como razão para o crime, mas se absteve de realizar qualquer valoração do motivo, deixando de apontar desproporção, vilania ou qualquer atributo previsto como qualificador do delito. Assim, o acusado não deveria supor que tal avaliação seria formulada a posteriori e, sem essa definição prévia, sem ter tido a oportunidade de se contrapor a tal mensuração, não pode ser surpreendido com decisão que extravase os limites definidos no início do processo.
Sublinhe que a omissão detectada não envolve a capitulação jurídica do fato, esta seria plenamente superável; mas o que faltou foi a própria narração de ocorrência de torpeza ou futilidade, que em nenhum momento ficou especificada na denúncia.
Admissível a imputação de surpresa como recurso que teria impossibilitado a defesa das vítimas. A testemunha Fábio Conceição disse que naquele dia o réu lhe pediu para nada fosse comentado sobre a presença dele no local onde se encontraram e logo depois saiu pelo fundo do Supermercado Meira em direção à Avenida Ubaitaba. Acrescentou que vinte minutos depois já recebia a notícia da ocorrência, traçando cronologia compatível com a hipótese de execução rápida de planejamento homicida. Já a testemunha ocular Adriano relatou ter visto o réu evadir-se em uma bicicleta após os disparos, tudo indicando, portanto, que o veículo teria sido usado na abordagem e, em tese, assegurado a vantagem da aproximação célere e não percebida pelos pedestres alvejados.
Diante do exposto, com fundamento no art. 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o acusado JACKSON OLIVEIRA SANTOS, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri pela suposta prática de dois homicídios tipificados no art. 121, §2º, inciso IV do Código Penal.”.
Desta forma, depreende-se que o Juízo primevo não acolheu o pleito ministerial formulado nas alegações finais, para pronunciar JACKSON OLIVEIRA SANTOS como incurso nas penas do art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal (homicídio qualificado por motivo torpe e à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), consoante pleito formulado à fl. 550/551.
Ocorre que, não há que se falar em surpresa na decisão de pronúncia, ou violação aos princípios da correlação, contraditório e ampla defesa, eis que, na descrição do fato imputado ao Recorrente, a denúncia deixa claro que o delito teria sido praticado por motivo torpe, narrando que o homicídio se deu em virtude de “inconformismo com o fim do relacionamento com a vítima e ciúmes” (ID nº 25960382 - Pág. 6 do Parecer da douta Procuradoria de Justiça). Confira-se o trecho da Denúncia (fls. 2/4):
“Conforme restou apurado no inquérito policial, o ora Denunciado efetuou disparos de arma de fogo contra as vítimas, pois não aceitava o fim do casamento com Daiane que já havia cinco meses. Tendo assim, ameaçado por várias vezes a vítima”. ” (Grifos nossos).
Sendo assim, é evidente que o Recorrente teve, ao longo de toda a marcha processual, a possibilidade de se defender dos fatos narrados na denúncia.
No particular, é cediço que o Réu se defende dos fatos a ele imputados e não da sua capitulação jurídica. Tanto é assim, que existe o instituto do emendatio libelli, por meio do qual o juiz, no momento da sentença, ao verificar que a tipificação indicada pelo Ministério Público, realiza a sua correta definição jurídica.
A emendatio libelli existe justamente em homenagem ao princípio da correlação ou correspondência entre a imputação e a sentença, e está prevista no art. 383 do CPP, que assim dispõe:
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
Destarte, observa-se que o que ocorreu, no caso sub examine, foi justamente a ausência da aplicação do instituto mencionado, eis que os fatos narrados na denúncia dão conta de homicídio qualificado, praticado também por motivo torpe, a saber, irresignação com o fim do relacionamento com a vítima e ciúmes.
Sobre o tema, veja-se o entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 317 E 343 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA QUE RECONHECE DELITO NÃO CAPITULADO, MAS CONTIDO NA DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS EX OFFICIO. REFORMULAÇÃO DOS DIAS-MULTA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. O Réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da capitulação jurídica dada na denúncia. Dessa forma, é permitido que se proceda à adequação da conduta descrita na exordial, tanto na sentença como em segundo grau de jurisdição, por meio da emendatio libelli. Incidência do art. 383 do Código de Processo Penal. 2. Desse modo, inexiste prejuízo à ampla defesa, na decisão do Magistrado, que ao proferir a decisão condenatória, considera delito contido no texto da denúncia, embora nela não capitulado. Precedentes do STJ. 3. No presente caso, da análise da exordial acusatória é possível concluir pela ocorrência do delito previsto no art. 343, parágrafo único, do Código Penal, pois a conduta típica foi expressamente narrada e atribuída ao Recorrido, apesar de a denúncia capitular apenas o delito de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal). [...] (STJ, REsp 1880044/PR, Sexta Turma, Relatora Min. LAURITA VAZ, Julgado em 23/11/2021, DJe 30/11/2021) (Grifos nossos).
Assim, considerando que, na hipótese dos autos, o Magistrado singular em nenhum momento causou óbice à Defesa, seria lícito utilizar-se de instituto não só admitido pelo ordenamento jurídico pátrio, como também indicado no caso em tela, para capitular corretamente os fatos descritos na exordial acusatória.
No que se refere a pleiteada despronúncia, da leitura da sentença de pronúncia combatida, verifica-se que o Magistrado se limitou, sobriamente, a exercer o juízo de prelibação, analisando, para tanto, a prova da materialidade delitiva e os indícios suficientes de autoria.
Nesse intuito, registrou na sentença de pronúncia (fl. 564):
“A materialidade delitiva está assegurada pelos laudos necroscópicos de fls. 35/37, que descrevem as lesões fatais sofridas pelas vítimas, causadas por projéteis de arma de fogo.
No que concerne à autoria, a testemunha ocular Adriano Demétrio assegurou ter visto o ataque e apontou taxativamente o réu Jackson como autor dos disparos dirigidos às vítimas no ponto de ônibus. Ficou constituído, assim, um panorama indiciário que coloca o réu como suspeito a ser submetido a julgamento pelo júri popular. ” (ID nº 22942940, p. 2-3) (Grifos nossos).
Desse modo, observa-se que, ao contrário do quanto alegado pela Defesa, após analisar a materialidade e autoria delitivas, o Julgador frisa que compete ao Tribunal do Júri a avaliação acerca do seu dolo.
Nesse ponto, afinado com o rito processual do Júri, o Magistrado exerceu mero juízo de admissibilidade da pretensão ministerial, valendo destacar que, na fase de pronúncia – uma fase preliminar ao julgamento do mérito da ação penal – vigora o princípio in dubio pro societate.
Sendo assim, apenas quando inconteste a ausência de materialidade e indícios suficientes de autoria do delito, ou quando, de logo, se verifica a inexistência de animus necandi, o Juízo deixa de pronunciar o Acusado.
Não é outro o entendimento jurisprudencial:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. TENTATIVA CRUENTA. PLEITO DE PARCIAL DESCLASSIFICAÇÃO DELITIVA. INDUVIDOSA CONSTATAÇÃO DA AUSÊNCIA DO ANIMUS NECANDI NA CONDUTA DO AGENTE. NÃO OCORRÊNCIA. CONEXÃO COM DELITO DOLOSO CONTRA A VIDA. JUÍZO DE PRELIBAÇÃO DA ACUSAÇÃO POSITIVO. FASE DE INSTRUÇÃO PRELIMINAR. PRESERVAÇÃO À SOBERANIA DOS VEREDICTOS E À COMPETÊNCIA PREVALENTE DO JUÍZO NATURAL DO JÚRI POPULAR. PRONÚNCIA MANTIDA. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. Na fase prelibatória da acusação, submetida ao rito do Júri, somente não será pronunciado o acusado, com mitigação ao postulado do in dubio pro societate, e até autorizada - de forma excepcional - a desclassificação delitiva, pelo Juízo da pronúncia, quando clara e inconteste a inexistência do animus necandi na conduta do agente. 3. Na hipótese em que confirmados em juízo a existência da materialidade delitiva denunciada, não manifestamente improcedente, e os indícios da autoria dolosa do agente, em crimes contra a vida de terceiro(s), aquilatados pelo julgador em raso convencimento motivado, imprescindíveis à definição e à competência do escalonado procedimento do Tribunal Popular, a manutenção da pronúncia é medida de rigor, sob pena de ofensa ao mister constitucional atribuído à instituição do Júri, notadamente à soberania dos veredictos outorgada ao legitimado Conselho de Sentença, que apreciará em Plenário, de forma exauriente, na segunda fase meritória - do judicium causae -, todas as versões e provas patrocinadas pelas partes, conforme interpretação sistemática dos arts. 413, caput, § 1.º, e 419, caput, ambos do Código de Processo Penal. 4. A desconstituição do julgado, por suposta violação dos arts. 413 e 419, ambos do CPP, destinada à parcial desclassificação delitiva, objeto da pronúncia, sob a alegação de que ficou evidenciada a falta do elemento subjetivo do tipo de homicídio na conduta do Agente e, por corolário, de indícios mínimos que pudessem autorizar o julgamento pelo Tribunal do Júri, demandaria necessário revolvimento do contexto fático-probatório, providência incabível, conforme inteligência do enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1499923/DF, Sexta Turma, Relatora Min. LAURITA VAZ, Julgado em 27/08/2019, DJe 10/09/2019) (Grifos nossos).
In casu, o Magistrado fundamentou não ser possível, nesta fase processual, acolher a tese defensiva de ausência de dolo, sobretudo ao analisar o laudo de exame cadavérico, que demonstra lesões funestas suportadas pelas vítimas, oriundas de projéteis de arma de fogo.
Por último, requer o Recorrente a reforma da decisão vergastada, com a determinação da sua impronúncia, por conta da ausência de lastro probatório suficiente para configuração de indícios de autoria delitiva, nos termos do art. 414 do CPP, e, subsidiariamente, pugna pelo afastamento da qualificadora constante no inciso IV, do § 2º, do art. 121, do Código Penal.
De saída, é importante ratificar que a sentença de pronúncia não julga o mérito da ação penal, verificando somente a admissibilidade da pretensão acusatória, mediante dois pressupostos: a) indícios de autoria, por meio de um juízo de verossimilhança; b) prova da materialidade delitiva, mediante um juízo de certeza.
A partir de então, uma vez realizada a pronúncia, os processos dos crimes dolosos contra a vida são encaminhados para a análise do júri popular, o Juízo natural competente para julgamento desta classe de delitos.
No caso em tela, como se extrai do trecho da sentença de pronúncia transcrita anteriormente, o Magistrado de origem indicou, tanto a prova da materialidade delitiva, ancorada sobretudo no Laudo de Exame de Necrópsia de fls. 35/38 elaborado pelo Departamento de Polícia Técnica de Ilhéus, quanto aos indícios suficientes de autoria, dos quais, inclusive, nem mesmo o Recorrente suscita dúvidas.
Sendo assim, ao pronunciar o Recorrente, o Juízo a quo se lastreou nos pressupostos indicados no art. 413 do Código de Processo Penal.
Noutro giro, quanto ao pleito subsidiário de afastamento da qualificadora constante no inciso IV, do § 2º, do art. 121, do Código Penal, existem fundados indícios de que o homicídio tenha sido cometido também por motivo torpe, pautado no ciúme que o Recorrente tinha em relação à vítima, notadamente ao se observar o Inquérito Policial (fls. 5/17).
Desta forma, o Magistrado singular, ao especificar a qualificadora, nos termos do art. 413, § 1º do Código de Processo Penal, deveria também considerar o inciso I (motivo torpe), como dito alhures.
No particular, em momento oportuno, igualmente caberá a análise da incidência da qualificadora por parte do Tribunal do Júri, em face da sua competência constitucional, que não deve, aqui, ser usurpada.
Nesse sentido, é firme o entendimento jurisprudencial:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MEIO CRUEL. DECISÃO DE PRONÚNCIA. DECOTE DA QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que somente devem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes ou sem nenhum amparo nos elementos dos autos, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal do Júri. No presente caso, constata-se que a conduta descrita é suficiente para determinar que o Conselho de Sentença se manifeste a respeito da incidência ou não da qualificadora referente ao meio cruel, não havendo que falar em ausência de fundamentação. 2. "A discussão acerca de fatos incontroversos constantes das decisões das instâncias ordinárias não configura o revolvimento fático-probatório, vedado pela Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça" (AgRg no REsp n. 1.935.486/SC, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/9/2021, DJe 20/9/2021). 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 1948352/MG, Sexta Turma, Relator Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021).
Assim, considerando que a decisão de pronúncia revela um juízo de prelibação bem fundamentado quanto à materialidade e autoria delitivas, bem como a competência natural do Tribunal do Júri para analisar o mérito da ação penal, não merece acolhida a última razão do recurso, seja quanto ao seu pedido principal, seja quanto ao requerimento subsidiário.
Do exposto, VOTO no sentido de REJEITAR a PRELIMINAR suscitada e, no mérito, CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Acusado, bem como CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, a fim de reformar a sentença de pronúncia vergastada que rejeitou a qualificadora prevista no art. 121, §2º, inciso I do Código Penal, em face de JACKSON OLIVEIRA SANTOS, devendo ser este submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, pelos dois homicídios, nos termos do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal.
É como voto.
Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal 2ª Turma do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, 31 de maio de 2022.
DESEMBARGADOR BALTAZAR MIRANDA SARAIVA
RELATOR
BMS05