PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
Processo nº: 0157460-03.2021.8.05.0001
Classe: RECURSO INOMINADO
Recorrente: ISABELA SILVA DE SALES
Recorrido: CNK ADMINISTRADORA DE CONSORCIO LTDA e ZENITH NEGOCIOS IMOBILIARIOS
Origem: 6ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO)
Relatora: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE
E M E N T A
RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI e XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC). CONSUMIDOR. CONSÓRCIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO EM RAZÃO DO VALOR DA CAUSA. CONTRATO DE CONSÓRCIO SUPERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. O CRITÉRIO QUE DEFINE O VALOR DA CAUSA É A PRETENSÃO ECONÔMICA BUSCADA PELO ACIONANTE E NÃO O VALOR DO CONTRATO. PEDIDOS QUE NÃO ULTRAPASSAM O TETO DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. APLICABILIDADE DO ART. 1.013, §3°, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CAUSA MADURA. PLEITO AUTORAL DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS ANTE O PEDIDO DE CANCELAMENTO DO CONSÓRCIO. HIPÓTESE DE DESISTÊNCIA. CONTRATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.795/2008 (06.02.09). CONTRATO NOVO. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA TURMA PARA UNIFORMIZAR A TESE DAS DEMAIS TURMAS SOBRE A VEDAÇÃO DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA DOS VALORES PAGOS PELO CONSORCIADO DESISTENTE. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE RECONHECE O DIREITO A RESTITUIÇÃO SOMENTE APÓS 30 DIAS CONTADOS DA DATA PREVISTA PARA O ENCERRAMENTO DO GRUPO OU MEDIANTE CONTEMPLAÇÃO POR SORTEIO. APLICAÇÃO DO ART. 12 DOS CONSÓRCIOS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS SOMENTE APÓS O ENCERRAMENTO DO GRUPO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos, etc.,
Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado, cujo dispositivo transcrevo in verbis:
“Isto posto, com fundamento no art. 3º, I, da Lei nº. 9.099/95, JULGO EXTINTA, sem resolução de mérito, a presente queixa, em razão da incompetência absoluta desse Juízo.”
Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço.
O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XI, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente às matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Na origem, aduz a parte autora que firmou contrato de consórcio para aquisição de bem imóvel no valor de R$145.000,00 (...) junto a ré, sem consciência das cláusulas justapostas, tendo realizado o pagamento de R$8.365,49(...), sendo-lhe prometido que iria ser contemplada imediatamente. Alega que após descobrir que não haveria a referida contemplação, tentou o cancelamento do consórcio, momento em que foi informada que só receberia o valor investido após finalização do grupo, ou seja, após 180 meses (15 anos), pelo que entende cabível a rescisão contratual com a devolução do valor pago, além de danos morais.
A sentença entendeu pela extinção do feito sem resolução do mérito, em razão da incompetência dos Juizados, em razão do valor da causa.
Em recurso (ev. 97), a parte autora sustenta que o valor pleiteado não ultrapassou o valor de alçada de 40 salários mínimos, e requer a procedência dos pedidos para declarar a rescisão contratual com a devolução da quantia paga, corrigida, além de danos morais.
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
A sentença recorrida carece de reforma, sendo o caso de afastar a incompetência declarada pelo juízo a quo em razão do valor da causa, uma vez que a soma dos pedidos de dano material e moral descritos na inicial são líquidos e não ultrapassam o teto de 40(…) salários mínimos, se adequando, portanto, ao rito dos juizados.
Pontue-se que, muito embora a parte requeira a rescisão contratual de contrato firmado no valor de R$ 145.000,00(…), o critério que deve permear o valor da causa é o da pretensão econômica buscada pelo Demandante, e não o valor do contrato. Nesse sentido, é o entendimento do STJ:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. VALOR DA CAUSA. PROVEITO ECONÔMICO PLEITEADO. PRECEDENTES. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. É firme a jurisprudência desta Corte Superior de que o valor atribuído à causa deve corresponder ao proveito econômico pretendido na demanda. Precedentes.
3. A decisão agravada, partindo da moldura fática delineada pelo acórdão recorrido, aplicou os precedentes que consagram o valor do proveito econômico almejado pela ação como o critério para atribuição do valor da causa no caso concreto, o que não constitui, contrariamente ao sustentado pela S.M. ENGENHARIA, reexame de matéria de fato ou, nas palavras da agravante, usurpação da competência das instâncias ordinárias.
4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.
5. Agravo interno não provido. ( STJ, AgInt no REsp 1859772/MA, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 23/04/2020.)
Nesse diapasão, equivoca-se o julgador ao proferir sentença extintiva por incompetência absoluta da matéria, porquanto, in casu, não há como afastar a competência dos Juizados Especiais do Consumidor para conhecer e julgar a presente demanda. Assim, superado o entendimento da incompetência em razão do valor da causa, verifico a possibilidade de julgamento imediato da lide.
Dispõe o artigo 1013, § 3º, I do NCPC, que nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, a instância revisora pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. É o caso dos autos.
Adentrando no mérito e da análise dos autos revela cuidar-se a hipótese de desistência do consórcio, cuja matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, no sentido de, em casos de consórcios novos, ou seja, posteriores à vigência da Lei 11.795/2008, somente cabe a devolução de valores ao consorciado desistente por ocasião do encerramento do grupo, em até trinta dias a contar do prazo contratual para o encerramento do plano.
Consoante apontado, tal matéria encontra-se consolidada neste Colegiados, conforme precedentes nº 0002244-70.2019.8.05.0146, 0013479-89.2019.8.05.0063, 0221024-24.2019.8.05.0001, 0165579-84.2020.8.05.0001, 0064071-61.2021.8.05.0001, 0101469-42.2021.8.05.0001, dentre outros.
Este também é o entendimento já manifestado pelo STJ, conforme julgou a Segunda Seção no RESP. 1.119.300/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (CPC/1973, art. 543-C): "é devida a restituição de valores vertidos por consorciado desistente ao grupo de consórcio, mas não de imediato, e sim em até trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do plano", aplicam-se aos contratos celebrados na vigência da Lei 11.795/2008. 3. Hipótese, ademais, em que o interessado aderiu, em dezembro de 2009, a grupo de consórcio iniciado antes da entrada em vigor da Lei 11.795/2008. 4. Reclamação procedente.”
Pelas razões expostas e tudo mais constante dos autos, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para reformar a sentença vergastada, de modo a afastar a preliminar de incompetência absoluta do Juízo e, no mérito, julgar improcedentes os pedidos contidos na inicial.
Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios em face da sucumbência parcial.
BELA. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE
Juíza Relatora