Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0004124-47.2019.8.05.0001
Processo nº 0004124-47.2019.8.05.0001
Recorrente(s):
UBER DO BRASIL LTDA

Recorrido(s):
JOSUE FERREIRA DE SANTANA




EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO POR APLICATIVO. UBER. PRETENSÃO DA PARTE AUTORA DE REINTEGRAÇÃO À PLATAFORMA DA QUAL FOI EXCLUÍDO, POR RECLAMAÇÕES DE PASSAGEIROS. SENTENÇA QUE ORDENOU A REINTEGRAÇÃO E RESTABELECIMENTO DA PARCERIA, SEM CONCEDER DANOS MORAIS OU MATERIAIS INDENIZÁVEIS. RECURSO DA DEMANDADA PUGNANDO PELA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE.  DESLIGAMENTO DO AUTOR SE RESPALDA NA VERIFICAÇÃO DE MAU USO DA PLATAFORMA E DE DIVERSAS RECLAMAÇÕES DOS PASSAGEIROS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE MANUTENÇÃO AD ETERNUM DA PARCERIA, OU DE ILEGALIDADE NA RECUSA DE REINTEGRAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. CONDUTA ILÍCITA NÃO EVIDENCIADA. DANOS MORAIS OU MATERIAIS INOCORRENTES. SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o Recorrente, UBER DO BRASIL LTDA pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOu PROCEDENTE, PARCIALMENTE, a pretensão deduzida pelo Autor JOSUÉ FERREIRA DE SANTANA, para, resgatando a função social do contrato envolvido, ordenar à Requerida UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. que, no prazo cinco dias, restabeleça a parceria comercial firmada com o Autor, permitindo-lhe utilizar a plataforma tecnológica Uber nos termos pactuados, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a dez dias, após o que, se ineficaz a cominação, serão adotadas outras providências para tornar operante o comando judicial, ficando indeferido o pedido de indenização por danos materiais e morais, pelas mesmas razões aqui apresentadas, resolvendo o mérito do litígio, com fundamento no art. 487, I, do CPC.

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

 

VOTO

 

No mérito, alega a parte autora que que foi desativado da plataforma do acionado. Narra que contando com cerca de 1 (um) ano na atividade de prestação de serviço de transporte através da plataforma UBER, realizou cerca de1.398 viagens durante esse tempo, e a atividade de transporte acabou se tornando sua única fonte de renda. Relata que trabalhava uma média de 30 horas semanais no aplicativo, e que não possui outra atividade laborativa. Prossegue advertindo que no decorrer das últimas viagens a mesma recebeu cerca de 480 qualificações 5 estrelas num total de 500 (quinhentas) avaliações (Motorista nota 4.80). Ocorre que, no dia 22/07/2018, sem qualquer notificação prévia, o autor foi indevidamente excluído do aplicativo, sendo informado que a Uber revisou a sua conta e resolveu não prosseguir com a ¿parceria¿, pois foram descumpridos os Termos e Condições do aplicativo, alegando que nunca ocorreu. Que não foi franqueado o Direito de se defender, de contar sua versão sobre qualquer fato que lhe fora imputado; apenas garantiram-lhe a punição, a sumária exclusão da atividade que garantia sua subsistência e da sua família. Pugnou pela reintegração à plataforma e recebimento de danos morais e materiais.

 

A sentença foi de PARCIAL PROCEDÊNCIA, na forma acima apresentada, com RECURSO DA UBER ao argumento de que o Recorrido possui uma conta de motorista, ativada em 14/11/2017 e desativada em 22/07/2018, em decorrência de reincidentes reclamações de usuários referentes a condutas inapropriadas. Que é necessário e indispensável acompanhar a qualidade dos serviços prestados pelos motoristas, por meio de um sistema de avaliação sobre o serviço prestado pelo motorista, o qual contribui com a segurança dos usuários que utilizam o aplicativo, e está previsto nos Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital. Que também é necessária uma avaliação mínima e compatível com a qualidade do serviço que a plataforma pretende manter para os seus usuários. Que em 10/03/2018, uma reclamação de um usuário, relatando conduta extremamente inapropriada do Recorrido durante uma viagem, que a deixou com medo e constrangida (ev. 61, pág. 06). E no dia 22/07/2018 a Uber recepcionou uma nova reclamação, realizada por outro usuário, se queixando acerca das posturas inadequadas do Recorrido, que o motorista assediou a passageira, dizendo que só abriria a janela do carro se a mesma ficasse com ele. ev. 61, pág. 07). Dentre outras reclamações de fazer um percurso bem mais longo, para angariar mais dinheiro pela viagem. Alega liberdade contratual e violação dos termos e condições de uso. Pugnando ao fim pela improcedência da ação.

 

Pois bem.

 

Recurso próprio, regular e tempestivo. Pretensão de que a ré reintegre o autor no sistema de motoristas do aplicativo Uber, bem como de indenização por danos morais e materiais. O recurso é da UBER visando a improcedência do pedido.

 

Estabelece os termos e Condições, que qualquer das partes poderá terminar o contrato sem motivo, a qualquer momento, sem notificação prévia, no caso de descumprimento do contrato. A notificação do apelado era prescindível, seja pela sua expressa dispensa, a teor do que dispõe o contrato, ou em razão da discricionariedade que se extrai do termo, na hipótese de não atingimento da média mínima.

 

Não obstante tais fundamentos constata-se que o apelado foi notificado, tanto por e-mail, quanto por SMS, consoante extrato de avaliação juntado no corpo da contestação e do recurso. Além disso, o apelado, não se desincumbiu de demonstrar a ilegalidade ou o abuso das referidas cláusulas, pelo que, não estão eivadas de vícios capazes de corroborar a pretensão autoral.

 

Ademais, incide na hipótese, o princípio da autonomia do contrato previsto no art. 421 do CC, segundo o qual ¿A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato¿, bem como os princípios da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, conforme dispostos no parágrafo único do mesmo artigo.

 

Em que pesem as razões do recorrido, acolhidas parcialmente pela sentença, verifica-se que os motivos que ensejaram a sua exclusão se deram em razão de baixa avaliação prestada pelos usuários. Uma nota 4.80 não é considerada exemplar, conforme narra a parte autora em seu depoimento. FORA O FATO DE QUE FOI DENUNCIADO POR ASSÉDIO E POR CONDUTAS INAPROPRIADAS POR DIVERSAS E DIVERSAS VEZES.

 

Em razão do princípio da livre iniciativa e liberdade de mercado (art. 170 da Constituição Federal), não é possível impor a reintegração do autor no sistema de motoristas do aplicativo réu, quando não há interesse na preservação do vínculo. A própria Política de desativação estabelece as regras para que o motorista permaneça habilitado na plataforma. No caso, o desligamento do autor se respalda na verificação de mau uso da plataforma, com diversos exemplos de uso inadequado, conforme restou demonstrado.

 

Ressalte-se, também, que, salvo demonstração em contrário, os contratos se presumem paritários e simétricos, nos termos do art. 421 ¿ A do CC[2]. Assim, a vista destes fundamentos, não existe direito a reintegração do autor à intermediação digital prestada pelo recorrente, em razão da baixa avaliação no exercício da atividade pontuada pelos usuários.

 

Diante da verdade formal colhida, não se verifica abuso no descredenciamento do autor à plataforma digital. Não tendo o autor cumprido os requisitos para manutenção de seu acesso ao aplicativo, em razão de sua reiterada conduta, e tendo em vista a gravidade das reclamações dos usuários, tem-se que a ré agiu de forma regular.

 

A jurisprudência é uníssona em prever essa possibilidade:

 

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL PARA SERVIÇOS UBER. CANCELAMENTO DA CONTA. O contrato de intermediação digital em que o motorista presta serviços de transporte de passageiros e a ré fornece as solicitações de viagem pelos Serviços da UBER não é de consumo, tampouco de trabalho, submetendo-se ao regime jurídico comum do Código Civil. Com a demonstração de que o motorista utilizou sua conta UBER indevidamente, fazendo mau uso do aplicativo, resta caracterizado o descumprimento contratual e a licitude do cancelamento de sua conta junto ao UBER, uma vez que a empresa não é obrigada a manter como parceiro quem utiliza a sua plataforma tecnológica de forma inadequada. (TJ-DF 20160111270123 DF 0037089-29.2016.8.07.0001, Relator: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 08/11/2017, 6ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/11/2017)

 

APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA - INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO - AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE - PLATAFORMA UBER - DESCUMPRIMENTO PELO MOTORISTA DE REGRAS CONTRATUAIS - RESCISÃO LEGÍTIMA - AUSÊNCIA DO DEVER DE REINTEGRAR E INDENIZAR. - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação 1003903-66.2018.8.26.0011; Relator (a): Eduardo Siqueira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2018; Data de Registro: 27/09/2018)

 

Sendo assim, o s violação a direito da personalidade a ensejar a pretendida indenização. Do fato narrado na inicial não se extrai a ocorrência do dano ¿in re ipsa¿. Se tivesse realmente o autor, em decorrência dos fatos, experimentado abalo incomum, deveria ter relatado melhor e demonstrado os prejuízos morais advindos da situação.

 

Desse modo, tem-se que, ainda que o autor não tivesse apresentado comportamento contrário aos termos contratuais e ao Código de Conduta da ré, esta teria a liberdade de encerrar o vínculo entre as partes. Aliás, as duas partes dispõem desta liberdade, uma vez que o preenchimento dos requisitos e condições não resulta em direito líquido e certo de contratação (e manutenção desta).

 

Ora, caso contrário, uma vez que o indivíduo se tornasse parceiro da ré este não estaria mais liberado para abandonar o quadro e seguir outro rumo profissional, em uma eternização da parceria. Ainda, aniquilar-se-ia a possibilidade de construção de ambientes meritocráticos: os contratantes seriam obrigados a manter contratos independentemente do desempenho apresentado pela outra parte.

 

Com isso, rejeito a pretensão da Recorrente, já que não se observou a prática de qualquer ato ilícito ensejador do dever de indenizar ou de reintegrá-lo à plataforma.

 

Ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a sentença de primeiro grau e JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. Custas já recolhidas, sem condenação em honorários advocatícios, por ausência de recorrente vencido.

 

Salvador, Sala das Sessões, 02 de junho de 2020.

 

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, PAULO CÉSAR BANDEIRA DE MELO JORGE, ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA e ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a sentença de primeiro grau e JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO. Custas já recolhidas, sem condenação em honorários advocatícios, por ausência de recorrente vencido.

 

Salvador, Sala das Sessões, 02 de junho de 2020.

 

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

 

 

ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA

Juiz Presidente



[1]              Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

[2] Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)  I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)