Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação:
Procedimento do Juizado Especial Cível
Recurso nº 0007222-35.2022.8.05.0001
Processo nº 0007222-35.2022.8.05.0001
Recorrente(s):
COELBA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Recorrido(s):
EDNA MACEDO DA SILVA ROMA



DECISÃO MONOCRÁTICA

 

RECURSO INOMINADO DA PARTE ACIONADA. O NOVO REGIMENTO DAS TURMAS RECURSAIS, RESOLUÇÃO No 02/2021, ESTABELECEU A COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA JULGAR MONOCRATICAMENTE MATÉRIAS COM UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OU ENTENDIMENTO SEDIMENTADO. DEMANDAS REPETITIVAS. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. CONSUMIDOR ALEGA QUE HOUVE PROCEDIMENTO UNILATERAL E ARBITRÁRIO DA COELBA PARA CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO MEDIDOR, O QUE CULMINOU EM COBRANÇA DE VALORES ESTIMADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ILEGALIDADE CONSTATADA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA APENAS PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.


A Resolução no 02, de 10 de fevereiro de 2021, que instituiu o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado da Bahia e da Turma de Uniformização da Jurisprudência, estabeleceu a competência do relator para julgar monocraticamente matérias com uniformização de jurisprudência ou entendimento sedimentado. No presente caso, a matéria narrada na exordial trata procedimento de suspensão do fornecimento de energia, procedimento de verificação de desvio de energia e danos in re ipsa, matéria que já se encontra sedimentada no entendimento que se expõe a seguir.

A parte autora ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por dano moral. Afirma que a COELBA, através de inspeção e procedimento unilateral, constatou irregularidade no seu medidor e aplicou multa.

Na contestação, a empresa acionada alega que procedeu de forma legal, e que a constatação da irregularidade autoriza a cobrança dos valores referentes ao período em que o medidor apresentou inconsistências.

A sentença foi proferida nos seguintes termos:

 ¨ Ante todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para:

i)             DECLARAR a nulidade do TOI, discutido nos autos, bem como, a inexigibilidade do respectivo débito, por indevido;

ii)           DETERMINAR que a requerida se abstenha de incluir (e, caso já o tenha feito, que exclua) os dados da parte autora em cadastro de inadimplentes, em razão do débito aqui declarado inexistente, bem como, DETERMINAR que a requerida restabeleça (caso ainda não o tenha feito) o fornecimento de energia elétrica da residência da parte autora, no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária no valor de R$100,00 (cem reais); 

iii)          DECLARAR, com base na documentação comprobatória, a abusividade da conduta da requerida, além da inexistência do desvio de energia;

iv)         CONDENAR a requerida a restituir a parte autora, no importe de R$ 5.109,32 (cinco mil cento e nove reais e trinta e dois centavos), valor já dobrado, nos termos do artigo 42 do CDC, à título de danos materiais, devendo incidir juros, na taxa de 1% ao mês, contados a partir da citação (art. 405 do CC), e correção monetária (pelo INPC) a partir do desembolso.

v)           CONDENAR a acionada a pagar à parte autora o importe de R$ 7.000 (sete mil reais), a título de danos morais, valor esse que deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, a partir da sentença, consoante enunciado 362 do STJ, e juros legais a contar da citação.¨

A preliminar de complexidade não merece ser acolhida, uma vez que as provas coligidas aos autos são suficientes à elucidação de todas as controvérsias.

Ao analisar os autos, verifica-se a pretensão deduzida na inicial merece ser acolhida.

É bem verdade que há oscilação no consumo de energia, para mais e para menos.

Também é verdade que a energia consumida e não faturada pode e deve ser cobrada.

Todavia no caso dos autos, não há como prosperar a tese do réu em uma vez que não houve apresentação de TOI, aliás este procedimento sequer foi apresentado nos presentes autos, nos moldes da Resolução 414 da ANEEL.

Destaque-se que a suspensão do serviço de energia elétrica por cobrança das diferenças relativas a possível adulteração no medidor de energia só é possível se a apuração da irregularidade for precedida de procedimento administrativo onde foi dado ao consumidor o direito de defesa. Neste sentido, os seguintes julgados do Tribunal de Justiça da Bahia:

TJBA - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AG 1595712009 BA 15957-1/2009. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA POR SUPOSTA VIOLAÇÃO NO MEDIDOR. JUÍZO DE 1º GRAU QUE DEFERIU LIMINAR DETERMINANDO O RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO ESSENCIAL ATÉ O JULGAMENTO DO MÉRITO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DO ART.273 DO CPC. EM TEMA DE ¿CORTE¿ DE ENERGIA ELÉTRICA POR COBRANÇA DAS DIFERENÇAS RELATIVAS A POSSÍVEL ADULTERAÇÃO NO MEDIDOR DE ENERGIA, COMO NA HIPÓTESE VERTENTE, OS TRIBUNAIS PÁTRIOS TEM REITERADAMENTE PROCLAMADO QUE A SUSPENSÃO DESSE SERVIÇO PÚBLICO SÓ É POSSÍVEL SE A APURAÇÃO DA IRREGULARIDADE FOR PRECEDIDA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ONDE FOR OPORTUNIZADO AO CONSUMIDOR O DEVIDO PROCESSO LEGAL, O QUE IN CASU NÃO OCORREU. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

TJBA - APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO MONITÓRIA. APELAÇÃO. 67910-6/2008 FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ACOLHIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. ADULTERAÇÃO NO MEDIDOR. APURAÇÃO UNILATERAL DO DÉBITO SEM A REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. I - CONFIGURADA A VULNERABILIDADE TÉCNICA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA, AMPLAMENTE PERMITIDA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NOS TERMOS DO ART. 6º, VIII DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. II - NÃO COMPROVADO PELA CONCESSIONÁRIA QUE A AVARIA EXISTENTE NO APARELHO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA FOI CAUSADA PELO USUÁRIO, NÃO SE PODE IMPUTAR A ESTE, COMO CONSUMIDOR, RESPONSABILIDADE PRESUMIDA PELA FALHA NO REGISTRO DA ENERGIA CONSUMIDA. III - ILEGAL O CÁLCULO DO DÉBITO COM BASE NO ART. 72 DA RESOLUÇÃO ANEEL Nº. 456/00, SE NÃO REALIZADA DILAÇÃO ESPECÍFICA, VIA DEVIDO PROCESSO LEGAL QUE ASSEGURE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.

Desse modo, a cobrança realizada pela Ré impõe um ônus excessivo ao consumidor, decorrente de suposta violação em seu aparelho, cuja diferença de consumo cobrada não restou demonstrada nos autos, razão pela qual considero abusivo o valor questionado pela parte autora, devendo ser promovido seu cancelamento.

Por fim, quanto aos danos morais fixados, entendo por bem afastar a condenação, mormente ao fato da ausência de suspensão dos serviços em decorrência de referido procedimento de verificação de regularidade, bem como pela não necessidade de adoção de procedimento judicial para garantir o fornecimento na unidade consumidora.

Pelas mesmas razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da parte ACIONADA, apenas para afastar a condenação da mesma nos danos morais, mantendo a sentença de origem em todos os outros pontos, em seus termos e fundamentos. Sem custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.9099/95.

 

Salvador, 03 de junho de 2022.

 

 

MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO

Juíza Relatora