Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI

PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA
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Ação: Cumprimento de sentença
Recurso nº 0005081-73.2017.8.05.0080
Processo nº 0005081-73.2017.8.05.0080
Recorrente(s):
VERONICE JESUS DOS SANTOS

Recorrido(s):
EMBASA



EMENTA

 

RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DÉBITO DO AUTOR. PRÉVIO AVISO DE CORTE. DEMANDANTE QUE EFETUOU O PAGAMENTO DAS FATURAS EM ATRASO NO DIA ANTERIOR AO CORTE, NÃO HAVENDO TEMPO HÁBIL PARA COMPENSAÇÃO BANCÁRIA. RÉ QUE PROCEDEU AO RELIGAMENTO DO SERVIÇO NO MESMO DIA EM QUE SOLICITADO PELO DEMANDANTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E DANO MORAL NÃO DEMONSTRADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. AUTOR NÃO SE DESINCUMBE EM COMPROVAR O SEU DIREITO, A TEOR DO ART. 373, I, DO CPC. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO JULGADO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DESTA TURMA RECURSAL, ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 DO TJBA.

 

Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1].

 

Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o VERONICE JESUS DOS SANTOS pretende a reforma da sentença lançada nos autos que com base no inciso I do Art. 487 do Código de Processo Civil, JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos realizados pela Autora na exordial.

 

Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, nos termos do art. 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo nº 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de Abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI e/ou a decisão do acórdão faz parte de entendimento já consolidado por esta Colenda Turma Recursal e/ou o acórdão é favorável a quem requereu pedido de sustentação oral dentro do prazo legal, tendo este já findado, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. 

 

VOTO

 

Trata-se de ação proposta no dia 05/11/2004 por VERONICA JESUS DOS SANTOS em face de EMBASA, sob alegação de que a Parte Ré interrompeu no dia 30/10/2004 (sábado) o fornecimento de água de seu imóvel, apesar da fatura do mês 10/2004, vencida no dia 01/10/2004, ter sido paga por ela no dia 29/10/2004 (sexta-feira), situação essa que lhe gerou danos. Diante disso, requer tutela de urgência e, ao final, indenização por danos morais.

 

Citada em 26/03/2021 (Evento de nº 45) a Parte Ré.                   

 

Realizada audiência de conciliação, sem êxito, em razão da ausência da Parte Ré. A parte autora recorre pretendendo a procedência do pleito inaugural.

 

Decido.

 

A sentença bem analisou as provas constantes dos autos e alegações das partes, concluindo pela improcedência dos pedidos.

 

Na espécie, porém, como acima delineado, aplica-se o regramento especial do Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 14, estabelece:

 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Dessa forma, no caso em análise, ainda que a prestadora do serviço responda objetivamente pelos danos causados, ou seja, independentemente de culpa, bastando a comprovação nos autos do efetivo prejuízo e do nexo de causalidade entre este e a conduta , a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, não exime o consumidor de produzir prova mínima dos fatos constitutivos de seu direito.

 

A inversão do múnus probatório, instituída pelo aludido microssistema legislativo, não se opera de forma imediata defronte à aferição da natureza consumerista da relação jurídica em exame, devendo a sua ocorrência ser apreciada e determinada por decisão judicial, consoante se infere da redação do inciso VIII, do artigo 6º, do CDC:

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

 

Insta salientar, ainda, que, mesmo diante da decretação da inversão do ônus probatório pelo magistrado, tal premissa não possui o condão de emergir a imperativa procedência do pedido, tampouco a dedução pela isenção da parte autora quanto à obrigação de produzir as provas que estão ao seu alcance, com o escopo de demonstrar o fato constitutivo de seu direito.

 

Ressalto também, que em se tratando a água de bem essencial, o princípio é o da continuidade, sendo que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos (art. 22, do CDC).

 

Outrossim, a teoria adotada pelo art. 37, § 6º, da Carta Magna, é a teoria do risco administrativo, em que se dispensa a existência do fator culpa ou dolo, para determinar a obrigação de indenizar, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o evento e o prejuízo. Nesses casos, a responsabilidade somente será afastada mediante a comprovação, de que o evento danoso decorreu de culpa exclusiva da vítima, de culpa de terceiros ou adveio de caso fortuito ou força maior.

 

Ademais, a Lei 8.987/1995 dispõe acerca da continuidade dos serviços públicos e a situações e forma em que a suspensão pode ocorrer, veja-se:

 

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.  3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

 

Pondero que quanto a tal hipótese de interrupção/suspensão pautada na inadimplência do consumidor a doutrina se divide, onde parte entende que o consumidor inadimplente não pode ser beneficiado com a continuidade na prestação do serviço público e outra, comunga de posicionamento diverso.

 

Em que pese tal discussão, é inconteste que o dispositivo acima transcrito continua em vigor e retrata posicionamento ao qual me filio, pelo simples fato de que, forçar a manutenção da prestação do serviço a consumidores inadimplentes, redundaria em prejuízo certo para a coletividade haja vista que, o percentual de inadimplentes aumentaria consideravelmente e, inevitavelmente, inviabilizaria a própria prestação do serviço que em razão do Prestador não receber a sua contraprestação.

 

No caso concreto, o cerne da questão, diz respeito, a tão somente, se a conduta da Demandada está enquadrada dentro do exercício regular do direito, e concomitantemente, na culpa exclusiva da vítima, tendo em conta que suspendeu o fornecimento de serviço pela inadimplência de fatura, paga no dia anterior à efetivação da suspensão pela Concessionária de Serviço Público ou se isso constituiu ato ilícito, bem como se dele decorreu dano moral.

 

Conforme bem explicitado pelo magistrado de piso:

 

¿No caso em apreço, resta incontroversa a existência de débito em nome da Parte Autora no valor de R$11,25(...) vencido no dia 01/10/2004. A Parte Autora questiona a interrupção do fornecimento de água de seu imóvel realizada pela Parte Ré no dia 30/10/2004 (sábado). Contudo, consta dos autos prova no sentido de que a Parte Autora quitou a fatura vencida no dia 01/10/2004 tão somente no dia 29/10/2004, às 15:34hs. Com isso, não houve tempo hábil para a compensação bancária (48 horas) desse pagamento efetuado pela Parte Autora.¿.

 

Por isso, apesar das razões recursais apresentadas pelo recorrente, conclui-se pela manutenção da sentença proferida pelo juízo de origem.

 

De uma acurada análise dos autos, na busca da razoabilidade e da justa aplicação do direito, concluo não existir provas suficientes a corroborar a tese autoral. Isto porque, não há nos autos qualquer elemento comprobatório, capaz de demonstrar o vício no serviço prestado, como alegado pela parte autora, bem como, não existe quaisquer provas suficientes quanto à suposta conduta ilícita e abusiva da ré, seja por ação ou omissão.

 

Conforme ventilado pelo magistrado de piso, o Autor limitou-se a produzir alegações genéricas quanto às recusas perpetradas pela Demandada, todavia, não logrou em comprová-la, dada a ausência de documentação capaz de subsidiar suas alegações.

 

Nesse ponto, importante ressaltar que os contratos devem ser regidos pela boa-fé, cabendo aos contratantes na execução dele agir com probidade e lealdade um para com o outro, nesse sentido é claro o art. 422 do CC, verbis:

 

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Acerca da observância do princípio da boa-fé objetiva e da função social em matéria contratual, Maria Helena Diniz ensina que, verbis:

 

¿A boa-fé subjetiva é atinente ao fato de se desconhecer algum vício do negócio jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), proibindo o comportamento contraditório, impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente¿. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 418).

 

 

¿O art. 421 institui a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesma sua resolução¿. (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 20 edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 37).

 

Ora, voltando ao caso em questão, o consumidor tinha ciência de sua mora, já havia sido notificado acerca do corte, então, poderia ter evitado esse, se, simplesmente, tivesse comunicado a Ré acerca do pagamento da fatura.

 

Pondero que tal conduta estaria pautada na boa-fé, que deve reger o contrato entre as partes, tendo essas, mutuamente, o dever de lealdade e de informação.

 

Destaco que não estou defendendo que todas as vezes que o consumidor fizer pagamento deve comunicar ao fornecedor do serviço, óbvio que não! Mas, que no caso em questão, considerando o inadimplemento, a iminência da suspensão do serviço, da qual já havia sido notificado do consumidor, esse, no exercício da boa-fé contratual poderia ter informado a Demandada, evitando o corte.

 

Outrossim, cabia a recorrente demonstrar, efetivamente, o ato que supostamente, tenha causado o dano moral que alega. Contudo, os documentos acostados pelo autor não serviram para provar sua tese e configurar o dano moral pleiteado.

 

O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar de dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a ela se dirige, e exatamente isso ocorreu no caso vertente:

 

Ou como ensina Rui Stoco:

 

"Mas não basta a afirmação da vítima de ter sido atingida moralmente, seja no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros. Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados." Os autores Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti, citados por Antonio Jeová Santos (Dano moral indenizável, 1ª ed., São Paulo, Lejus,1997), expõem que: "Diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurará. Isto quer dizer que existe um" piso "de incômodos, inconvenientes ou desgostos a partir dos quais este prejuízo se configura juridicamente e procede sua reclamação" (Responsabilidade civil, p. 243).

 

Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação, ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante."( Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª Edição, pág. 1381/82) .

 

Assim, entendo não ter restado devidamente provado o direito alegado pelo autor. Logo, não havendo prova do ato ilícito, não há que se falar em dano, muito menos, em dever de indenizar, pois incube ao autor a prova de seu direito e, inexistindo esta, a causa não pode ser decidida em favor daquele que não se desincumbiu de prová-la.

 

Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença impugnada em todos os seus termos. Custas judiciais e honorários de 20% sobre o valor da causa, pelo recorrente. Suspenso o pagamento, em razão dos beneplácitos da justiça gratuita que lhe foram concedidos, com espeque no art. 98, §3º, do CPC.  

 

Processo julgado com base no artigo nº 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de Abril de 2019 do TJBA, que dispõe sobre o julgamento de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI e/ou a decisão do acórdão faz parte de entendimento já consolidado por esta Colenda Turma Recursal e/ou o acórdão é favorável a quem requereu pedido de sustentação oral dentro do prazo legal, tendo este já findado, bem como do art. 15. do Regimento Interno das Turmas Recursais (resolução 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do Relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo Colegiado ou já com uniformização de jurisprudência em consonância com o permissivo do art. 932, CPC.

 

Salvador, 05 de abril de 2022.

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

Juíza Relatora

 

 

ACÓRDÃO

 

Realizado o julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, LEONIDES BISPO DOS SANTOS SILVA, ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA E ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença impugnada em todos os seus termos. Custas judiciais e honorários de 20% sobre o valor da causa, pelo recorrente. Suspenso o pagamento, em razão dos beneplácitos da justiça gratuita que lhe foram concedidos, com espeque no art. 98, §3º, do CPC. 

 

Salvador, 05 de abril de 2022.

 

 

 

ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA

 Juíza Relatora

 

 

 

ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA

Juiz Presidente

 

 



[1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.