Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0003990-52.2024.8.05.0063
Processo nº 0003990-52.2024.8.05.0063
Recorrente(s):
ERICA MARIA LIMA DOS SANTOS

Recorrido(s):
BANCO BRADESCO S A




(EMENTA)      

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INSCRIÇÃO NO SISBACEN/SCR. NATUREZA DE CADASTRO DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DA CONSUMIDORA. DEVER DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA INSCULPIDO NO ART. 13, RES. 5.037/2022 DO CMN. INADIMPLÊNCIA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS NO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado que julgou improcedentes os pedidos da exordial.

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Cinge-se a demanda acerca da inscrição dos dados da parte autora no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR) sem a notificação prévia pelo banco acionado.

Nessa linha, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o SCR tem caráter restritivo e equivale a inscrição em órgão de restrição do crédito, já que constitui ferramenta utilizada para negar ou conceder crédito, conforme foi reconhecido no julgamento do Recurso Especial nº 845317/RS pelo STJ sendo passível de indenização, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO NO SISBACEN/SCR. DANO MORAL. Em princípio, a informação do Sisbacen/SCR equivale a inscrição em órgãos de proteção ao crédito, tendo em vista que se constitui de uma ferramenta utilizada para negar ou conceder crédito aos seus clientes. Quando do julgamento do Recurso Especial Nº 845317/RS, o STJ firmou a tese de que o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil (SCR/SISBACEN) equivale aos cadastros de inadimplentes de natureza privada, tais como SPC, SERASA e afins. não caracterizado. Sendo indevida a manutenção da inscrição do nome da parte autora no cadastro restritivo, é caso de dano moral puro, passível de indenização, o qual independe de comprovação do dano efetivo. Dano in re ipsa. O valor do dano moral deve ser estabelecido de maneira a compensar a lesão causada em direito da personalidade e com atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Quantum mantido. Apelos não providos. ( Apelação Cível Nº 70080994387, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 30/05/2019). (TJ-RS - AC: 70080994387 RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Data de Julgamento: 30/05/2019, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/06/2019)

Assim, a obrigação de prévia notificação do devedor antes de proceder à inscrição, insculpida no verbete da Súmula 359 do STJ, aplica-se tanto aos cadastros de proteção ao crédito tradicionais, como ao SCR.

    Esse mesmo Tribunal da Cidadania, ao tratar do SCR, tem reiteradamente decidido que, no caso do SISBACEN (Sistema de Informações de Créditos), as informações fornecidas pelas instituições financeiras afiguram-se como restritivas de crédito, em razão desse sistema de informação avaliar a capacidade de pagamento do consumidor de serviços bancários (REsp nº 1.099.527/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 24/09/2010), sendo das instituições financeiras a responsabilidade pela comunicação prévia aos devedores e, portanto, para a realização da exclusão e o dever de indenizar em casos de inscrição indevida em cadastros ou sistemas que compõem o SISBACEN. (RECURSO ESPECIAL Nº 1811531 - RS (2019/0119833-9; e.g. REsp 1.346.050/SP; REsp. 1.744.114/PI; AgRg no REsp 1.183.247/MT; AREsp 899.859/AP).

    Seriam, pois, as instituições financeiras, na conformidade dos julgados suso mencionados, as únicas fornecedoras de informações ao SCR, sendo inviável exigir do Banco Central que comunique previamente uma ação de registro da qual só tem conhecimento após sua efetivação.

Ademais, verifica-se que tal dever de comunicação prévia está insculpido na Resolução nº 5.037 de 29 de setembro de 2022 do Conselho Monetário Nacional, que revogou a Resolução nº 4.571/2017, nos seguintes termos:

 "Art. 13. As instituições originadoras das operações de crédito ou que tenham adquirido tais operações de entidades não integrantes do Sistema Financeiro Nacional devem comunicar previamente ao cliente que os dados de suas respectivas operações serão registrados no SCR."

Ainda nesse sentido:

“(...)Assentou-se, pois, a responsabilidade da instituição financeira para a realização da exclusão e o dever de indenizar em casos de inscrição indevida em cadastros ou sistemas que compõem o SISBACEN (e.g. REsp 1.346.050/SP ; REsp. 1.744.114/PI; AgRg no REsp 1.183.247/MT ; AREsp 899.859/AP ).

(...)

Ademais, é de se ressaltar a inviabilidade fática existente para que o Recorrente cumpra o dever de notificar previamente o cliente da instituição financeira acerca da inclusão de seus dados no SISBACEN. A inclusão é promovida por cada uma das instituições financeiras credoras, que compõem o Sistema Financeiro Nacional, não sendo viável ao BACEN o acesso prévio à informação a fim de promover a indigitada notificação antecedente, cuja ausência lhe rendeu a condenação pelo acórdão recorrido.

(...)

Nesse sentido, aplicar-se-ia, por analogia, a Súmula 572/STJ: “O Banco do Brasil, na condição de gestor do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar previamente o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco legitimidade passiva para as ações de reparação de danos fundadas na ausência de prévia comunicação”. (...)”(STJ - REsp: 1626547 RS 2016/0244129-9, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 06/04/2021, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/04/2021)

 

“(...) o que se pode concluir é que a função desempenhada pelo BACEN, na qualidade de gestor do SCR, é de interesse público relevante e sem intuito de obtenção de lucros, mas sim de proteção de todo o sistema financeiro, através do monitoramento e avaliação da carteira de créditos das instituições financeiras. Portanto, mostra-se equivocada a comparação entre esta função do BACEN por intermédio do SCR e a função, de interesse predominantemente privado, de um serviço de proteção ao crédito comercial, com intuito de obtenção de lucro, como é o caso do SPC e do SERASA. (...) Desse modo, conclui-se que não é possível imputar ao BACEN a responsabilidade, prevista no artigo 43, §2º, do CDC, por notificar previamente a pessoa física ou jurídica quando de sua inclusão no SCR, uma vez que esta obrigação incumbe à instituição financeira que alimentou o sistema do BACEN com os dados de seus consumidores. Assim, não há falar em legitimidade passiva do Banco Central do Brasil para responder por danos resultantes da ausência de notificação prévia de pessoa física ou jurídica acerca de sua inclusão no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR). (AgInt no REsp 1.485.721-RS, Dje 05.02.2020, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES )”

Nessa esteira, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.626.547 - RS (2016/0244129-9), a relatora Ministra Regina Helena Costa ressaltou:

“[...] é de se ressaltar a inviabilidade fática existente para que o Recorrente cumpra o dever de notificar previamente o cliente da instituição financeira acerca da inclusão de seus dados no SISBACEN. A inclusão é promovida por cada uma das instituições financeiras credoras, que compõem o Sistema Financeiro Nacional, não sendo viável ao BACEN o acesso prévio à informação a fim de promover a indigitada notificação antecedente, cuja ausência lhe rendeu a condenação pelo acórdão recorrido. [...] Isso considerado, forçoso reconhecer que, ante o papel de gestor do SISBACEN, de natureza pública e distinto dos cadastros privados como o SERASA e o SPC, que auferem lucros com o cadastramento dos inadimplentes, o Banco Central do Brasil é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação manejada, na origem, pelo ora Recorrido [...]

Na presente demanda, a ré não apresentou o contrato firmado entre as partes, assim, não foi possível constatar a existência de informação de que os dados sobre operações de crédito seriam compartilhados com o Banco Central do Brasil, que serviria de comunicação prévia ao cliente acerca do registro de seus dados.

No entanto, a parte acionada não questiona a existência do débito e ausência da relação jurídica.

Bem como, na certidão apresentada aos autos consta a inscrição até 09/2020, não consta qualquer informação do Banco réu nos meses posteriores, tendo a parte autora ingressado com a ação apenas em 04/07/2024

Entrementes, com o devido respeito, não há nos autos falha na prestação de serviços da instituição financeira, além da mesma já ter efetuado a exclusão do registro.

Explica-se.

Sabe-se que o sistema administrado pelo BACEN – Banco Central do Brasil é de uso compulsório pelas instituições financeiras, conforme a Resolução nº 3.658/2008 editada por aquele primeiro, que disciplina o Sistema de Informações de Crédito, ato normativo editado em consonância com os arts. 9º e 10º da Lei 4.594/64 e art. 1º, § 3º, da LC 105/2001

Assim, o envio de informações relativas a operações de crédito ao Banco Central não é uma faculdade das instituições financeiras, mas sim uma obrigação, tendo em vista que estas devem enviar tais informações para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício das atividades de fiscalização inerentes ao BACEN, assim como para propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras.

Para que se configure o dever reparatório por prejuízo extrapatrimonial nesses casos, se faz necessária a comprovação objetiva de ofensa ao acervo psicológico e/ou aos direitos da personalidade da pretensa vítima, que não pode ser presumida a partir do simples registro quanto à existência de obrigações a serem cumpridas.

Inexiste dano moral in re ipsa a ensejar a sua reparação. É dizer, a simples inserção do nome do consumidor em tal plataforma não gera o direito à reparação, sendo necessário a prova cabal da situação que configure dano moral.

Logo, ausente a demonstração inequívoca de que houve negativa de crédito no caso concreto ou da utilização do "credit score" fora dos limites estabelecidos na tese fixada pelo STJ, no Tema 710, abaixo transcrito, resta evidente o não cabimento dos danos morais.

Tema Repetitivo 710

I - O sistema "credit scoring" é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito).

II - Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).

III - Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011.

IV - Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas.

 V - O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema "credit scoring", configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.

Pelas razões expostas e tudo mais constante dos autos, julgo no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se a sentença em todos os seus termos.

Condeno o Recorrente em custas processuais e honorários advocatícios no importe de 20% sobre o valor da causa,ficando a exigibilidade suspensa, contudo, por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.

Salvador, data e hora registradas no sistema.
 
CLAUDIA VALERIA PANETTA
JUÍZA RELATORA