Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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PROCESSO Nº 0158981-51.2019.8.05.0001 

CLASSE: RECURSO INOMINADO

RECORRENTE: DAYANE JAMILLE CARNEIRO DOS SANTOS

RECORRIDO(A): JUSSILVIO QUEIROZ PENA

ORIGEM: 7ª VSJE DE CAUSAS COMUNS (MATUTINO)

JUIZ(A) RELATOR(A): RENATA MIRTES BENZANO DE CERQUEIRA

RELATORA: JUÍZA CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO


EMENTA


RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. CÓDIGO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OFENSAS PROFERIDAS PELO RÉU EM REDES SOCIAIS CONTRA A AUTORA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXCEDIDA. RECONHECIMENTO DA DIFAMAÇÃO EM PROCESSO ELEITORAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. HONRA E IMAGEM VIOLADOS. REFORMA DA SENTENÇA PARA FIXAR DANOS MORAIS CONFIGURADOS NA HIPÓTESE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA AUTORA.


Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95.

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que a Recorrente DAYANE JAMILLE CARNEIRO DOS SANTOS pretende a reforma da sentença lançada nos autos que julgou improcedentes seus pedidos em face do Recorrido JUSSILVIO QUEIROZ PENA.

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma.

VOTO


Declara a Autora que é Presidente da Comissão Provisória Estadual do Partido Social Liberal - PSL do Estado da Bahia, além de ter sido eleita com mais de 130.000 (cento e trinta mil) votos ao cargo de Deputada Federal pelo Estado da Bahia, na Eleição de 2018, compondo, aquela época, a coligação Renova Bahia (31-PHS / 23-PPS / 28-PRTB / 17-PSL).

Segue narrando que no dia 18.09.2018 tomou conhecimento de que o Requerido estava postando vários textos e vídeos em seus perfis das redes sociais Facebook, Instagram e Youtube, além de impulsionando em grupos de Whatsapp diversas acusações irresponsáveis, infundadas e criminosas, com o especial objetivo: a divulgação de propaganda eleitoral negativa em seu desfavor e da Coligação Renova Bahia, o que desaguou em gravíssimas ofensas contra a sua honra objetiva e subjetiva.

Aduz, ainda, que, em sede de Justiça Eleitoral, em virtude de tais ataques, também foi ingressado processo de Representação de nº 0603379-23.2018.6.05.0000, em que o pleito foi acolhido pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia e a sentença foi procedente no que diz respeito à exclusão dos vídeos e ao arbitramento de multa eleitoral. Assim, requer a condenação do réu a excluir os vídeos e postagens objeto da lide, indenização pelos danos morais sofridos e direito de resposta, além de retratação pública do Requerido.

O Demandado, em sua contestação, suscita preliminares de incompetência do juízo e conexão/coisa julgada. No mérito, aduz que a Autora falseou a verdade dos fatos, vez que, conforme é conhecimento de todos, em razão da grande divulgação da mídia, o Partido Social Liberal, do qual a Demandante é Presidente estadual, vem sendo investigado por conta de candidaturas falsas, ficando conhecido como candidaturas ¿laranjas¿.

Sustenta que em momento algum ofendeu a Autora, recriminando apenas a conduta da mesma na qualidade de Presidente Estadual do Partido Social Liberal, pois ela prejudicou inúmeros candidatos para obter vantagem individual.

Destaca que foi uma das pessoas prejudicadas, pois havia investido na sua candidatura e por conta das exclusões promovidas pela Autora, acabou não sendo candidato. Pugna pela improcedência da demanda e, em pedido contraposto, requer a condenação da autora em danos morais e em litigância de má fé (evento 78).

Analisando os autos, verifica-se que as declarações do Recorrido em relação à Autora através de redes sociais tornaram-se incontroversas, as quais merecem transcrição, senão vejamos:


Minuto 1:07 (vídeo evento 17): ¿Até a verba de 210 milhões que veio do Partido, vocês podem entrar no site do TSE, eu vou deixar o link pra vocês, todo destinado a ela¿;

Minuto 1:19 (vídeo evento 17): ¿Ela derrubou a minha candidatura juntamente com o de todos¿;

Minuto 11:42 (vídeo evento 17): ¿Luiza Campos ela excluiu. 14 ¿ Leila Nunes ela excluiu. 15 ¿ Joscilente da Cruz ela excluiu. 16 ¿ Juliana Campos ela excluiu. 17 ¿ Camila Chaves ela excluiu;

Minuto 14:08 (vídeo evento 17): ¿Tire os votos dela e vote em mim. (...) POR ISSO QUE O NÚMERO DELA É 1717, JÁ FICA 171. JÁ TÁ TUDO CERTINHO. ELA É 7 VEZES 171¿;

Minuto 15:00 (vídeo evento 17): ¿Mas o nosso capitão Jair Bolsonaro, o filho dele, escrivão da polícia federal Eduardo Bolsonaro já tão sabendo quem é você. Quem é a PILANTRA QUE A SENHORA É¿;

Minuto 0:15: ¿A senhora Dayane Pimentel, do partido PSL, que é o nosso partido, o partido de Bolsonaro, destruiu o exército do capitão. Ela reduziu de 18 candidatos federais para 3. De 34 estaduais para 14. Ela quer botar nosso capitão na frente de batalha sozinho para ser morto e esmagado¿;

Minuto 3:05: ¿Ah, professor você está fazendo isso para acabar com a campanha dela. Não! Vote em qualquer candidato só não vote nela. Não deixe o nosso capitão estar cercado de inimigos. Não deixe o nosso Messias ter um Judas lá que vai matar ele. Então é isso que vai acontecer¿;

Minuto 4:13: ¿Agora tire essa mulher que ela é uma comunista infiltrada. Se prepare: ela está lá para apunhalar o nosso capitão¿.


A Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso X, dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Sabe-se, ainda, que a mesma Constituição garante a liberdade de expressão, vedando o anonimato (art. 5º, IV).

 Tem-se assim, de plano, que se garante a liberdade de expressão, mas essa deve ser moderada em virtude da inviolabilidade da honra, imagem e vida privada das pessoas.

 Verifica-se que Autora apresentou robusto acervo probatório que confere verossimilhança às suas alegações, trazendo aos autos os vídeos das postagens realizadas pelo Recorrido em redes sociais (Facebook, Instagram e Yutube), conforme evento 17.

Neste ponto, observa-se que o comportamento impugnado contém informações, expressões e frases que, sem sombra de dúvida, extrapolam o direito à liberdade de expressão e, para além de uma cobrança vexatória, adentram na esfera pessoal e íntima da parte autora, ferindo sua dignidade.

 Ressalte-se que embora a parte ré afirme que sua conduta seria mera alusão expressa a matérias jornalísticas veiculadas sobre o tema, é cristalino que seus atos ultrapassaram o bom senso, e, inclusive, a urbanidade que se espera de todos os cidadãos nas suas ações em sociedade.

Ademais, conforme demonstrado pela Recorrente (eventos 01 e 104), restou comprovado, nos autos da Representação 0603379-23.2018.6.05.0000, que tramitou na Justiça Eleitoral, o cunho difamatório das alegações do Recorrido em seu desfavor.


Assim, tal comportamento gerou na parte autora um sentimento de dor, já que a ninguém é dado tratar os demais de forma ofensiva aos atributos de sua personalidade, principalmente num contexto aberto e público, como o das redes sociais.

 Sendo assim, configurado então o dano, a conduta e o nexo, caracteriza-se a responsabilidade civil, devendo responder pelo ato ilícito cometido, de acordo com o art. 927 do CC.

 A jurisprudência é ampla neste sentido:

 

TJ-RS - Apelação Cível AC 70070275318 RS (TJ-RS) Data de publicação: 10/11/2016 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVL. REDE SOCIAL FACEBOOK. OFENSA. DANO MORAL. A relação entre as pessoas deve ser pautada pelo respeito e urbanidade. Na hipótese dos autos, o réu ofendeu o autor, de maneira séria e grave. A existência de prévio conflito que não justifica o proceder do agente. Presentes os requisitos do art. 186 do CC. O ato praticado contra a dignidade da pessoa deve ser reparado. O dano moral deve ser estabelecido com razoabilidade, de modo a servir de lenitivo ao sofrimento da vítima. Devem, ainda, ser levados em consideração os dados concretos dos autos. Valor reduzido. Apelo do réu provido em parte. Apelação do autor não provida. (Apelação Cível Nº 70070275318, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 03/11/2016).

 

TJ-RS - Recurso Cível 71004312476 RS (TJ-RS) Data de publicação: 17/10/2013 Ementa: INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. OFENSAS E DIFAMAÇÃO. REDES SOCIAIS. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. Provadas as ofensas e a difamação da autora perpetradas pelo requerido, resta caracterizado os danos morais. Quantum indenizatório fixado na sentença (R$1.500,00) que não comporta modificação. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. RECURSOS DESPROVIDOS. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71004312476, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 15/10/2013).


Na situação em análise, a parte autora não precisava fazer prova da ocorrência efetiva dos danos morais decorrentes dos fatos descritos. Os danos dessa natureza se presumem, não havendo como negar que, em razão do evento, ela sofreu angústia, desconforto, e sensação de impotência, sentimentos que se instalariam em qualquer indivíduo.

Com isso, atendendo às peculiaridades do caso, entendo que emerge a quantia de R$5.000,00 (-), como o valor próximo do justo, a qual se mostra capaz de compensar, indiretamente, os sofrimentos e desgastes emocionais advindos à Recorrente, e trazer a punição suficiente ao agente causador.

Assim sendo, ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente DAYANE JAMILLE CARNEIRO DOS SANTOS para, reformando a sentença guerreada, fixar indenização pelos danos morais no importe de R$5.000,00 (cinco mil reais), com juros contados da citação e correção monetária a partir da prolação do acórdão, a ser paga pelo Recorrido JUSSILVIO QUEIROZ PENA.

Não se destinando a regra inserta na segunda parte do art. 55, caput, da Lei 9.099/95, ao recorrido, mas ao recorrente vencido, deixo de condenar o Recorrido ao pagamento de custas e honorários advocatícios.


Salvador, Sala das Sessões, de de 2022.


VALÉCIUS PASSOS BESERRA

Juiz Relator


ACÓRDÃO


Realizado julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a TERCEIRA TURMA decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente DAYANE JAMILLE CARNEIRO DOS SANTOS para, reformando a sentença guerreada, fixar indenização pelos danos morais no importe de R$5.000,00 (cinco mil reais), com juros contados da citação e correção monetária a partir da prolação do acórdão, a ser paga pelo Recorrido JUSSILVIO QUEIROZ PENA.

Não se destinando a regra inserta na segunda parte do art. 55, caput, da Lei 9.099/95, ao recorrido, mas ao recorrente vencido, deixo de condenar o Recorrido ao pagamento de custas e honorários advocatícios.


Salvador, Sala das Sessões, de de 2022.


VALÉCIUS PASSOS BESERRA

Juiz Relator